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quarta-feira, 26 de fevereiro de 2020

Análise: Harleen



Análise: Harleen, de Stjepan Šejić

Harleen conta-nos a história de Harley Quinn e como nasce o seu romance com Joker, o maior vilão de todos os tempos. Desde a altura em que termina os seus estudos de psiquiatria, Harleen Quintzel – o seu verdadeiro nome – começa por ter as melhores intenções na cura dos criminosos residentes no Asilo de Arkham. Eventualmente, a sua ligação com Joker, seu paciente, vai transtorná-la de forma violenta e irrevogável, levando-a a apaixonar-se perdidamente por ele.

Este livro tem uma abordagem séria e adulta. Não esperem cenas de ação ou grandes lutas, tal como costumam acontecer comummente em livros de comics. Aqui os dilemas, as dificuldades e obstáculos pelas quais a protagonista tem de passar, são do foro psicológico. E haverá maior enormidade para ultrapassar do que as dúvidas internas, os receios profundos, ou a necessidade de uma paixão que tem tudo para nos levar à perdição? A barreira entre o bem e o mal, que este livro nos dá, é ténue o que acaba por nos remeter para a realidade que nos rodeia e para os próprios receios e questões que nos habitam a nós, leitores. Harley Quinn não é uma vilã. É uma vítima. Provavelmente a maior vítima que Joker alguma vez fez. E no final da história, não sabemos se havemos de nos insurgir contra Harley ou se devemos lamentar as suas fraquezas de carácter. 

Várias personagens como Batman, a Hera Venenosa, Waylon Jones (o Crocodilo), Bane e outros fazem a sua aparição neste Harleen, mas não são o centro da ação. Esta é a história de Harley e, felizmente, Šejić  soube focar-se verdadeiramente na personagem, utilizando as outras personagens do universo de Batman de forma perspicaz, sem parecer algo forçado. Tanto é, que até mesmo Joker acaba por ser menos importante do que Harley, embora, naturalmente, seja crucial para o desenvolvimento da história da protagonista. E também Harvey Dent, o Duas-Faces, acaba por ter bastante importância na trama da história, tendo sido muito bem introduzido na narrativa, por Šejić. 

Em termos de arte visual, o trabalho de Stjepan Šejić é extraordinário, também. A sua capacidade de retratar o ambiente de Gotham ou as expressões faciais das personagens, é verdadeiramente impressionante. Certas pranchas são verdadeiras obras de arte, quer no desenho, quer na cor.

Na criação visual de Harley Quinn e na sua degradação gradual, o autor mostra mestria e um estudo cuidado e atento. Afinal de contas, Harley é apenas uma mulher bonita mas, acima de tudo, normal. E é por isso que acaba por ser uma personagem com que nos identificamos naturalmente. A concepção das outras personagens está também muito bem conseguida. A dinâmica de planificação do livro também está impecável, nunca se tornando maçadora para o leitor. Em suma, estamos muito perto da perfeição.

Para mim este magnífico livro peca apenas numa coisa. Trata-se de um gosto pessoal e portanto, é claramente subjetivo mas é algo de sobeja importância para mim. A maneira como Joker é desenhado por Stjepan Šejić, simplesmente fica um pouco aquém daquilo que eu esperaria. A abordagem baseia-se numa representação talvez menos comic e mais humanizada. Mas, para mim, Joker é-nos visualmente apresentado como sendo demasiado normal, demasiado humano, com um look demasiado emocore, para o meu gosto. Não é uma personagem que olhando para ela, tenha aquele aspeto creepy, de louco inveterado, a que já nos habituámos. Posso admitir que, certamente, foi uma intenção clara de Stjepan Šejić que queria dar uma aura mais humana  - e talvez mais jovial - à personagem. Mas simplesmente não funciona. Ou melhor: não funciona tão bem como poderia ter funcionado. Não é que esteja mal desenhado, mas as opções estéticas que o autor tomou para a desenhar, simplesmente saíram ao lado. Joker parece-me demasiado bem parecido, demasiado charmoso, demasiado musculado e com um estilo muito poser, em detrimento daquela personagem escanzelada, com uma postura toda arqueada e com a expressão de loucura tão presente, quer nos seus olhos, quer no seu sorriso malévolo. 

Gerard Way, vocalista dos My
Chemical Romance e criador da
série Umbrella Academy
Este Joker poser, parece-me um homem normalíssimo, de cabelos compridos e uma boca ligeiramente grande, que se limitou a pintar o cabelo de verde. Fez-me pensar mais num vocalista de rock emocore, como por exemplo, Gerard Way - vocalista da banda My Chemical Romance e, curiosamente, também ligado ao universo da banda desenhada, através da sua criação The Umbrella Academy – do que no príncipe palhaço do crime. Exceptuando a magnífica ilustração da segunda capa onde é, possivelmente, a única vez em que Šejić conseguiu captar a essência da personagem, parece-me que Joker acaba por parecer charmoso, algo vazio e insonso. Não chega para destruir ou invalidar esta excelente obra – não, longe disso! – mas é algo de alguma importância. Aceita-se por isso que tenha sido a opção mais humanizante que Šejić queria dar à personagem.

Acima de tudo, Harleen é um livro espectacular que merece figurar nas boas bibliotecas de banda desenhada. A Levoir está, portanto, de parabéns por ter apostado nesta obra de tão grande qualidade. Não concordo com a forma como o fez como, aliás, já deixei claro aquando o anúncio de lançamento da obra. Mas sobre isso já opinei nesse post e não considero necessário fazê-lo novamente.

Se a arte de Šejić representava, por si só, uma garantia de qualidade ao nível da arte é, no entanto, na escrita da história que o autor mais me surpreendeu. Harleen é uma narrativa bem conseguida, adulta, com tempo suficiente (leia-se páginas) para nos agarrar, sem se tornar aborrecida. Obviamente que qualquer leitor já sabe qual é o fim que espera à personagem. Mas isso não invalida que saibamos o “como” e é a isso que Šejić tão bem se agarrou.

Não é preciso gostar de super-heróis, do Batman, ou de comics para apreciar este magnífico livro. Basta apreciar uma boa banda desenhada. É a melhor história que já li sobre Harley Quinn e, também, uma das melhores que já li do universo DC. Obrigatório e candidato a um dos livros do ano.



NOTA FINAL (1/10):
9.2


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Ficha Técnica
Harleen, Volumes 1 e 2
Autor: Stjepan Šejić
Editora: Levoir
Páginas: 112 (cada livro), a cores
Encadernação: Capa dura

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