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quarta-feira, 18 de março de 2020

Análise: O Homem que matou Lucky Luke


O Homem que matou Lucky Luke, de Matthieu Bonhomme


O Homem que matou Lucky Luke, de Matthieu Bonhomme
O Homem que matou Lucky Luke, de Matthieu Bonhomme

Há livros cuja capa, de tão espetacular que é, já conta uma história ou já faz com que fiquemos interessados num livro, quando passeamos numa livraria. O Homem que Matou Lucky Luke é um desses casos. Considero a capa - a original - como uma das melhores capas que já vi em livros de banda desenhada. Está séria, bem desenhada, soberbamente bem colorida com os seus tons a azul e uma luz e sombras magníficas mas, talvez ainda mais importante que isso, está dramática e cinematográfica. 

Como se não bastasse, este livro ainda tem um título que não deixa ninguém indiferente. Chamar a um livro comemorativo dos 70 anos de Lucky Luke, "O Homem que Matou Lucky Luke" é audaz, provocador e corajoso. Afinal, será que o autor se propõe assasinar o cowboy mais célebre do mundo, aquele que dispara mais rápido do que a própria sombra?

O Homem que matou Lucky Luke, de Matthieu Bonhomme
Mas antes de avançar, permitam-me a partilha do meu background de leitor. Como escrevi há uns dias, aquando da minha análise a Comanche Integral Volume 3, da Ala dos Livros, parece que, desde sempre, o público infanto-juvenil da banda desenhada em Portugal, se dividia por 3 grandes heróis incontornáveis da bd franco-belga: uns eram fãs de Astérix, outros eram fãs de Tintim e outros eram fãs de Lucky Luke. É óbvio que existiam aqueles que eram fãs dos três personagens e/ou de outras personagens da banda desenhada – como eu! – mas não é exagero dizer que a, grosso modo, escolhia-se ser fã de um destes personagens quase como, permitam-me a comparação futebolística,  se escolhia ser fã do Benfica, do Sporting ou do Porto. Dentro destas três personagens, embora, repito, eu gostasse das três, era de Lucky Luke de quem eu mais gostava. Aquele herói destemido e cheio de carisma, algo reservado mas totalmente assertivo, que disparava mais rápido do que a própria sombra, foi meu companheiro durante horas e horas de leitura. Na minha infância, na minha adolescência e já na minha idade adulta. O Daily Star ainda é um dos melhores livros de toda a banda desenhada franco-belga na humilde opinião deste que vos escreve. E eu não era só fã de Lucky Luke. Também adorava – e adoro – os irmãos Dalton, especialmente o inocente Averell e o facilmente irritável Joe. E não posso deixar de dizer que Rantanplan continua para mim, como sendo a personagem canina mais estúpida, divertida e amorosa de sempre. O Milu, o Ideafix, o Pluto, o Bidu e muitos outros animais de estimação que acompanham célebres personagens da banda desenhada podem ser amorosos e engraçados também, mas o Rantanplan é o meu cão favorito de toda a banda desenhada. Não devo ser caso único pois este cão teve direito à sua própria série de bd.

O Homem que matou Lucky Luke, de Matthieu Bonhomme
Mas, voltando a Lucky Luke e relembrando então que este universo tão inteligentemente criado por Morris (com a ajuda de Goscinny) me era tão querido, foi com alegria que soube que, a propósito das celebrações dos 70 anos de Lucky Luke, a Lucky Comics decidiu dar a oportunidade a outros autores para recriarem a mítica personagem.

Por vezes estas iniciativas acarretam alguns riscos para a editora: se os novos livros forem demasiado próximos da série original, podem ficar aquém do espectável pelos fãs, devido a faltar-lhe personalidade própria. Do género: “é igual mas não é a mesma coisa”. Por outro lado, se o autor se afastar muito da obra original, quer em termos narrativos, quer em temos de arte, também há o risco de não agradar aos fãs da série, por ser demasiado diferente. Ora, Bonhomme não fez nem uma coisa, nem outra. Não desenhou Lucky Luke da mesma forma, bastante caricatural, de Morris. Mas também não o desenhou de forma disruptiva, fazendo com que ficasse completamente diferente. Desenhou-o à sua maneira. Com um aspeto mais realista, é certo, mas, ainda assim, fazendo uma justa ponte e uma clara homenagem ao Luke de Morris. Quanto à história, penso que aquela que O Homem que Matou Lucky Luke nos oferece, poderia muito bem ter constado num álbum assinado por Morris. Certamente, teria mais gags e teria um tom menos sério mas, ainda assim, penso que a narrativa aqui presente poderia ter sido de um livro concebido pelo autor original.

A história leva-nos até Frog Town, onde o bando dos irmãos Bones dominam a cidade por completo e começam a sentir-se ameaçados com a chegada de Lucky Luke, que desata a fazer demasiadas perguntas, que põem em causa a idoneidade do bando. Este Lucky Luke é mais humanizado do que o de Morris e, talvez por isso, apresenta mais sensações – e até fraquezas – do que o original. Não obstante, mantém-se fiel a si mesmo e acaba por demonstrar, através da sua audácia e valores, porque é que é um herói que tantos leitores apreciam.

O Homem que matou Lucky Luke, de Matthieu Bonhomme
Bonhomme além de nos dar um bom livro de Lucky Luke, dá-nos também um bom livro do género western. Mesmo se existirem(!) fãs do estilo de banda desenhada western que não gostem de Lucky Luke, é bem possível que gostem desta obra. Vê-se que Bonhomme se sente à vontade para desenhar histórias de cowboys, tendo até já desenhado a série Texas Cowboys. Além disso, as referências cinematográficas, particularmente aos filmes do género western spaghetti, de Sergio Leone, são também várias, especialmente se tivermos em conta todo o dramatismo e suspense que é dado à cena do duelo. Soberbo trabalho!

Em O Homem que Matou Lucky Luke também é abordada a razão pela qual Lucky Luke deixa de fumar. Torna-se curioso e divertido que Bonhomme tenha tocado tantas vezes neste assunto, construindo quase uma subnarrativa sobre este tema, à volta da trama principal, se nos lembrarmos que a única exigência que a Lucky Comics fez ao autor foi que este não mostrasse nunca a personagem de Lucky Luke com um cigarro na boca.

O Homem que matou Lucky Luke, de Matthieu Bonhomme
O único reparo que faço a esta obra, e trata-se de uma questão meramente de gosto pessoal, reconheço – é que, por vezes, o autor recorre à aplicação de manchas monocromáticas em vinhetas inteiras. Percebo que o resultado desta opção é criar páginas mais dinâmicas e ter um aspecto, por ventura, mais contemporâneo e moderno. No entanto, por vezes não gostei desta opção pois pareceu-me tornar algumas páginas quase num estilo popart que não me parece tão adequado para um livro de Lucky Luke. Atenção que isto não chega a melindrar ou a estragar a fantástica obra que nos é dada mas, a meu ver, retira-lhe a quase perfeição a que poderia almejar, caso a cor fosse aplicada de forma mais clássica. Como é feito em muitas outras vinhetas, diga-se.

E o que é verdade é que O Homem que Matou Lucky Luke consegue fazer uma proeza que não é, de todo, fácil. Consegue ser simulatenamente para míudos (para crianças e jovens) mas também para graúdos, tendo em conta toda a história mais madura que apela a uma certa maturidade de quem a lê. Contudo, também não é um livro demasiado pesado, cuja leitura seja difícil. É acessível a todos, o que faz dele uma obra muito bem equilibrada.

Parabéns Matthieu Bonhomme, acredito que Morris estaria orgulhoso deste comeback do cowboy mais famoso de todos os tempos.

O Homem que matou Lucky Luke, de Matthieu Bonhomme
Quanto à nova Editora A Seita, que se estreia com esta obra no mercado da banda desenhada franco-belga, só posso dar os meus parabéns e declarar que, quase aposto, os fãs deste tipo de banda desenhada estão felizes com este lançamento e ávidos por aquilo que a Editora possa colocar no nosso mercado, que seja do estilo franco-belga. No final do livro encontramos um pequeno dossier de estudos de personagem de Bonhomme, que são acompanhados por um interessante texto de João Miguel Lameiras. Destaque ainda para o facto de O Homem que Matou Lucky Luke ter duas capas diferentes: a original e uma exclusiva para a rede de lojas FNAC. Assinalo que, para o meu gosto, a capa da FNAC está a anos luz da espectacular capa original – que considero ser a melhor capa de sempre de qualquer livro de Lucky Luke - mas é bom que haja a liberdade de escolha para que cada um opte pela capa que mais gosta. Ou então, também é uma boa forma para que se adquira os dois livros, por razões colecionistas, motivadas pela raridade da capa da FNAC.

Regojizem-se amantes da banda desenhada franco-belga! Lucky Luke está de volta! E a Editora A Seita promete dar cartas no mercado da banda desenhada nacional.

Estou certo que se O Homem que Matou Lucky Luke não for unanimemente considerado como o melhor livro de banda desenhada do ano estará, pelo menos, entre os melhores álbuns de 2020. Obrigatório!


NOTA FINAL (1/10):
8.8

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Ficha técnica
O Homem que Matou Lucky Luke
Autor: Matthieu Bonhomme
Editora: A Seita
Páginas: 72, a cores
Encadernação: capa dura

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