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segunda-feira, 18 de maio de 2020

Análise: O Corvo – Inconsciência Tranquila



O Corvo – Inconsciência Tranquila, de Luís Louro

Corvo, o super-herói da cidade de Lisboa, que se desloca por entre telhados acompanhado pelo seu fiel companheiro Robim, está de volta, após um longo período de tempo. E é um regresso em grande. O álbum que os fãs da personagem certamente esperavam. Aqui há de tudo: sexo, drogas e muitas piadas que vão manter o sorriso na cara de cada leitor.

Depois de reler os álbuns anteriores de O Corvo e de ler este Inconsciência Tranquila – o quarto álbum do herói - parece-me que Luís Louro trava um campeonato consigo próprio em Portugal, já que ninguém na bd portuguesa faz o que ele faz – pelo menos, da maneira que ele faz. Há o estilo cómico e há o “estilo luís louro”. E isso, torna Luís Louro hegemónico na “bd para fazer rir” em Portugal. 

E convém dizer que este Corvo não é apenas um livro de gags humorísticos. Na verdade, acho mais justo dizer que é uma banda desenhada de ação, uma hommage aos super-heróis que todos nós conhecemos, com claro destaque para o Homem-Aranha. Mas é o humor que impera sobre todas as outras coisas presentes. A seguir (ou durante) uma cena de ação, é a piada que prevalece na memória do leitor. Tal como, a seguir a uma freira em topless, é a piada que merece o maior destaque, não obstante, o fantástico exemplar mamário da freira.

Há outra coisa que a meu ver, torna Luís Louro único. A sua audácia, o seu sentido provocador e o seu aparente não problema com isso. Na verdade, ele parece um verdadeiro rock-star da banda desenhada humorística. Opta quase sempre pela piada mordaz, pela piada eticamente pouco correta. E a prova disso é que neste Inconsciência Tranquila, temos padres e freiras que são depravados sexuais, bem como muitos trocadilhos e jogos de palavras, eticamente pouco corretos. Mas também é isso que torna este livro edgy e apetitoso para ler. Não conheço o processo criativo do autor e corro um risco de especular sem razão, mas calculo que Luís Louro tenha a ideia para uma piada e que depois pense se é, ou não, de mau gosto e que, quase sempre, acabe por usar a piada. Porque está seguro do que faz. E porque sim! Parece ser "inconsciente" em relação ao raio de ação que uma das suas piadas pode provocar... mas também parece estar "tranquilo" quanto a isso. Ou não fosse, aliás, Insconsciência Tranquila, o nome do livro. Quase como se Louro fosse um Keith Richards da banda desenhada. Podia talvez refazer determinada piada ou torná-la mais light... mas isso seria perder a atitude e a coolness. E isso não é coisa que o autor faça.  

Este Inconsciência Tranquila traz-nos o regresso do herói Vicente, conhecido por Corvo, e do seu fiel companheiro Robim. E desta vez, Vicente tem que enfrentar um inimigo explosivo, o Combustão, que é resgatado de um dos livros anteriores de O Corvo, e que acrescenta muito ao livro em termos de comédia, tendo, talvez, as piadas mais bem conseguidas ao longo da obra. A história leva ainda o protagonista a detetar acidentalmente drogas e a encontrar um convento que, de casto, tem muito pouco. Tudo isto, sempre muito bem salpicado com o humor de Louro, que nos consegue fazer rir nas alturas menos próprias, tal como no meio de uma batalha épica. 

Outra coisa bem conseguida no protagonista da história é a sua ingenuidade, que permite a obtenção de duas coisas muito importantes para o sucesso da obra: é que, por um lado, a ingenuidade e as questões levantadas por Vicente levam o leitor a identificar-se com ele, a criar empatia com a personagem. Por outro lado, essa ingenuidade permite ao autor, servir-se da personagem para a introdução de deliciosos gags. Muito bem construída esta dualidade.

Em termos narrativos, julgo que há algumas pontas soltas que talvez pudessem ter sido mais bem limadas. Ou que algumas personagens poderiam ter sido mais bem exploradas. Mas, lá está, também é compreensível que isso aconteça, já que esta é uma história leve e divertida que procura, acima de tudo, entreter-nos. Há uma ou outra piada mais “seca” mas julgo que a grande maioria das piadas são bem conseguidas.

Quanto à arte visual, o desenho de Luís Louro aparece igual a ele próprio. O que é uma coisa boa para todos os seus fãs. Como as cores são feitas de forma digital, a arte final está mais polida e estilizada em relação a álbuns anteriores de O Corvo. Alguns fãs poderão torcer o seu nariz neste ponto mas, na minha opinião, este é o estilo de cor que este tipo de livros necessita, pois tornam-nos mais atuais. Se fosse um livro mais sério ou mais artístico, talvez as cores digitais fossem uma má escolha (ou não!). Mas neste tipo de livro de ação humorística, acho que encaixa perfeitamente.

Analisando ainda a ilustração do autor, faço uma nota ainda para a caracterização do corpo feminino por parte de Luís Louro. Na banda desenhada existem as raparigas “para sonhar”. São as de Manara. Depois existem as raparigas “para casar”, que são as de Gibrat. Desculpem a linguagem corriqueira, mas as raparigas de Luís Louro são claramente “para coise”. E ainda bem que assim é! Aquelas mamas magníficas e aquelas ancas proeminentes das raparigas de Louro, que são um traço característico da sua arte, são um gáudio para os olhos dos leitores. Sempre achei as suas mulheres super sexys e roliças, comme il faut. Acho – e acho que Luís Louro também acha – que a presença de mulheres curvilíneas e sensuais nos seus livros, (também) é uma das grandes causas que fazem os leitores comprarem as suas obras. 

Neste sentido, vou até mais longe e, esperando que o Luís Louro possa passar aqui pelo Vinheta 2020 e ler esta análise, deixo uma proposta ao autor: para um futuro lançamento de uma nova obra, porque não a aposta num livro mais sério e (ainda) mais sexual? Poderia enveredar por dois caminhos, a meu ver: 1) Um romance sério e sensual. Algo do género da história de uma devassa que procura incansavelmente a paixão da sua vida e consegue finalmente encontrar alguém que a preenche verdadeiramente na vida (e na cama). 2) Ou então, algo ainda mais direto: a história de um gigolo ou de uma stripper que encontra diferentes fetiches pela frente para satisfazer. Se parece que estou a gozar, não estou. Luís Louro faz livros cómicos e de ação com mamas. E está muito bem, como está. Mas talvez um livro com uma história séria – e com mamas – poderia ser (quase que aposto que seria!) um enorme sucesso e algo disruptivo, como Louro sabe fazer. Algo na onda de um Alice na Cidade das Maravilhas, do mesmo autor, que, infelizmente, apenas tive a oportunidade de folhear há uns anos e nunca mais o encontrei para compra. Fica a sugestão.

E já que falo em Alice na Cidade das Maravilhas, parece-me que ela faz uma pequena aparição neste livro. Ou terá sido apenas semelhança?

Cabe ainda dizer que foi uma grande notícia para todos que Luís Louro tenha passado a ser publicado pela Ala dos Livros. A edição que temos é vistosa, em grande formato, e creio que permite ao autor ter a sua obra mais bem tratada pelo editor. Tenho a sensação de que os mais recentes trabalhos de Luís Louro publicados pela Asa (Watchers e Sentinel) não receberam o destaque e promoção que mereciam. Já a Ala dos Livros parece-me (bem) focada em fazer chegar o livro a muitas pessoas. E claro, é mais um passo importante na afirmação da Editora enquanto uma referência na banda desenhada nacional.

Inconsciência Tranquila é recomendável para todos os que apreciam uma banda desenhada bem divertida e despretensiosa que (re)afirma Luís Louro como uma referência na banda desenhada nacional. E isso não é de agora. Já o é há muitos anos. Apenas é algo que fica mais reforçado ainda. Espero que este seja um regresso em força do herói Corvo, que tanto carinho nutre junto dos leitores. 


NOTA FINAL (1/10):
8.1

Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020

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Ficha Técnica
O Corvo: Inconsciência Tranquila
Autor: Luís Louro
Editora: Ala dos Livros
Páginas: 64, a cores
Encadernação: capa dura

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