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sexta-feira, 3 de julho de 2020

Análise: A Ordem Mágica



A Ordem Mágica, de Mark Millar e Olivier Coipel

A Ordem Mágica foi recentemente editada em Portugal, pela G. Floy Studio. É a primeira banda desenhada original da Netflix (com publicação pela Image Comics) e é feita pelo super-produtivo autor Mark Millar, com ilustrações de Olivier Coipel.

E o que temos aqui é uma banda desenhada interessante, com bastante originalidade e um ritmo (demasiado) frenético, que vai beber a várias influências. O próprio Mark Millar apresentou esta série como sendo uma mistura entre Harry Potter e Sopranos. E de facto, tendo em conta que estamos perante uma história baseada em feiticeiros, com super-poderes ativados pelas suas varinhas mágicas, a comparação com o universo de Harry Potter é quase impossível de não se fazer. No entanto, A Ordem Mágica tem a sua própria personalidade e sendo, por ventura, para um público mais adulto do que Harry Potter, também não consegue ter a profundidade dos livros de J.K. Rowling. Embora, admito, talvez não seja muito justo comparar uma banda desenhada de 176 páginas com uma série de romances, com 7 livros editados e mais de 3.500 páginas.

Esta obra conta-nos a história de uma Ordem de mágicos que tem como missão proteger a Terra de todas as ameaças que possam surgir. Os membros desta Ordem levam vidas ditas normais durante o dia, escondendo os seus poderes e desempenhando papéis banais na sociedade. Mas à noite, ou perante as trevas, são eles que protegem o planeta das forças do mal. A Ordem é liderada pela família Moonstone, mais concretamente, por Leonard Moonstone que, durante o dia, faz espectáculos de magia. Os seus três filhos Regan, Cordelia e Gabriel também são feiticeiros embora, este último, tenha resolvido viver uma vida normal para sempre, depois de, às custas da magia, ter perdido a sua filha única. 

Tudo correria bem no universo se não existisse a malévola Miss Albany que, pertencendo à família Moonstone, foi afastada pelo antigo líder da mesma e que agora, juntamente com os seus súbditos, pretende vingar-se, roubando à Ordem um livro de feitiços – o oricalco – e eliminando todos os membros da Ordem, para que possa tornar-se líder da mesma.

Algo que merece destaque é a presença de personagens carismáticas neste livro. Cordelia, a filha rebelde de Leonard, mesmo podendo ser uma personagem cliché, a verdade é que tem um grande carisma e atitude, que certamente não deixarão o leitor indiferente. Gabriel também é uma personagem interessante por todo o drama familiar que já viveu.

Mas é na presença de vilões emblemáticos que esta obra se torna mais assinalável. Miss Albany é uma personagem densa, completamente maquiavélica e com um aspeto sombrio. É detentora de uns lábios sensuais, sempre pintados de vermelho, uns olhos de um azul vítreo e uma máscara bondage que ocultam a sua restante face. Diria que é uma personagem muito interessante do ponto de vista da conceção e da força gráfica que apresenta. Mas não ficamos por aqui. O seu braço direito, o Veneziano, com um fato retirado do Carnaval de Veneza, com longas mangas com folhos, um elegante chapéu veneziano e uma máscara branca que lhe cobre toda a cara, exceto os seus olhos vermelhos, é uma personagem medonha e extremamente iconográfica. Daquelas que nos ficam na mente muito depois de acabarmos a leitura do livro.

Há personagens vilões que ficam para sempre na mente dos leitores devido à sua força gráfica, como por exemplo, Joker em Batman ou V em V de Vingança. Miss Albany e o Veneziano são personagens desse tipo. São, possivelmente a par de Cordelia, a coisa mais interessante deste A Ordem Mágica.

A história vai-nos levando depois, para uma luta entre os bons e os maus que, por vezes, tem ideias muito interessantes e momentos memoráveis. Desde lutas com grandes monstros, flashbacks emotivos na vida de Gabriel com a filha, ou algumas mortes violentas e inesquecíveis que acontecem, este é um livro bem refinado. Se no final, sabe a pouco, é só porque o ritmo a que os acontecimentos se sucedem é, na minha opinião, demasiado rápido. O que faz com que certas personagens e acontecimentos não sejam tão bem trabalhados e explorados, levando, também, a que a história apresente algumas pontas soltas. 

Mark Millar possui uma característica muito singular, enquanto criador de histórias: é que as suas histórias têm (quase) sempre ideias muito interessantes e “fora da caixa” e que nos são dadas a um ritmo (quase sempre) muito acelerado. Ora, esta característica da velocidade narrativa, como gosto de lhe chamar, faz com que os seus livros se leiam muito bem e que sejam, na minha opinião, mais destinados a um público mais jovem, pois os significados e mensagens subliminares, nunca são tão bem explorados. Simplesmente porque não há tempo ou ritmo para isso. Por outras palavras, Mark Millar consegue propor sempre grandes ideias que depois, acabam por ser exploradas de forma superficial. E se isso é algo que pode funcionar muito bem em certas séries como Wanted, totalmente focadas na ação, julgo que em histórias como A Ordem Mágica que teria, à partida, coisas tão interessantes para desenvolver, esta característica da velocidade, faz com que certas ideias e conceitos sejam apenas apresentados de forma quase gratuita, não sendo depois suficientemente aproveitados.

E lá está, A Ordem Mágica lê-se muito bem, tem uma premissa curiosa e engraçada, mas, no final, parece que sabe a pouco. Que não foram exploradas de forma conveniente todas as potencialidades que a história e as personagens teriam. O sabor é bom, mas é pouco. E, sublinho, a principal causa disso não são as opções narrativas para a história mas sim o ritmo frenético que não consegue explorar (porque não tem páginas suficientes para isso, diga-se) cada personagem. Não consegue aprofundá-las. 

No final, mais do que um “escritor de histórias”, Millar parece ser um “criador de ideias para histórias”. E nisso, é das melhores mentes do mundo ao serviço dos comics. O autor parece conseguir destilar de si mesmo muitas e boas ideias para bandas desenhadas. Mas eu desejaria que conseguisse aprofundar melhor cada uma destas ideias.

Relativamente à arte, este é um excelente trabalho do autor Olivier Coipel. O seu traço é bastante original e vai um pouco mais longe do que os comics americanos mais comuns, que normalmente são bastante estilizados, mas com um traço mais funcional do que artístico. Neste A Ordem Mágica, há um cariz artístico, com uma interessante utilização de sombreados, que enriquece a qualidade da obra, em termos de ilustração. A utilização dos panos de "câmara" também é muito bem conseguida, dando à obra um cariz cinematográfico e diversificado. Deverá igualmente ser dado o merecido destaque às cores de Dave Stewart, que dão o charme que a obra necessitava e que são um grande trunfo do livro. É um livro carregado de bonitas ilustrações.

No final, a obra fica a parecer um comic americano com algumas nuances derivadas do estilo franco-belga. Por vezes, nos desenhos menos detalhados, a arte não consegue ser tão evocativa, mas, nas vezes em que o detalhe é grande e, também, na caracterização facial das personagens ao longo do livro, Coipel é um mestre. Destaque para a execução tão bem conseguida de Cordelia e, também, de Miss Albany e do Veneziano. Se a ideia de Millar para estas personagens foi boa, a execução das mesmas em termos ilustrativos, foi perfeita. 

Quanto à edição da G. Floy Studio, à semelhança daquilo a que a editora já nos tem habituado, estamos perante uma edição de boa qualidade, com uma boa encadernação e um papel brilhante que funciona bem para o tipo de história em questão. Gostei particularmente dos tons amarelados nas primeiras páginas do livro, que dão aquele aspeto de papel envelhecido e que casa tão bem com uma obra sobre magia. As primeiras páginas do livro, destinadas aos créditos, ficha técnica e prefácio – que aqui é assegurado por Antonio Solinas – estão muito bem conseguidas e fazem um ótimo convite ao leitor para mergulhar num universo mágico. 

A capa, não sendo uma má capa (de todo!), poderia ter sido melhor. Basta olhar para as capas dos restantes capítulos (capítulos dois, três, cinco ou seis, por exemplo) ou para algumas das capas variantes que vêm nos extras do livro e teríamos, certamente, melhores escolhas para a capa deste volume. Contudo, este primeiro volume tem sido editado nos outros países com esta mesma capa, portanto, este comentário, sendo verdadeiramente subjetivo, não deverá ser imputado à G. Floy mas antes, à edição original.

Em conclusão, estamos perante um livro bastante recomendável e que a G. Floy, diligentemente, edita em português. Tem um bom conceito que, mais bem trabalhado, poderia ter sido uma obra-prima. No entanto, e não o sendo, é uma leitura interessante que vale a pena fazer.


NOTA FINAL (1/10):
8.3


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Ficha técnica
A Ordem Mágica
Autores: Mark Millar e Olivier Coipel
Editora: G. Floy
Páginas: 176, a cores
Encadernação: capa dura

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