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quinta-feira, 23 de julho de 2020

Análise: Série Sky Doll




Sky Doll é uma série de banda desenhada que, até à data, tem 4 tomos no arco principal da sua história, e que, em Portugal, viu os seus primeiros três volumes a serem publicados pela extinta editora Vitamina BD. O quarto volume, Sudra, foi publicado em 2017. Será que alguma editora portuguesa resgata esta série? Veremos.

Os volumes aqui em análise são, pois, os três primeiros, respetivamente: A Cidade Amarela, Aqua e A Cidade Branca. Será feita uma análise aos três livros enquanto um todo, e não um conjunto de mini-análises como foi feito, por exemplo, na análise a Parker, porque neste caso, a série segue uma só história. 

Escrita e desenhada por Alessandro Barbucci e Barbara Canepa, Sky Doll é uma série de ficção científica, que também aborda as temáticas da religião e do poder dos mass media.

A ação passa-se num universo futurista em que os papados de Agape (o símbolo do amor espiritual) e Ludovica (o símbolo do amor sexual) entram em conflito, fazendo com que Agape seja colocada fora da equação. Para conseguir controlar alguns resistentes apoiantes de Agape, Ludovica reina a galáxia controlando os meios de comunicação e usando "milagres", que não passam de grandes produções televisivas de efeitos especiais – para impressionar a população.

A protagonista da história é Noa, que é uma Sky Doll. Ou seja, um andróide sintético, com um corpo extremamente sensual e com formas impressionantes, que foi criado com o único fim de satisfazer os desejos dos seus clientes. Uma prostituta de plástico, feita para dar prazer a quem pague pelos seus serviços, basicamente. Embora aparentemente as sky dolls não tenham a capacidade de guardar memórias – imaginem o deboche que seriam as memórias de uma boneca sexual! – a protagonista Noa parece ser diferente e ter alguns poderes especiais, conseguindo contactar com vozes que ouve e que lhe dão uma consciência de si, enquanto ser individual. Entretanto, acaba na nave espacial de dois jovens, Roy e Jahu, que têm como missão viajar para o Planeta Aqua (e aqui já estou a tocar nos acontecimentos do segundo livro) e anular o crescimento da nova religião, considerada herege pelo papado de Ludovica.

A história sendo do universo da ficção científica é bastante centrada no mundo humano, tal como o conhecemos. Parece que os autores se preocuparam em fazer-nos viajar para uma outra galáxia, fictícia, que, afinal de contas, não passa de um espelho – talvez hiperbolizado, reconheço – da sociedade onde vivemos, onde a religião é utilizada, tantas vezes, como um meio para atingir um fim. 

Se a Papisa Ludovica apresenta milagres que são meras ilusões transmitidas pela televisão para impressionar a população fanática, a verdade é que a religião alternativa que se pratica no Planeta Aqua, que é centrada em fazer as pessoas serem calmas, relaxadas e estarem de "bem com a vida", também não é mais, do que uma cadeia de lojas de spa, cujo objetivo é vender os seus produtos.

A sexualidade enquanto negócio também está mais do que presente, com os autores a fazerem uma crítica à repressão sexual, num mundo onde os andróides são criados para satisfazer os desejos mundanos da população. Já o universo dos meios de comunicação, está caracterizado como sendo um grande espaço de mentiras e que procura entreter e condicionar o livre pensamento dos telespetadores.

Se parece que os temas são adultos – e são! – a forma como a narrativa está montada, acaba por ser bem leve de ler e de acompanhar. E se os temas têm uma amplitude crítica muito grande e - infelizmente! - sempre presente, desde que há religião e mass media no mundo, parece-me que a narrativa poderia ser mais consistente e levar-se mais a sério. Ou seja, dar o passo, sem medo, para um público e uma dimensão mais madura e mais pesada. Ainda assim, é uma história bem montada, que vale a pena conhecer.

Mas ao falar da história, tenho-me estado a conter para não falar da arte ilustrativa. E vou pôr isto de uma forma muito linear: a arte de Sky Doll é tão boa, tão extraordinária, que esta é uma daquelas séries que mesmo que tivesse a pior história do mundo, já valia a pena conhecer, para poder absorver a arte majestosa que os seus desenhos apresentam. Ambos os autores italianos estiveram ligados à escola Disney de alguma forma e isso transparece para a sua arte ilustrativa da melhor forma possível. As personagens aqui presentes, são extremamente expressivas e detalhadas e o cuidado ilustrativo é máximo. Tendo as personagens olhos tão grandes e tão expressivos, diria também que há aqui alguma influência do mangá, nesse cômputo. Todas as personagens, sem exceção, estão soberbamente bem desenhadas e muito bem explanadas do ponto de vista de originalidade entre si. E isso é uma coisa que merece destaque: se todas as personagens fazem parte de um mesmo universo ilustrativo em termos de género, traço e estética, não é menos verdade que todas elas conseguem ter muita personalidade e serem facilmente identificáveis pelo leitor.  

As personagens são mesmo muito carismáticas na forma como são desenhadas. O olhar é penetrante e as expressões faciais fazem incidir no leitor, tudo aquilo que as personagens sentem. O desenho dos corpos – com destaque para a concepção dos corpos luxuriantes, de formas mais que generosas, das personagens femininas - também são impressionantes. Numa curta frase: é uma série extremamente bem desenhada, com uma arte que ronda a nota máxima. E mesmo pesando o facto de que há sempre uma certa subjetividade para opinar sobre uma ilustração que "é maravilhosa", ou não, diria que muito me surpreende se alguém me disser que não acha estes desenhos espetaculares.

Refira-se que o trabalho de equipa dos autores está muito bem dividido, com Barbucci a assegurar as ilustrações e Canepa a ser responsável pelas cores. Estas, dão a tónica colorida que um universo tão futurista e sintético pediria. Também nesta vertente, tudo muito bem feito.

Faço notar que não sou especial adepto de ficção científica ou de histórias passadas no espaço sideral. Mas, neste caso, é impossível não ficar rendido a uma banda desenhada tão gratificante, do ponto de vista visual.

As edições da Vitamina BD são boas, em papel adequado, com o volume dois, Aqua, a incluir ainda um pequeno dossier de esquissos dos autores.

Em termos artísticos esta é uma obra-prima. Uma série que devia aparecer sempre na lembrança dos leitores de banda desenhada, quando se fala de artes espectaculares no género. É verdade que a história, se fosse mais concentrada e mais obstinada no caminho para onde pretende ir, seria melhor. Ainda assim, Sky Doll é uma série espectacular que merece ser lida e - já agora! – integralmente publicada em Portugal, tendo em conta que, até à data, só falta publicar um terço de toda a história. Um livro em quatro, portanto. Julgo também que um volume integral de toda a história, com os quatro tomos, com cerca de 200 páginas, seria um lançamento muito interessante.


NOTA FINAL (1/10):
9.2


Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020

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Fichas técnicas
Sky Doll 1: A Cidade Amarela
Autores: Alessandro Barbucci e Barbara Canepa
Editora: Vitamina BD
Páginas: 46, a cores
Encadernação: Capa dura
Lançamento: Outubro de 2002

Sky Doll 2: Aqua
Autores: Alessandro Barbucci e Barbara Canepa
Editora: Vitamina BD
Páginas: 56, a cores
Encadernação: Capa dura
Lançamento: Maio de 2003

Sky Doll 3: A Cidade Branca
Autores: Alessandro Barbucci e Barbara Canepa
Editora: Vitamina BD
Páginas: 50, a cores
Encadernação: Capa dura
Lançamento: Maio de 2006

2 comentários:

  1. São grandes álbuns e tive o prazer de conhecer o autor quando esteve em Portugal a convite da Vitamina BD. Excelentes desenhos e 3 dos meus albuns favoritos da editora.

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  2. Caro, Nuno. Obrigado pelo comentário! Estamos de acordo! Uma das séries mais interessantes que foram lançadas pela Vitamina BD.

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