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segunda-feira, 31 de agosto de 2020

Análise: No Caderno da Tangerina e Tangerina




No Caderno da Tangerina e Tangerina, de Rita Alfaiate

A obra No Caderno da Tangerina foi o primeiro álbum de banda desenhada de Rita Alfaiate, sendo um trabalho resultante da parte prática da dissertação do mestrado da autora. Passados dois anos, em 2019, a autora regressou à mesma narrativa, com Tangerina, conseguindo aprofundar muito bem, e de um ângulo muito interessante, os eventos do primeiro livro.

E ainda que estes dois livros tenham sido lançados com o intervalo temporal de, praticamente, dois anos entre si, e mesmo admitindo que ambas as obras dão para ler perfeitamente bem de forma isolada, devo dizer que a leitura conjunta de ambas as obras é fortemente recomendável. Felizmente, tive a oportunidade de os ler de seguida, um a seguir ao outro, e posso afirmar que essa será a melhor forma de mergulhar neste universo de Rita Alfaiate, sendo um daqueles casos clássicos em que 1+1 não são dois. São três. A soma de ambas as narrativas é algo verdadeiramente interessante. Porque ambos os livros andam à volta da mesma história e das mesmas personagens mas apresentam diferentes pontos de vista para o mesmo argumento. E que bom, isso é!


No primeiro livro, a história centra-se em Spike e na forma, infrutífera como ele tenta estabelecer uma relação de amizade com a sua nova colega de escola, Tangerina. Porém, a sua nova colega de carteira, parece ser alguém diferente dos demais colegas de Spike, pois está sempre agarrada ao seu caderno, onde faz desenhos de horríveis criaturas. E eventualmente, esses monstros passam do caderno de Tangerina para a realidade(?), com Spike a observá-los pelos sítios onde passa. O final é inconclusivo, deixando-nos a pensar se tudo aquilo que nos foi dado, não passa de um mero sonho da personagem Spike. Será Tangerina real, sequer? Não sei até que ponto a autora Rita Alfaiate já tinha a ideia de como haveria de fechar esta história num segundo livro, ou não, mas a verdade é que o fez de forma muito bem conseguida.

Em Tangerina, o livro centra-se na personagem com o mesmo nome. Ou seja, a perspetiva é a oposta em relação ao primeiro livro. Nesse experenciámos a história vista pelo lado de Spike. No segundo livro, a história é vista pelo lado de Tangerina. Se no primeiro livro, a aura negra da história parecia residir na rapariga Tangerina, no segundo livro vemos a coisa do outro lado do espelho e as revelações são bastante chocantes até. O que é ótimo do ponto de vista de argumento.


Parece-me que há aqui um exercício muito interessante por parte da autora que nos convida a mergulhar nele. É que se ficamos com uma ideia concreta quando lemos o primeiro livro… essa ideia muda (drasticamente) após a leitura da segunda obra. Aplicando isto à realidade, não estará a autora a dizer-nos que para uma mesma história há várias verdades? Várias forma de olhar para a mesma coisa?

Em termos de arte, No Caderno da Tangerina apresenta um desenho claramente marcado pelo manga, revelando uma autora com um traço muito confiante nesse estilo. Os detalhes da caracterização dos ambientes, especialmente os espaços fechados, são quase inexistentes, com as personagens a receberem o grande destaque da autora. Curiosamente, no segundo livro, este estilo de ilustração manga é menos óbvio, com a autora a demarcar-se da ilustração mais clichet do género. Compreende-se a decisão, mesmo tendo em conta que as suas ilustrações no primeiro livro também sejam muito boas. Mas, claro, a autora certamente pretendeu evoluir o seu traço em busca de um estilo de ilustração mais pessoal. E, admita-se, conseguiu. 

É pois justo afirmar que enquanto ilustradora, Rita Alfaiate é mais uma boa promessa para o género em Portugal. Fica-se com vontade de conhecer mais trabalhos da autora.


A editora Escorpião Azul merece aqui uma nota mais que positiva pela sua contínua e constante aposta nos autores portugueses de banda desenhada. Como sugestão, acho que talvez fosse interessante que no futuro a editora equacionasse editar No Caderno da Tangerina e Tangerina num só volume. E em capa dura, se possível. Seria um livro deveras interessante para esta tal leitura completa da obra que recomendo. 

Em conclusão, esta é uma obra muito pertinente, com um cunho muito pessoal, onde Rita Alfaiate parece afirmar-se no universo da banda desenhada nacional. Uma história que vale a pena conhecer. Recomendam-se os dois livros para melhor e mais dinâmica imersão nesta história fabricada pela autora portuguesa.

Uma artista a seguir, sem dúvida.


NOTA FINAL (1/10):
8.0



Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020


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Fichas técnicas
No caderno da Tangerina
Autora: Rita Alfaiate
Editora: Escorpião Azul
Páginas: 98, a preto e branco
Encadernamento: Capa mole
Lançamento: Junho de 2017



Tangerina
Autora: Rita Alfaiate
Editora: Escorpião Azul
Páginas: 80, a preto e branco
Encadernação: capa mole
Lançamento: Maio de 2019

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