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terça-feira, 1 de setembro de 2020

Análise: Faithless – Vol. 1





Faithless – Vol. 1, de Brian Azzarello e Maria Llovet

Sabem aquela sensação de se começar a ler um livro e perceber automaticamente para onde a história nos vai levar? E sabem a sensação oposta a isso, em que cada página é uma nova descoberta, uma nova dúvida, um novo franzir de testa, um novo universo que nos deixa à deriva? Pois bem, Faithless – Vol. 1, de Brian Azzarello e Maria Llovet, é um desses livros.

Se há livros difíceis de resumir, este Faithless é, seguramente um deles. A própria sinopse da editora G. Floy, que lançou o livro recentemente em Portugal, não diz muito sobre a história. Mas vou tentar: Faithless conta-nos a história de Faith, uma jovem que julga ter super-poderes mágicos para alterar os acontecimentos à sua volta. Claro que depressa o leitor se apercebe que estes tais super-poderes não são (?) verdadeiramente super-poderes mas sim consequências aleatórias da vida que rodeia a protagonista. Mas Faith tem fé nos seus poderes e entretanto, conhece uma rapariga, Poppy, com quem se envolve numa relação de sexo ardente. Mais tarde conhece Louis, o pai de Poppy, com quem (adivinhem, só!) também se envolve numa relação de sexo ardente. Em paralelo, há muito mistério e fantasia que envolve as personagens – muito bem trabalhadas por Azzarello – e que nos deixam sem saber muito bem para onde a história pretende ir.


O livro está repleto de cenas de sexo bem gráficas e de algumas cenas de terror que tornam este livro em algo bastante psicadélico. Como se estivéssemos em ácidos. No final, a sensação até pode ser “what the fuck did I just read?” mas a verdade é que, pelo menos a mim, a história prendeu-me. Vamos acompanhando as aventuras eróticas de Faith e Poppy, juntamente com alguns eventos chocantes que começam a acontecer a alguns dos amigos da protagonista. E entretanto, aparece Louis, uma personagem icónica que me remeteu – pelo menos graficamente – para a personagem Sonho, da série Sandman, da autoria de Neil Gaiman. As frases de Poppy e Louis são bastante interessantes levando Faith – e os leitores – a questionarem certas convenções e preconceitos existentes na sociedade. Em termos de diálogos, o trabalho de Azzarello está muito interessante.

O final deste primeiro volume - que compila os 6 primeiros volumes da série - é deixado totalmente em aberto. Portanto, admito que é difícil fazer considerações sobre a qualidade da série. Mais ainda, é-me difícil (e se calhar mesmo, até a Brian Azzarello, arrisco!) especular para onde a história nos levará. Serão estes transes psicadélicos meras criações da mente conturbada de Faith? Ou a mais pura das realidades? Existirão mesmo as personagens de Poppy e Louis na vida de Faith? Ou na sua mente? É-me difícil perceber para onde esta história irá no futuro e por isso é-me igualmente difícil considerar de forma justa esta obra mas, para já, é legítimo dizer que achei Faithless como algo refrescante, original, provocador, sensual, nojento (por vezes), psicadélico, divertido, pornográfico, híbrido, misterioso, viciante e ridículo. Não é um livro facilmente esquecível. Não é – pelo menos com base neste primeiro volume – uma obra-prima. Mas está longe de ser um livro desinteressante. Vou querer, certamente, acompanhar os próximos volumes. O problema será que a história pode “descambar” em demasia. Seria uma pena porque, regra geral, o interesse do leitor e a pertinência da história é quase sempre mantido durante este Faithless – Vol. 1, exceto numa ou duas cenas onde “descamba” para lá do aceitável, por este que vos escreve.


Quantificado assim por alto, das 160 páginas que compõem o livro, encontrei 47 páginas onde há cenas de sexo explícito, nudez ou outro tipo de imagens de cariz sexual. Portanto, podemos dizer que, pelo menos, um terço de Faithless – Vol. 1 é conteúdo sexual. Acho que isso é bem-vindo porque se a banda desenhada é – ou deve ser – multidisciplinar naquilo que nos oferece, também deve haver espaço para histórias eróticas e até (porque não?) pornográficas. O problema neste último caso, será que, normalmente, é difícil fazer-se um bom argumento num género maioritariamente pornográfico. Em Faithless há algumas cenas bastante gráficas, admito, mas há um argumento que as sustenta. Algumas cenas, especialmente aquelas mais psicadélicas, poderão ser um pouco gratuitas mas, pelo menos até agora, ainda é um livro com bastante potencial. Eventualmente, uma daquelas séries que pode ficar verdadeiramente espetacular num segundo volume. Mas que também pode ser totalmente arruinada.

Em termos de arte, o desenho de Maria Llovet apresenta muita identidade e encaixa que nem uma luva na história. As ilustrações apresentam alguma crueza na sua conceção, tendo-me levado a lembrar o trabalho de Eduardo Risso em 100 Balas, por exemplo. No entanto, algo que distingue bastante a arte ilustrativa de ambas as obras, que contam com argumento de Brian Azzarello, é a utilização em Faithless das cores, muito fortes e garridas, encaixando no psicadelismo e “loucura” que a história pretende passar. As cenas mais eróticas estão muito bem conseguidas pela autora espanhola, revelando uma grande sensibilidade em planos de detalhe e na própria construção das cenas. É um estilo de ilustração audaz, moderno e jovial – quase adolescente –, que dá ao texto as imagens que o mesmo precisa.

A edição da G. Floy é excelente. Capa dura, papel com brilho, algumas ilustrações muito interessantes no final do livro e um grafismo muito bem cuidado.

Em resumo, este é um livro que me surpreendeu várias vezes e que tem o dom de não deixar o leitor indiferente. Não é daqueles livros "sem sal". Pelo contrário, é um livro muito apimentado. E não apenas por ter inúmeras cenas eróticas explícitas, mas sim porque a construção da história está fortemente condimentada com psicadelismos provocadores, que deixam o leitor à deriva. Não sabemos, ainda, para onde o "barco" nos vai levar. Mas não é bom sermos deixados à deriva, de vez em quando? Ainda não é claro que Faithless chegue a bom - ou mau porto - mas já é justo dizer que esta é uma viagem louca, sexy, sem sentido(?) e inesquecível.

Arrisquem.


NOTA FINAL (1/10):
8.2



Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020


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Ficha técnica
Faithless - Vol. 1
Autores: Brian Azzarello e Maria Llovet
Editora: G. Floy
Páginas: 160, a cores
Encadernação: capa dura
Lançamento: Junho de 2020

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