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quinta-feira, 24 de setembro de 2020

Análise: KM/H - MPH - Acima do Limite

KM/H - MPH - Acima do Limite, de Mark Millar e Duncan Fegredo - G. Floy Studio


KM/H - MPH - Acima do Limite, de Mark Millar e Duncan Fegredo - G. Floy Studio
KM/H - MPH - Acima do Limite, de Mark Millar e Duncan Fegredo

KM/H – MPH – Acima do Limite é um livro publicado pela portuguesa G. Floy e que nos traz Mark Millar, desta vez acompanhado por Duncan Fegredo nas ilustrações, numa das suas mais interessantes e mirabolantes ideias.

E é, de facto, esse o ponto de partida da minha análise à obra: a ideia. Ou a premissa, como queiram. E nessa vertente, esta obra consegue ser verdadeiramente incrível. Uma daquelas boas ideias que permitem o desenvolvimento de tantos subplots. Mas não nos adiantemos em demasia. 

Antes disso, diga-se que KM/H – MPH – Acima do Limite conta-nos a história de um grupo de jovens de Detroit que consegue, devido à ingestão de uma droga denominada MPH, deslocar-se a uma velocidade estonteante. Tal como se, de um momento para o outro, depois de tomarem o medicamento, passassem a correr como o Flash, da DC Comics. Tudo começa quando Roscoe, um jovem de uma baixa condição sócio-económica, que se encontra na cadeia devido a um negócio de tráfico de droga que correu mal, adquire acidentalmente uma misteriosa pílula milagrosa que lhe permite correr de uma forma tão incrível que, por exemplo, pode atravessar em corrida os Estados Unidos, de São Francisco a Nova Iorque, em meros 4 minutos! A velocidade é tanta que é como se o tempo parasse. Ou, por outras palavras, a velocidade de alguém que ingere o medicamento é muitíssimas vezes mais rápida do que todo o mundo circundante, o que dá a ideia que o tempo pára. Mas na verdade, o tempo apenas se desloca muito mais devagar.

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E esta é, de forma sucinta, a premissa que Mark Millar nos traz desta vez. E que premissa fenomenal! Acho até que todos nós, especialmente os leitores de banda desenhada, já imaginámos como seria ter algum super-poder que nos permitisse fazer algo de extraordinário. No meu caso, lembro-me até de, em miúdo, achar que se eu conseguisse ser super rápido, tal como o Flash da DC ou o Bip-bip ou o Speedy Gonzales dos Looney Tunes, poderia ser jogador de futebol. E, mesmo sem grande técnica para jogar o desporto rei, bastar-me-ia correr de uma forma humanamente impossível – como acontece em KM/H – MPH – e que, ao "parar o tempo", os jogadores da equipa adversária não conseguiriam acompanhar-me e eu marcaria dezenas e dezenas de golos num só jogo! E, mais coisa menos coisa, isso é o que se passa nesta obra de Mark Millar. Será que eu deveria ter registado a minha ideia original de forma a, décadas mais tarde, processar Millar por me roubar a ideia? O pelo menos reclamar para mim alguns royalities? Eheheh. Julgo que não. Além disso, na minha (in)consciência infantil, o meu super-poder não seria usado para bem da comunidade, mas antes para que eu me tornasse no jogador de futebol mais incrível do mundo. Está visto que, no meu caso, com grandes poderes não viria grande responsabilidade!

KM/H - MPH - Acima do Limite, de Mark Millar e Duncan Fegredo - G. Floy Studio
Bem, mas devaneios à parte, e tal como eu dizia, a premissa que Millar nos apresenta desta vez, é verdadeiramente deliciosa. Muitas vezes, vários leitores afirmam que Millar não é bem um argumentista de banda desenhada mas um argumentista de cinema. Eu não creio que assim seja, necessariamente, mas a verdade é que, mais do que nunca, KM/H – MPH – Acima do Limite parece pensado e idealizado para ser um filme de cinema. Toda a forma como a obra está montada aponta nesse sentido. E a própria ideia de como apresentar imageticamente o tempo a ficar parado - que mesmo sendo um desafio ilustrativo desafiante é extremamente bem executada pelos autores – parece mostrar o caminho de como esta obra pode (ou deve) ser feita, caso chegue a ser um filme ou uma série de televisão.

Quando Roscoe toma a pílula MPH pela primeira vez e as personagens e as ações das mesmas ficam como que congeladas – à semelhança do que acontece, por exemplo, no filme Big Fish, de Tim Burton, quando o protagonista vê pela primeira vez a mulher da sua vida – estamos perante uma cena verdadeiramente memorável na banda desenhada. Daquelas cenas que tão depressa não esquecemos. Como se fosse uma million dollar idea, como dizem os ingleses. A premissa é tão boa e permite pensar em tantas formas diferentes de a utilizar, que o problema da obra às tantas acaba mesmo por ser esse: possivelmente não consegue agarrar, desenvolver e explorar todo o potencial dessa excelente ideia. E, no final, quando acabamos a leitura deste livro, e por muito divertido que o mesmo seja, ficamos com a sensação que haviam outros caminhos, tão ou mais interessantes, que a série poderia ter traçado com esta brilhante premissa.

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Ainda assim, também não é justo dizer que a história não se desenvolve de forma interessante. Quando Roscoe se vê livre da prisão e vai ter com os seus amigos, depressa partilha com eles o seu super-poder, isto é, os medicamentos que ainda tem na caixa de comprimidos que surripiou ao seu colega de prisão. E então, a história assume um cariz social, ao dar-nos um grupo de jovens que decide roubar muitos bancos (é tão rápido a fazê-lo que nem as câmaras de vigilância parecem captar as identidades deste grupo super-rápido) e distribuir os seus ganhos (ou roubos?) às classes desfavorecidas. Como se fosse uma reinterpretação de Robin dos Bosques, que roubava aos ricos para dar aos pobres. Entretanto o grupo de "super-heróis medicado " encontra fissuras e discórdias entre si, já que parte do mesmo começa a ter uma preocupação social com os inúmeros roubos que o grupo anda a fazer. Porque, mesmo tratando-se de um roubo às instituições financeiras que são responsáveis por tantas das crises monetárias e económicas que vivemos, não é, ainda assim, um roubo? E não há nisso algo que seja eticamente reprovável? Estas são pois as questões que o autor começa a levantar e que, consequentemente, acabam por causar conflito entre os jovens do grupo de Roscoe. 

KM/H - MPH - Acima do Limite, de Mark Millar e Duncan Fegredo - G. Floy Studio
E, eventualmente, o uso do medicamento em dosagens maiores chega a levar as personagens para outra era no tempo, permitindo a viagem temporal. E é aqui, que Millar me perdeu. Lá estou eu a relembrar as célebres palavras: less is more. Não querendo aprofundar mais a história e para onde ela caminha, diria que Mark Millar acaba por cair no exagero e à medida que nos aproximamos para o final da obra, que tinha tudo para ser um dos seus melhores trabalhos, ficamos com a ideia de estar a ver um filme adolescente de sábado à tarde. E o final, mesmo sendo bem arquitectado pela inteligente utilização do tempo – que mais uma vez, haveria (ou haverá?) de funcionar muito bem em cinema – peca por ser muito over the top

Penso também que as personagens poderiam ter sido mais bem desenvolvidas, de forma a terem maior profundidade. Mas lá está, numa obra deste fôlego, e com um numero de páginas que nem é tão grande assim, é exatamente na premissa do super-poder que os autores se debruçam com mais cuidado. O que até é compreensível. Poderiam ser outras personagens quaisquer que teríamos um livro semelhante.

Em termos de arte ilustrativa, Duncan Fegredo faz um excelente trabalho, especialmente na concepção de inúmeras situações que demonstram de forma muito credível e inteligente, a velocidade impossível dos protagonistas. O traço de Fegredo é moderno, bastante estilizado, sabe usar bons planos de câmara e encaixa natural e perfeitamente na história que Millar pretende contar. 

KM/H - MPH - Acima do Limite, de Mark Millar e Duncan Fegredo - G. Floy Studio
A edição da G. Floy está em par com aquilo que a editora costuma fazer. Capa dura, papel brilhante, adequado a este tipo de comic, e boa encadernação. A capa da obra é bastante mal conseguida para o meu gosto. Aquele conjunto de pernas coloridas a correr, com a imagem invertida para o lado esquerdo, parece-me mal escolhido e que não consegue apelar ao tipo de leitores que poderiam ser potenciais interessados nesta banda desenhada. Sei que a G. Floy se limitou a escolher uma capa utilizada noutras edições de outros países mas acho que haveriam capas – mesmo dentro de cada numero que compõe este volume – mais adequados, como o exemplo que coloco aqui ao lado.

No final, parece-me que Mark Millar andou perto de fazer uma das suas melhores obras. Não o conseguiu por não agarrar convenientemente a ideia. Mas mesmo assim, e não sendo o seu melhor trabalho, é uma leitura fácil e agradável num livro que surpreende pela sua fantástica premissa e que, só por isso, já merece ser lido.


NOTA FINAL (1/10): 
8.4


Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020




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KM/H - MPH - Acima do Limite, de Mark Millar e Duncan Fegredo - G. Floy Studio
Ficha técnica
KM/H - MPH: Acima do Limite
Autores: Mark Millar e Duncan Fegredo
Editora: G. Floy
Páginas: 136, a cores
Encadernação: Capa dura
Lançamento: Agosto de 2018

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