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quarta-feira, 2 de setembro de 2020

Análise: O Último Sopro dos Mortos




O Último Sopro dos Mortos, de Davide Garota

Quando peguei neste O Último Sopro dos Mortos, publicado pela Escorpião Azul, e da autoria do italiano Davide Garota – que marca assim, a primeira aposta da editora portuguesa num autor italiano –, estava longe de imaginar que este livro seria tão interessante e agradável para uma leitura descomprometida de verão.

A história desta obra é ambientada na Califórnia e no México, e revela-nos o percurso de Jerry Braxter, um ex-militar que, após a morte da esposa, se tornou assassino profissional para conseguir obter dinheiro suficiente para o pagamento dos tratamentos da sua filha, que sofre de uma doença rara. Um dia, Jerry é confrontado pela Morte, que lhe propõe o seguinte pacto: para que a sua filha continue viva, Jerry tem de continuar a tirar vidas. O protagonista assume assim o papel de Mensageiro da Morte e começa a assassinar de forma abrupta. 

Entretanto, este cargo conquistado torna-o imortal, o que vai ser uma valente dor de cabeça para os seus inimigos. Parece-me que aqui, mesmo sendo fruto da fantasia, o autor conseguiu fabricar algo verdadeiramente interessante e que é (bem) aproveitado ao longo da história. É que o facto de Jerry ser imortal, quer dizer que por muita violência – leia-se balas – que receba, acaba sempre por sair vitorioso. E do ponto de vista da construção narrativa, permite igualmente que a violência seja bilateral entre as personagens, levando o leitor a deleitar-se com uma autêntica orquestração de agressividade, de parte a parte.


Esta é uma obra de enorme fulgor, cheia de carisma, que nos remete, tal como é indicado na sinopse da editora, para a tónica e ambiente dos filmes de Quentin Tarantino ou de Robert Rodriguez, com muita ação, personagens memoráveis e sujas e, claro, grandes quantidades de violência e muito sangue. Por esse motivo, os ambientes dos filmes El Mariachi, Desperado ou Era Uma Vez no México, de Robert Rodriguez, misturados com a violência dos tiroteios de filmes como Kill Bill ou Django Unchained, de Tarantino, são o cocktail perfeito para aquilo que Davide Garota nos pretende passar.

Mas nem só de violência vive O Último Sopro dos Mortos. Jerry Braxter, mesmo podendo parecer clichet em determinadas alturas da narrativa, é uma personagem bem construída por Davide Garota, com boas frases e uma atitude carismática que decerto não ficará esquecida por quem ler esta história. A personagem de Jerry está, por isso, bem trabalhada e, muito embora estejamos a falar de um assassino sem escrúpulos, o protagonista acaba por recolher, quase que de forma magnética, a empatia do leitor.

Se o livro acabasse na página 113 – e bem podia ter acabado, pois teríamos uma história com um final pertinente – este seria um livro perfeito para os meus gostos. Mas é depois disso que, a meu ver, a narrativa se perde um pouco, quando o autor tenta adensá-la com conteúdo mais sobrenatural, para além daquele que nos é dado no princípio da história. O livro não fica estragado, convém dizer. Longe disso. E há coisas interessantes como o "pseudo romance" que Jerry encontra numa prostituta. Porém, considero que se perde aquela premissa de história de ação, simples e eficaz, com muita violência e um protagonista completamente rock n roll. Isso é o que melhor funciona nesta obra. No entanto, o final meio rocambolesco, diga-se, acaba por conseguir fechar bem este livro.


Em termos de arte, temos dois estilos bastante diversos. O livro abre com ilustrações feitas a carvão grosso, cru e sujo. O resultado não é muito bonito de se ver e, se o livro fosse apenas nesse estilo, seria graficamente arcaico. No entanto, e felizmente, há uma mudança grande, a partir da pagina 36, com o estilo de ilustração e de acabamento a mudar radicalmente. A partir daqui, o autor dá-nos o seu melhor, com um traço hábil a fazer-me lembrar alguns dos trabalhos de Miguelanxo Prado. Desta forma, o livro que parecia ter ilustrações "feias" ao início, passa a ter um conjunto de ilustrações muito bonitas, com uma arte final verdadeiramente apetecível.

E claro, isto não é fruto do acaso pois ao ler-se a história, percebe-se o porquê desta mudança estética ao nível do grafismo. E assim sendo, torna-se completamente aceitável e – bem conseguida, diria – esta duplicidade de ilustração no livro.

Os planos utilizados são bastante diversificados e cinematográficos, e o desenho das personagens, caricatural, adequa-se perfeitamente ao argumento do livro. Na caracterização de expressões faciais das personagens, o trabalho de Davide Garota oscila entre expressões caricaturais extremamente bem conseguidas e outras que parecem feitas com menos detalhe – ou mais "à pressa" - e que, expectavelmente, não apresentam a qualidade das anteriores. No entanto, esta é uma crítica menor num livro cuja ilustração é tão gratificante. Nas cenas de ação, sublinhe-se ainda, o trabalho está magnífico, com a violência a ser muito bem retratada pelo autor. Há também cenas de perseguições entre carros, cujas ilustrações são um mimo para os adeptos de bandas desenhadas de ação.


Quer o argumento, quer a arte ilustrativa, apresentam um estilo bastante independente na forma e no conteúdo, e que se transforma no casamento perfeito para este livro que surpreende várias vezes, quer na componente da narrativa, quer na componente da arte.

O Último Sopro dos Mortos se não for o melhor livro publicado pela Escorpião Azul até agora, anda lá perto. E portanto, só pode ser uma aposta ganha pela editora, que nos presenteia com uma edição cuja capa é inédita em relação à edição original. 

Resumindo e sintetizando: esta é uma boa surpresa que vale a pena conhecer!


NOTA FINAL (1/10):
8.4


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Ficha técnica
O Último Sopro dos Mortos
Autor: Davide Garota
Editora: Escorpião Azul
Páginas: 192, a preto e branco
Encadernação: capa mole
Lançamento: Julho de 2020

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