Rubricas

quarta-feira, 30 de setembro de 2020

Análise: Os Beresford – Mister Brown




Os Beresford – Mister Brown, de Emilio Van der Zuiden

Depois de, em 2018, a Arte de Autor, ter começado a editar a Coleção Agatha Christie, que reúne adaptações para a banda desenhada da obra da escritora, a editora portuguesa já lançou três álbuns: Hercule Poirot - Crime no Expresso do Oriente, Miss Marple - Um Cadáver na Biblioteca e este Os Beresford - Mister Brown, que merece a análise que se segue. A título de curiosidade, informa-se que a Arte de Autor tem previsto para o próximo mês de Outubro, o lançamento de um álbum duplo desta coleção, que será constituído pelos tomos Morte no Nilo e O Misterioso Caso Styles.

Todas as obras da Coleção Agatha Christie são adaptadas por autores de banda desenhada diferentes. Neste caso, Os Beresford – Mister Brown ficou a cargo de Emilio Van der Zuiden.

A história tem como protagonistas a bonita Tuppence Cowley e o ruivo Thomas Beresford. Ambos se conheceram na Primeira Guerra Mundial, onde Tuppence era enfermeira e Thomas era soldado. Agora que foram desmobilizados, voltam a encontrar-se e juntos, montam uma sociedade que dá pelo nome de “The Young Adventurers Limited“. E logo se vêem implicados num caso de espionagem. Há quatros anos, o navio Lusitania naufragou e uma das vítimas desse evento foi um oficial americano que, vendo-se na iminência de não escapar com vida ao referido naufrágio do navio, confiou documentos oficiais a uma rapariga, Jane Fish, para que a mesma os levasse ao Rei de Inglaterra. Entretanto, Jane Fish acaba desaparecida e a missão dos “The Young Adventurers Limited“, Tuppence e Thomas, será encontrar esta jovem que está escondida algures em Inglaterra.

Emilio Van der Zuiden dá-nos uma adaptação consistente e bem ritmada que torna esta obra bastante acessível e de leitura fácil. Embora conheça outros livros de Agatha Christie, não conhecia nenhuma das histórias a envolver o casal Beresford e portanto, devo admitir que este livro foi uma agradável surpresa para mim. O argumento dá várias voltas, levando-nos por um caminho para, logo a seguir, nos levar por outro, o que torna interessante o mistério que envolve as personagens, nomeadamente a personagem enigmática de Mister Brown. Sendo, como já referi, uma leitura fácil e direta, a camada de mistério e de enigma nunca é muito profunda e a própria ação, tendo em conta que o livro apenas tem 64 páginas, tem que ser rápida, sem grande espaço para desenvolvimento de personagens.

Relativamente à ilustração, este é um álbum muitíssimo bem conseguido. O traço de Emilio Van der Zuiden é elegante, e em linha clara, com o autor a revelar capacidades elevadas no desenho das personagens, dos veículos, dos cenários e, basicamente, de tudo o que ilustra. Tudo é brilhantemente bem desenhado e a própria tónica da ilustração – a que também muito ajudam as competentes cores de Fabien Alquier – remete-nos para o universo dos livros de Agatha Christie e para a ambiência british do Reino Unido, no período pós Primeira Guerra Mundial. Acho que isso é um grande feito do autor, pois nem sempre as adaptações de obras da literatura para a banda desenhada conseguem transportar-nos para esse universo visual, que já tínhamos construído mentalmente aquando da leitura dos romances. O universo de Agatha Christie que Emilio Van der Zuiden nos dá é exatamente, sem tirar nem pôr, o universo que imaginei quando li alguns romances de Christie.

Outra coisa há, que é impossível não referir quando se olha para esta obra: a fantástica, audaz e, por vezes, corajosa, planificação da obra. Sendo um "álbum clássico" (chamemos-lhe assim) no estilo, história e até ilustração, achei curioso e interessante que a planificação desta banda desenhada fosse tão dinâmica. De facto, nesse cômputo, parece haver de tudo um pouco neste Os Beresford: desde largas ilustrações que ocupam duas páginas, vinhetas de todo o tipo de tamanhos e formas, utilização de algumas vinhetas com o fundo propositadamente a branco. O autor serve-se de várias técnicas que muito contribuem para que a obra se torne bastante diversificada. 

E há particularmente dois conjuntos de páginas duplas, nomeadamente as páginas 16 e 17 e as páginas 38 e 39, que merecem destaque por desmontarem e recriarem todas as fundações da planificação clássica da banda desenhada. No primeiro caso, acompanhamos uma conversa de Tuppence, Thomas e Mr. Carter por um jardim, onde os vamos seguindo, para trás e para a frente, como se essas duas páginas, fossem uma grande ilustração, separada por vinhetas que mostram as personagens em todos os ângulos possíveis, passeando pelos caminhos intrincados do jardim. Notável, sem dúvida. No segundo caso, nas páginas 38 e 39, também temos a ação da fuga de Thomas montada de forma sui generis pelo autor, com uma ilustração central da casa de onde a personagem se tenta evadir. Embora não tão bem conseguido como o primeiro exemplo, também é algo audaz e muito interessante por parte de Van der Zuiden. Há um preço a pagar com estas excentricidades do autor: nem sempre o fio condutor da ação é perfeito e fluído, o que pressupõe um cuidado redobrado por parte do leitor para melhor compreender o que se está a passar, pela ordem certa. Não obstante, e sublinhando a coragem de avançar com páginas deste engenho e criatividade, é um preço pequeno que o leitor paga por algo novo e refrescante que, na minha opinião, é muito bem-vindo.

Não tão bem-vindas são as legendagens que, muitas vezes, não parecem colocadas da melhor forma, o que obriga o leitor a ter que voltar atrás, e reler a vinheta do início, para que a história faça sentido. É uma questão pequena, mas que deveria ter sido mais bem acautelada pelo autor, para garante de melhor fluidez na leitura. Julgo também que, por vezes, teria sido possível ter um pouco de menos texto na obra, embora compreenda que haja uma certa tendência para tal nas adaptações de obras de literatura.

Quanto à edição da Arte de Autor, como não podia deixar de ser, é de excelente qualidade. Edição cuidada, com capa dura e papel de boa gramagem. Sendo o papel baço, parece-me a escolha mais feliz para este tipo de história, pois realça as cores e traço do autor. 

Ainda não li Miss Marple - Um Cadáver na Biblioteca (embora brevemente seja aqui publicada a análise a esse livro que a editora já me fez chegar) mas, entre Hercule Poirot - Crime no Expresso do Oriente e este Os Beresford - Mister Brown, posso dizer que o último é sobejamente melhor do que o primeiro volume. Uma boa e refinada história para fãs de bandas desenhadas de detectives e mistério e, claro, para os amantes da incontornável obra da autora Agatha Christie.


NOTA FINAL (1/10):
8.6



Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020



-/-


Ficha técnica
Os Beresford – Mister Brown
Adaptação do Romance de Agatha Christie
Autor: Emilio Van der Zuiden
Editora: Arte de Autor
Páginas: 64, a cores
Encadernação: Capa dura
Lançamento: Outubro de 2019

Sem comentários:

Enviar um comentário