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sexta-feira, 24 de setembro de 2021

Análise: Soldados de Salamina



Soldados de Salamina, de José Pablo García

A Porto Editora não tem tido uma grande consistência, em termos de assiduidade, no lançamento de banda desenhada. O que é uma pena pois olhando para a grandeza do grupo estou certo que se houvesse uma verdadeira aposta em BD, a Porto Editora poderia, sem dúvida, conquistar a sua fatia de mercado, por um lado, e, por outro, presentear-nos - a nós, leitores - com mais possibilidades de oferta de bons títulos.

Seja como for, há cerca de um ano, em 2020, apostou neste Soldados de Salamina que resulta como adaptação para banda desenhada do romance de Javier Cercas que, sendo originalmente lançado em 2001, depressa conquistou louvores junto da crítica. Esta adaptação para banda desenhada é assegurada por José Pablo García.


A história incide na guerra civil espanhola quando, nos finais deste conflito, e perto da fronteira entre Espanha e França, é levado a cabo o fuzilamento de alguns prisioneiros franquistas. Mas, por incrível que possa parecer, um destes prisioneiros consegue escapar com vida deste fuzilamento. E, para além de ter sorte e engenho para escapar a esta morte anunciada, também tem a sorte de ser ajudado por um jovem republicano que, tendo-o na mira da sua arma, opta por deixar o prisioneiro escapar. O prisioneiro em questão é Rafael Sánchez Mazas que era, na altura, uma autêntica celebridade espanhola, sendo o fundador da Falange e um futuro ministro de Franco. Mas quem seria aquele jovem republicano que, tão descaradamente, deixou o seu prisioneiro fugir? E quais foram os seus motivos?

Esta é a ignição para que, passados sessenta anos, um romancista, Javier Cercas, o autor do romance, que se encontrava em crise criativa, decida começar a investigar aquilo que se passou neste episódio de Rafael Sánchez Mazas. O autor é pois personagem ativa desta obra.

Acaba por ser um romance duplo porque temos, por um lado, a reconstituição histórica de Rafael Sánchez Mazas e, por outro lado, a demanda de Javier Cercas, que procura obter informações fidedignas que possam fazê-lo escrever o seu livro baseado em Mazas. Para tal, acompanhamos as suas pesquisas e as numerosas conversas que vai tendo com pessoas que privaram com Mazas, de forma a construir uma cronologia dos eventos que sucederam naquela ação de fuzilamento. 


Se, por um lado, considero interessante toda esta parte de mostrar ao leitor quais foram as dificuldades, viagens, conversas que enfrentou para descobrir a verdade, quase que como um making of da produção do livro; por outro lado, também considero que isso torna o livro com demasiado conteúdo adicional que, eventualmente, acaba por se tornar algo repetitivo e monótono. No entanto, também é verdade que o livro tem a capacidade de informar o leitor sem ser demasiado informativo, isto é, sem nos bombardear com demasiada informação. Embora me pareça que, ainda assim, certas conversas que Cercas vai tendo com outras personagens poderiam não ter aparecido, de forma a que algumas informações não se tornassem tão redundantes.

A história aparece dividida em 3 partes: a primeira parte coloca-nos na investigação inicial de Javier Cercas e nas primeiras conversas e pesquisas que ele leva a cabo para encontrar a história de Mazas. A segunda parte, é a parte mais histórica e factual, e conta-nos o percurso de vida de Rafael Sánchez Mazas. A terceira parte – a mais bem conseguida, a meu ver – revela-nos quem foi, afinal, esse soldado republicano que optou por salvar a vida de um inimigo.


O livro traz consigo uma moral e uma reflexão acerca do heroísmo. De quem são os verdadeiros heróis e que actos podem fazer de nós, comuns mortais, verdadeiros heróis. Por vezes, é apenas o momento e o estado de espírito momentâneo do indivíduo que o leva a fazer algo extraordinário.

A leitura deste livro remeteu-me para dois autores de banda desenhada espanhola: Antonio Altarriba que, em A Arte de Voar e em A Asa Quebrada, ambos publicados em Portugal pela Levoir, também tratam o tema da guerra civil espanhola; e, duma forma global, Paco Roca, devido à proximidade no estilo de ilustração. Contudo, e apesar deste Soldados de Salamina ser um bom livro, fica uns furos abaixo destes autores que nomeio. A meu ver, a história não é tão boa como a dos dois livros de Altarriba que referi acima e as ilustrações de José Pablo García neste Soldados de Salamina também não são tão agradáveis como as de Paco Roca. Ainda assim, calculo que ambos os autores tenham sido referências para o autor.


O estilo de traço em linha clara de José Pablo García torna as suas páginas bastante agradáveis de acompanhar. Não são ilustrações de uma técnica ou virtuosismo muito demarcados, mas são as ideiais para nos contar este relato em forma de crónica jornalística. As peripécias do autor no tempo presente são sempre mais coloridas e suaves e as cenas do passado de Mazas apresentam, normalmente, uma paleta de cores em tons de azul. Funciona bastante bem, quanto a mim.

A edição da Porto Editora é impecável. Excelente encadernação, capa dura que, com os detalhes da chuva com acabamento em verniz, fica espetacular. O papel é brilhante e de boa qualidade. Destaque para o facto do segundo capítulo ter um papel diferente – mais amarelado – em relação aos restantes capítulos.

Em conclusão, Soldados de Salamina é um livro bem conseguido, com um carácter histórico-informativo, que nos conta um relato real sobre Rafael Sánchez Mazas e como – e porquê? – o mesmo conseguiu escapar com vida de uma operação de fuzilamento. Recomenda-se principalmente para os adeptos da história recente de Espanha. 


NOTA FINAL (1/10):
8.4


Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020


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Ficha técnica
Soldados de Salamina
Autor: José Pablo García
Editora: Porto Editora
Páginas: 152, a cores
Encadernação: Capa dura
Lançamento: Abril de 2020

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