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sexta-feira, 5 de novembro de 2021

Análise: Umbigo do Mundo vol. 1 : Alma Mãe

Umbigo do Mundo vol. 1 : Alma Mãe, de Penim e Carlos Silva - A Seita e Comic Heart

Umbigo do Mundo vol. 1 : Alma Mãe, de Penim e Carlos Silva - A Seita e Comic Heart
Umbigo do Mundo vol. 1 : Alma Mãe, de Penim e Carlos Silva

Umbigo do Mundo é um livro que marca o regresso de Penim Loureiro à edição de banda desenhada. Coisa que, desde já, é uma grande novidade para os amantes portugueses de bd. Desta vez, é acompanhado por Carlos Silva, escritor de ficção científica e fantasia, cuja experiência na escrita de banda desenhada, se não estou equivocado, principiou em 2019, com a co-autoria do argumento para a biografia, em bd, de Rafael Bordallo Pinheiro.

É com prazer sincero que vejo que este livro está a receber um certo hype nas redes sociais e até já tive vários leitores do Vinheta 2020 que me abordaram em relação a esta obra. Isso são fantásticas notícias pois considero sempre relevante que surjam sucessos editoriais em banda desenhada, de autores portugueses. No entanto, e sendo honesto, as minhas expetativas em relação a esta obra – que eram altas, reconheço – ficaram um pouco defraudadas. Mas, já lá irei.

Em primeiro lugar, há que dizer que há muitas coisas interessantes e que cativaram, desde cedo, o meu interesse. A premissa de um universo futurista distópico, com preocupação ambiental, e que traz consigo uma protagonista com uma personalidade visual muito marcante, deixou-me, desde o primeiro momento, satisfeito, tendo contribuído, lá está, para a tal alta expetativa alta que eu tinha em relação à obra. Além disso, a boa capacidade de ilustração de Penim prometia um conjunto de desenhos bonitos para este livro.

Umbigo do Mundo vol. 1 : Alma Mãe, de Penim e Carlos Silva - A Seita e Comic Heart

E cumpriu! As ilustrações de Umbigo do Mundo são bastante bonitas e com uma personalidade própria muito bem conseguida. A capacidade de Penim para ilustrar figuras humanas e, em especial, as suas expressões, consegue ser muito interessante. Também as cenas de luta corpo-a-corpo são bastante apelativas e dinâmicas. Um destaque grande merece ser dado à protagonista, Alma, que é uma figura singular que, não mais esquecemos. Acho mesmo que a boa concepção da personagem, que me lembra Milla Jovovich no filme 5º Elemento, será o maior trunfo, para já, desta série. Alma é bonita, carismática, sexy e, felizmente, aparece muitas vezes semi-nua. Coisa que sempre me apraz. Até mesmo quando, como é o caso, a permanência da personagem sem roupa não tenha grande razão de ser, além de mostrar a formosura e sensualidade da personagem. Acima de tudo, Penim está de parabéns por ter imaginado e concretizado uma personagem que visualmente funciona tão bem.

Em sentido menos positivo, e mantendo-me a falar do trabalho de ilustração, considero que, por vezes, o desenho poderia ter mais profundidade, bem como, que há uma certa pobreza nos cenários de muitas vinhetas. Deixem-me ser mais claro neste ponto: quando quer, Penim dá-nos páginas como aquela da escadaria em caracol que são maravilhosas até ao mais ínfimo detalhe. O problema é que nem sempre nos oferece um output a esse nível. Depois, também temos algumas vinhetas que parecem feitas mais à pressa, onde os fundos são totalmente despidos. Assim, se os ambientes arquitetónicos – a par da personagem de Alma – são os momentos onde o autor mais brilha, também é verdade que, por vezes somos brindados com alguns cenários completamente vazios. O que é pena porque o traço do autor tem muita elegância e skill para ser deslumbrante.

Umbigo do Mundo vol. 1 : Alma Mãe, de Penim e Carlos Silva - A Seita e Comic Heart

Com efeito, pode-se também advogar que se houvesse mais detalhe nos cenários vazios ou um maior cuidado com certas expressões e/ou linguagem corporal de algumas personagens mais secundárias, teríamos um trabalho ainda mais convincente. Se bem que, verdade seja dita, quando está em altas, repito que o traço de Penim é impressionante e com um cariz comercial grande. Que também importa, convenhamos.

Outra coisa onde considerei que o autor se transcende é na planificação da obra. Muito, muito boa! É diversa, moderna e dinâmica. E ao melhor nível dos melhores exemplos que nos chegam dos comics americanos. Por isso, também em Umbigo do Mundo temos páginas com vinhetas de todas as formas e feitos, que possibilitam bastante fluidez nas cenas de ação. Creio mesmo que não existe nenhuma prancha que em termos de planificação das vinhetas seja igual a outra. Todas as páginas do livro são únicas nesse cômputo, portanto. O que é admirável.

Nota positiva ainda para a imagem da capa que, só por si, já vende “meio livro”. Muito gira e muito impactante. Não me canso de dizer que a capa de um livro é a primeira coisa que causa uma boa ou má impressão no leitor. E, neste caso, a impressão é positiva, tendo-me até remetido para a Alice de Luís Louro, embora, claro, Umbigo do Mundo tenha a sua própria identidade. Cidades submersas, com os tons azul da água e bonitas mulheres desnudadas, costumam funcionar muito bem, a meu ver.

Umbigo do Mundo vol. 1 : Alma Mãe, de Penim e Carlos Silva - A Seita e Comic Heart

Se até aqui íamos muito bem, com uma arte ilustrativa bem conseguida e uma premissa interessante que só abordei ao de leve mais acima, acho que Umbigo do Mundo é um livro que talvez queira demais. Talvez tenha dado um passo maior do que a própria perna. Ambição é uma coisa boa mas devemos saber dominar a nossa ambição. E falo deste tema devido ao argumento e à narrativa.

Uma coisa que, especialmente em ficção científica, costuma funcionar muito bem, é uma boa introdução, uma boa explicação dos fundamentos básicos da premissa desse mundo ficcional. Estou a lembrar-me d’ O Relatório Minoritário, com Tom Cruise, que soube explicar bem como funcionava esse mundo futurista do filme. Ou até mesmo de Jurassic Park que, no próprio filme, conseguiu explicar o porquê e o como de existir um parque, nos nossos dias, com dinossauros. É verdade que em Umbigo do Mundo nos é dada uma página introdutória sobre o universo que nos espera mas depois, quando a história avança, a mesma desenrola-se com alguma anarquia, não conseguindo, infelizmente, unir de forma convincente as inúmeras pontas soltas que deixa no ar.

Umbigo do Mundo vol. 1 : Alma Mãe, de Penim e Carlos Silva - A Seita e Comic Heart
História que é a seguinte: estamos num mundo distópico futurista em que as cidades antigas – as da nossa atualidade – já não são uma realidade. Apareceram depois cidades sustentáveis que, entretanto, se desmoronaram e uma misteriosa praga causou a morte de muitas mulheres. Será isto uma premissa com potencial? Sim, senhor. E não ficamos por aqui. A bonita protagonista da história, Alma, surge como heroína que vai salvar(?) o mundo. E tem a particularidade de 1) não morrer. Ou 2) de ressuscitar depois de morrer. Ou 3) de controlar o tempo, de forma a que não morra. O livro não é claro o suficiente quanto a isso. E, mais uma vez, esta também é uma boa premissa. Neste caso, uma que talvez levante alguns problemas narrativos porque, se se cria uma personagem que, sempre que morre, volta a viver, então qual será o perigo, o obstáculo e a dificuldade que se lhe colocará de forma a prender o leitor? Se a personagem não corre real perigo, isso pode desprender automaticamente o leitor da personagem. Mas também pode não acontecer isso, claro, se o argumentista conseguir fabricar momentos que, ainda assim, e apesar desse “superpoder” - chamemos-lhe assim - coloquem em perigo – nem que seja moral – a personagem.

Com efeito, o que se passa neste primeiro volume de Umbigo do Mundo é que estamos perante um guisado de boas ideias mas que, infelizmente, não são tão bem ligadas entre si. No final da leitura do livro a ideia com que se fica é esta: “Ok, coisas interessantes e originais. Uma protagonista carismática. Mas como é que esta salganhada narrativa se liga toda em si?”.

Umbigo do Mundo vol. 1 : Alma Mãe, de Penim e Carlos Silva - A Seita e Comic Heart

Nesse sentido, se me perguntarem qual é a história deste livro, terei dificuldade em explicá-lo. Se calhar contarei coisas da história mas não a história, propriamente dita, estão a ver? E é por isso que, a meu ver, o trabalho de argumento e narrativa, deveria ter recebido mais atenção por parte do autor. Porque me senti perdido muitas vezes. Quais eram as intenções das personagens? Para onde iam? O que queriam? Que perigos existiam? Quem eram os maus? E os bons? A história acaba por nem sempre se ligar muito bem a si mesma. E, por vezes, não há tempo (páginas?) suficiente para que as personagens e aquilo que as move possa ser mais bem explorado. Ou seja, diria que se este livro tivesse mais páginas para desenvolver a trama e os intuitos das diferentes fações, seria uma leitura muito mais marcante. Assim, como está, parece-me apenas um conjunto de boas ideias.

Claro que fica entendido que a história não acaba aqui e que haverão mais números que, presumivelmente, explorarão melhor o tema e as personagens. Mas, ainda assim, sinto que neste primeiro livro, o leitor anda um bocado às avessas. E das duas uma, ou eram incluídas menos “coisas” ou eram incluídas mais páginas para melhor aproveitamento dessas mesmas “coisas”. E se houve coisas que não percebi, não acho que isso se deva à minha burrice ou falta de atenção mas sim ao facto, de o argumento estar um pouco lato no desenvolvimento.

A gestão do ritmo daquilo que acontece, especialmente as cenas de ação, é que me parece menos “pro”, por assim dizer. Há, concretamente, uma cena de ação em que temos as personagens num sítio, sem que perceba, realmente o que perseguem ou qual a ameaça a que essas mesmas personagens estão vulneráveis. Compreendo que se tentou dar muitas coisas num número de páginas que não é tão grande assim. Mas nem sempre isso funciona bem.

Umbigo do Mundo vol. 1 : Alma Mãe, de Penim e Carlos Silva - A Seita e Comic Heart
Há, no entanto, uma boa notícia para os autores e leitores, que joga a favor de Umbigo do Mundo. É que, como a história não fica terminada neste álbum, há (ainda) espaço e tempo para que Carlos Silva tenha a possibilidade de, no próximo volume, limar as demasiadas arestas da história e racionalizar/aproveitar melhor as (boas) premissas da história.

A edição da editora A Seita está impecável. Livro em capa dura, papel brilhante de boa qualidade e ainda um interessantíssimo dossier de extras em que podemos ver o impressionante trabalho de Penim Loureiro e o estudo de várias personagens. Há ainda 3 páginas que funcionam como teaser em relação ao que aí vem no próximo volume. Tudo muito bem feito.

Em conclusão, e por muito que a obra me tenha entusiasmado, acho que, do ponto de vista da narrativa e do argumento, apresenta alguns problemas. A premissa é interessante e, no panorama nacional, refrescante. O desenho, esse, é muito bem conseguido e acaba por ser aquilo que sustenta a obra como um livro que vale a pena ler. Dado que é uma série em continuação, cabe agora aos autores definir melhor o argumento, as personagens, as premissas e as ideias. Com uma entrada algo periclitante, Umbigo do Mundo ainda pode vir a ser uma série emblemática em Portugal. Pelo menos, é esse o meu desejo.


NOTA FINAL (1/10):
7.0


Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020


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Umbigo do Mundo vol. 1 : Alma Mãe, de Penim e Carlos Silva - A Seita e Comic Heart

Ficha técnica
Umbigo do Mundo vol. 1 : Alma Mãe
Autores: Penim Loureiro e Carlos Silva
Editora: A Seita e Comic Heart
Páginas: 80, a cores
Encadernação: Capa dura
Lançamento: Agosto de 2021

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