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segunda-feira, 17 de janeiro de 2022

Análise: A Lenda de Adora

A Lenda de Adora, de Tiago da Silva - Grafik Studios

A Lenda de Adora, de Tiago da Silva - Grafik Studios
A Lenda de Adora, de Tiago da Silva

Este é um dos bons exemplos para falar da importância de uma boa capa de banda desenhada. Bem, já nem digo “boa capa”. Digo apenas “capa apelativa”. O “bom” é mais subjetivo, mas o appeal comercial já é algo mais quantificável. Estava eu na área comercial do último Amadora BD quando este livro, no meio de todos os outros livros expostos no stand da Dr. Kartoon, me saltou à vista. E me saltou à vista por uma única razão: a sua bela capa. Mais surpreendido fiquei quando, olhando para o nome, deduzi que se tratava de um autor português. Questionei o meu amigo João Miguel Lameiras que logo me falou um pouco sobre o projeto.

E começo esta análise a falar da capa deste A Lenda de Adora porquê? Porque, ainda antes de saber algo sobre o autor, sobre o tema da obra, sobre a história da mesma, o meu “pré-interesse” - chamemos-lhe assim - já estava em altas devido à impactante capa deste livro. E é como eu sempre digo: a embalagem não é o mais importante – claro! - mas é, muitas vezes, aquilo que capta a nossa atenção inicial. Mesmo que, depois, gostemos ou não da obra. Lembrem-se que os livros não têm, normalmente, uma embalagem e, portanto, acaba por ser a sua capa o seu principal cartão de visita. Daí eu achar a concepção de uma boa capa de um livro de banda sonora - e não só - como a primeira coisa a trabalhar bem para que o livro tenha sucesso.

A Lenda de Adora, de Tiago da Silva - Grafik Studios
E a capa deste A Lenda de Adora está fenomenal. Com um desenho superdetalhado, umas cores vibrantes, um título misterioso – e com bom lettering -, uma luz quente e duas crianças a pegarem num estranho objeto, esta é uma capa que impacta. E atentem que eu nem me considero especialmente admirador de histórias de fantasia. Mas, lá está, quando o produto é bem embrulhado/embalado, é meio caminho andado para que o nosso interesse seja desperto. Foi o que aconteceu.

Falando agora, da obra em si, A Lenda de Adora é o primeiro de uma saga de fantasia que o português Tiago da Silva tem estado a preparar. O autor tem feito vários trabalhos de ilustração enquanto freelancer e arranca, desta forma, com o seu primeiro trabalho de banda desenhada.

Aqui temos uma história de fantasia, que adeptos de séries famosas como Harry Potter e, especialmente, As Crónicas de Nárnia, poderão gostar muito. Fui também remetido para os ambientes visuais de uma saga de videojogos, de que gosto muito, que se chama Trine, mas, também, para o ambiente sonoro de algumas bandas de power metal de que também gosto, como Avantasia ou Helloween. Portanto, parece-me que também no ambiente de fantasia escolhido pelo autor, há aqui várias potencialidades ao nível do sucesso desta banda desenhada. Pode agradar a muita gente!

A história arranca com uma visita de estudo de uma turma de miúdos a um museu. Dois amigos, Ash e Ollie, acabam por se afastar do grupo e encontram uma sala secreta no museu que parece estar cheia de todo o tipo de artefactos especiais. Nela, encontram um estranho cubo mágico e um gato que fala. Na verdade, esse cubo é como que uma chave mágica para um outro mundo, numa dimensão paralela: o universo de Adora para onde, inevitavelmente, os jovens acabam por viajar, acompanhados pelo seu gato que talvez seja mais do que um mero gato. 

A Lenda de Adora, de Tiago da Silva - Grafik Studios
Já chegados a Adora, Ash e Ollie assumem novas formas, as de um macaco e as de um ogre, enquanto que o gato passa a ser uma bonita e sensual elfa. Adora está, pois, repleta de muitas outras figuras mitológicas comuns a este tipo de universos do fantástico. Em termos de história, não há muito mais a referir já que este primeiro volume serve, acima de tudo, para nos apresentar Adora e os seus principais personagens. Inicia-se no final do livro uma jornada a Klisea, uma das Sete Grandes Cidades de Adora, sendo o leitor deixado com uma vontade de saber mais sobre a tal aventura que se inicia.

A história é-nos dada de forma bastante linear e escorreita. O que nos mantém focados na demanda dos protagonistas sem aprofundar muito as personagens ou o próprio enredo. Por esse motivo, acredito que para além dos adeptos da fantasia que, certamente, gostarão desta obra, este livro também pode agradar muito aos mais novos. É muito simples e fácil a leitura da história.

Em termos de ilustração, não é só na capa do livro que Tiago da Silva surpreende. Na verdade, o autor é dono de um traço realista, onde as expressões das personagens, as conceções visuais das variadas espécies, o tratamento cénico e a utilização das cores e das luzes é bastante impactante. Tudo muito visualmente apelativo mas gostei, especialmente, das caras das personagens - muito expressivas - e da própria concepção gráfica das mesmas.

Todavia, se, por um lado, a arte ilustrativa se apresenta verdadeiramente bonita e detalhada, também me parece que, em alguns casos, haja uma colocação algo exagerada de elementos digitais que, tendo o intuito de puxarem pela força da imagem, também a tornam - não sempre, mas em alguns casos - algo plástica e artificial demais. Há também, especialmente nos ambientes ao ar livre, mais concretamente nas partes em que há vegetação, uma certa sensação de cenários mal renderizados. Como se estivessem com "pixel" a menos. Compreendo a ideia do autor em brincar com o foco nas personagens e deixar os fundos mais desfocados para uma possível sensação de profundidade nas imagens, mas é algo que, na minha opinião, acaba por não trazer os melhores resultados ao conjunto.

A Lenda de Adora, de Tiago da Silva - Grafik Studios
Em termos de planificação das pranchas, A Lenda de Adora traz consigo coisas positivas e negativas. Por um lado, é completamente refrescante e out of the book, a maneira como o autor planifica a suas histórias. Quase sempre existe uma grande ilustração que ocupa duas páginas e onde depois são inseridas pequenas vinhetas que ajudam a obra a ter a tal sequência natural da banda desenhada. Isto permite ao autor ter uma abordagem mais livre na planificação e que proporciona que os seus enormes talentos de ilustrador possam vir ao de cima. No entanto, esta abordagem também terá o seu lado mais negativo que reside numa certa anarquia na colocação das páginas e a sensação de parecer que o livro foi pensado para ser um álbum ilustrativo e que, só depois, pela colocação das pequenas vinhetas por páginas, a obra acabou por se transformar numa banda desenhada. As molduras escolhidas para limitar as pequenas vinhetas que são sobrepostas nessas tais ilustrações também não me convenceram muito. Percebo a originalidade do emolduramento dessas vinhetas, que remete para um universo do fantástico, mas, por outro lado, acho que isso acaba por separar mal as vinhetas e deixar as páginas sem margem para respirarem. Talvez uma simples margem a branco tivesse funcionado melhor, a meu ver.

Ainda assim, e mesmo que eu apresente estas supostas "críticas" ao trabalho visual de Tiago da Silva, a verdade é que, caso não existissem estas pequenas fraquezas, estávamos perante um trabalho que rondava a perfeição. O talento do autor, quer no traço analógico que faz a lápis, quer depois no processo digital em que manobra as suas imagens a seu bel-prazer, é enorme e apresenta um potencial desmedido. É difícil não ficar de boca aberta ao olhar para algumas das ilustrações com que o autor nos brinda neste A Lenda de Adora.

A edição da obra, ficou a cargo do próprio autor (Grafik Studios) e mereceu o apoio da Câmara Municipal de Portimão. O livro tem um formato bem grande (30,5x 25 cms), capa dura e uma página desdobrável que me surpreendeu pela sua audácia. O papel brilhante é de boa qualidade embora, a meu ver, seja um papel demasiadamente glossy. O álbum conta ainda com alguns extras, como esboços do autor e outras ilustrações. Para edição de autor, está uma edição impressionantemente boa.

Em suma, esta foi uma das grandes e boas surpresas do ano em relação ao aparecimento de um nome a ter em conta na banda desenhada nacional. A Lenda de Adora não é perfeito e apresenta algumas fraquezas, mas, ao mesmo tempo, também faz outras coisas muito bem e de uma forma muito refrescante. Quase inédita em Portugal! A ilustração tem um potencial enorme e a própria aposta neste mundo de mitos, lendas e fantasias tem todos os ingredientes para que esta seja uma saga de sucesso na banda desenhada nacional. Assim espero!


NOTA FINAL (1/10):
7.9



Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020


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Ficha técnica
A Lenda de Adora (Volume 1)
Autor: Tiago da Silva
Editora: Independente
Páginas: 48, a cores
Encadernação: Capa dura
Lançamento: Julho de 2021

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