Análise: Ms. Marvel (Série Completa)

Ms. Marvel (Série Completa), de G. Willow Wilson, Adrian Alphona, Jacob Wyatt, Elmo Bondoc e Takeshi Miyazawa

Esta é uma série constituída por quatro volumes, claramente destinada a um público mais jovem e, partindo desse pressuposto, é facilmente aceitável que a consideremos como muito bem executada e conseguida. Poderia ainda dizer que tem a aura adicional de poder agradar a uma franja de público mais feminina já que Kamala, a protagonista, representa de uma forma bem pensada, a mulher adolescente do tempo presente: inteligente, informada, livre, destemida. A que se juntam, claro está, os clássicos poderes sobrenaturais que os super-heróis quase sempre envergam.

Kamala é uma jovem adolescente de Nova Jérsia, igual a tantas outras adolescentes, com todas as dores de crescimento inerentes à adolescência, e que, de um momento para o outro, descobre que tem superpoderes que permitem ao seu corpo crescer, conforme as suas necessidades. Ficar com pernas muito compridas, como a Mulher-Elástica, ou com uns punhos maiores do que Hulk, passa a ser um talento que Kamala consegue controlar. E, em homenagem à sua heroína preferida, Kamala adota o nome de Ms. Marvel.

Kamala tem também a particularidade de ser de origem paquistanesa e, portanto, ter uma vida cultural e familiar muito regrada, onde não são permitidas as saídas à noite e, muito menos, os relacionamentos amorosos. Como poderá ela vestir um fato de heroína para combater as injustiças, se os pais nem sequer a deixam ter um namorado? Ou sair à noite com os amigos?

Esta ideia inicial parece-me muito boa. E, de facto, compreendo que a série tenha conquistado bastante sucesso por esse mundo fora. Não obstante, e em termos de argumento, tenho que dizer que, em várias alturas, me soube um pouco. E isto pode ter que ver com a minha maturidade enquanto leitor, mas, também, pelo simples facto de me parecer que, em termos de superpoderes, a premissa poderia ter funcionado melhor, já que com os mãos da super-heroína a crescerem desmesuradamente, a série assume um tom demasiado non sense, que contrasta com o tom mais sério – e relevante – da personagem de Kamala. Por outras palavras, esta dicotomia entre a vida real de Kamala e a vida de heroína de Ms. Marvel, se para muitos até pode funcionar muito bem, a mim deixou-me com um sabor agridoce. “Doce” porque, afinal de contas, esta é uma série refrescante e com muitas coisas bem-feitas. Mas “agri” porque a tal dicotomia poderia funcionar melhor, quanto a mim.

Sendo uma história de uma jovem que começa a ser uma super-heróina, de uma forma algo titubeante, é normal que este Ms. Marvel nos relembre Homem-Aranha - quer através de Peter Parker, quer através de Miles Morales - e, também, Kickass. E este tipo de histórias iniciáticas traz sempre uma certa dose de frescura ao género dos super-heróis, pois torna-se vigorante ficarmos a conhecer o que move cada personagem, quais são os seus poderes e as suas dificuldades. O conceito vai-se, pois, renovando à medida que vão surgindo novas personagens. Ms. Marvel traz-nos, assim, a novidade de termos uma protagonista feminina e muçulmana, de uma só vez. A autora G. Willow Wilson foi feliz ao desenvolver toda esta vertente que não me pareceu provida de moralismos ou que nos fosse dada de forma forçada. O que me pareceu mais forçado até foi, inesperadamente, a parte de super-heróina que há nesta série.

Isto porque, se gostei muito de Kamala enquanto personagem – com os seus problemas familiares, com a sua religião diferente da sua envolvente social, com a paixão adolescente à qual ela não parece corresponder e com a forma como tem que lidar com os seus superpoderes, já Ms. Marvel, enquanto heroína, me pareceu algo forçada nos seus poderes, com a autora a revelar alguma desinspiração. E também as lutas em que a heroína se envolve, bem como os seus inimigos e respetivos poderes, não me convenceram por aí além, deixando-me com a ideia de que a argumentista G. Willow Wilson tudo investiu no belo perfil de Kamala, mas que, depois, foi algo aleatória na preparação dos eventos. Por exemplo, quando Wolverine se junta a Ms. Marvel para combater uns crocodilos nos esgotos da cidade, parece-me uma cena com pouco nexo e que foi “espetada” na trama só porque sim. Atenção que não estou a dizer que tudo tenha que “ter nexo”. E compreendo a entrada de uma personagem como Wolverine para chamar mais gente para a série. Todavia, simplesmente me pareceu uma ideia não tão bem desenvolvida assim.

Porém, não deixa de ser verdade que esta saga se lê bastante bem pois é uma história leve, fácil e, lá está, bastante adolescente. Se por vezes nos preocupamos com o facto de, aparentemente, os jovens portugueses não prestarem muita atenção à banda desenhada, este Ms. Marvel é, sem dúvida, um bom exemplo de como a banda desenhada pode e deve ser apelativa para os jovens. Para além do mangá, claro.

Em termos de arte ilustrativa, devo dizer que o trabalho de Adrian Alphona é extremamente bem conseguido e que eleva muito a qualidade global da obra. Com um traço algo incomum para o “estilo Marvel” – chamemos-lhe assim - mas, não obstante, com um pendor bastante comercial e de fácil leitura, devo dizer que é o ponto mais alto da série. Desenhada por outro autor, certamente este Ms. Marvel não teria as características próprias e diferenciadoras que tem. As personagens são muito bem esculpidas pelo autor, apresentando belas expressões faciais e uma bem conseguida linguagem corporal. A caracterização cénica dos locais, não sendo aqui o ponto fulcral do trabalho do autor, também é bem conseguida. De resto, a planificação da obra, não arriscando muito, consegue dar ao relato a diversidade e dinâmica necessárias.

Ao longo dos volumes 2 e 3, Geração Perdida e Apanhada, respetivamente, temos outros autores a ilustrar a série, nomeadamente Jacob Wyatt, Elmo Bondoc e Takeshi Miyazawa. E mesmo admitindo que o trabalho deles não consegue ficar ao excelente nível do de Alphona, todos estes autores acabam por cumprir bem, o que resulta na obtenção de uma certa sensação de continuidade em relação ao trabalho do ilustrador principal. Para isso muito contribuem as belas e suaves cores de Ian Herring, que têm uma forte responsabilidade na beleza visual que emana desta série.

A edição da G. Floy Studio é à sua boa maneira: capa dura, bom papel brilhante, boa encadernação e boa impressão. Destaque para a introdução de capas alternativas, processo de aplicação de cores ou de páginas com artes finais a preto e branco no final dos livros.

Em suma, Ms. Marvel é uma refrescante e boa aposta da G. Floy Studio, totalmente direcionada a um público mais infantojuvenil. Se a história é leve, divertida e descontraída, as ilustrações são verdadeiramente belas e gratificantes. Esta série pode muito bem ser o presente perfeito para aquele/a vosso/a sobrinho/a que ainda não deu uma oportunidade à banda desenhada.

NOTA FINAL (1/10):

8.3

Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020

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Fichas técnicas

Ms. Marvel Vol. 1: Fora do Normal

Autores: G. Willow Wilson e Adrian Alphona

Editora: G. Floy

Páginas: 120, a cores

Encadernação: Capa dura

Formato: 190 x 280 mm

Lançamento: Junho de 2018

Ms. Marvel Vol. 2: Geração Perdida

Autores: G. Willow Wilson, Adrian Alphona e Jacob Wyatt

Editora: G. Floy

Páginas: 120, a cores

Encadernação: Capa dura

Formato: 190 x 280 mm

Lançamento: Dezembro de 2018

Ms. Marvel Vol. 3: Apanhada

Autores: G. Willow Wilson, Elmo Bondoc e Takeshi Miyazawa

Editora: G. Floy

Páginas: 120, a cores

Encadernação: Capa dura

Formato: 190 x 280 mm

Lançamento: Junho de 2019

Ms. Marvel Vol. 4: Os Últimos Dias

Autores: G. Willow Wilson e Adrian Alphona

Editora: G. Floy

Páginas: 120, a cores

Encadernação: Capa dura

Formato: 190 x 280 mm

Lançamento: Dezembro de 2019