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quinta-feira, 1 de junho de 2023

Análise: Manual de Instruções


Manual de Instruções, de Nuno Markl e Miguel Jorge

Manual de Instruções assinala o regresso à banda desenhada de Nuno Markl, o proeminente humorista e figura pública da rádio e televisão portuguesa. E isto numa altura em que este novo livro caminha a par com o relançamento de O Corvo III – Laços de Família, pela Ala dos Livros, que o autor lançou originalmente, no ano de 2007, com Luís Louro.

Desta vez, em Manual de Instruções, não é Luís Louro que acompanha Markl, mas sim, Miguel Jorge. Autor, entre outras obras, da adaptação para banda desenhada de Amor de Perdição, de Camilo Castelo Branco, que a editora Levoir lançou no ano passado.

Esta é uma história que tem a particularidade de ter sido inicialmente pensada para um guião de filme por parte de Nuno Markl. O projeto acabou por ficar na gaveta e foi Miguel Jorge que teve a iniciativa de transformar este guião em banda desenhada. E em boa hora o fez.

Dito isto, e tal como Nuno Markl nos informa na nota introdutória com que o livro abre, Miguel Jorge acabou por ter total liberdade para desenvolver a banda desenhada com base no guião original escrito por Markl.

Manual de Instruções
funciona como uma comédia romântica, leve e ligeira, à superfície, mas que, nas entrelinhas, tem alguma seriedade e o ímpeto para nos fazer pensar nas relações amorosas da contemporaneidade.

O protagonista é Alberto Simões, que é escritor. Não de livros, mas de manuais de instruções de eletrodomésticos. E embora ele ame a sua mulher, Lara, e os seus filhos, parece tão embrenhado na sua profissão de sonho, que acaba por negligenciar a sua família. Mas toda a gente tem um limite e Lara, após mais um conjunto de falhas do seu marido, decide que é tempo de terminar a relação e sai de casa com as crianças. É este o gatilho para que Alberto perscrute o seu interior, de forma a perceber como é que falhou e como é que pode remediar as coisas. Se é que isso é possível. É que, lá está, as pessoas têm muitas paixões na vida que gostam de alimentar, mas, muitas vezes, esquecem-se que aqueles que as rodeiam, a sua família, não são dados adquiridos e há que regar e alimentar esses relacionamentos.

Escrevendo assim, parece que Manual de Instruções é um livro muito sério. Tem seriedade, sim, mas que é encoberta por um conjunto de situações inusitadas e um humor leve, que não se leva muito a sério, que vai marcando a forma como a história se desenrola.

Começa logo pelo facto de um assaltante se tornar confidente e amigo de Alberto, aconselhando-o sobre a sua vida. Eventualmente, Alberto também passa a solicitar a companhia de uma prostituta. Não para o tipo de serviços que poderíamos esperar, mas sim para diálogo e para ajudar o protagonista a conhecer melhor aquilo que vai na cabeça da sua mulher, Lara. Algumas situações pareceram-me um pouco rebuscadas em demasia, mas também é verdade que vão havendo bons momentos de humor à medida que vamos avançando no livro.

Mais perto do fim, apreciei especialmente como Alberto começa a encenar uma cena para tentar convencer a sua mulher que esta necessita dele. Como esperado, o plano sai ao contrário, trazendo-nos uma comédia de situação, em catadupa, que nos deixa divertidos. Considerei este o ponto alto da história, em ralação ao ritmo e à própria parte humorística.

Há, no entanto, em vários dos diálogos alguma imaturidade na personagem de Alberto que, por vezes, tira alguma da verosimilhança ao todo. É que, se Manual de Instruções aparenta ser uma história para adultos se rirem e refletirem, por vezes as personagens têm uma postura algo imberbe para o que seria expetável.

Também é verdade que, como a história incide em aspetos reais da vida contemporânea, o livro acaba por se tornar relevante e atual.

Em termos visuais, devo dizer que fiquei bastante agradado com o trabalho de Miguel Jorge. Embora me tenha sabido a pouco. Mas já lá irei.

Ao contrário daquilo que o autor nos mostrou noutros lançamentos, em que o seu traço procura ter uma aura mais realista, neste Manual de Instruções o seu registo de desenho muda completamente, oferecendo-nos um traço bem mais caricatural, que encaixa muito bem na história que nos é dada. Devo confessar que aprecio particularmente quando um autor consegue mudar tanto de registo, de um livro para outro. E, portanto, este estilo caricatural de Miguel Jorge deixou-me bastante agradado. Até porque, a maneira como o autor ilustra as expressões das personagens, é bastante bem conseguida. Todas elas são carismáticas e criam facilmente empatia com o leitor.

Não obstante, a sensação final foi de que os desenhos do autor me souberam a pouco por duas razões. 

Primeiramente, porque, em termos de cenários, o desenho fica um pouco aquém das expetativas. Os cenários apresentam-se rígidos no desenho, parecendo que o autor pegou em fotografias e limitou-se a aplicar-lhes o efeito “threshold” para aproximar as fotografias do estilo de desenho pretendido. Não há nada de mal nesta técnica, mas, infelizmente, faz com que não haja uma simbiose tão boa como desejável entre as belas personagens “cartoonescas” e cheias de vida e os cenários mais realistas e mais frios.

A segunda coisa menos positiva é o abuso na utilização dos mesmos desenhos. Bem sei que, numa vez ou outra, tipo o diálogo que acontece entre Alberto e Lara quando estes se encontram deitados, até funciona bem. Admito até que a repetição de vinhetas, mudando apenas os balões de texto, é uma técnica que, sendo usada de forma muito amiúde, pode criar uma prancha interessante. Mas diria que se isso acontece mais do que uma ou duas vezes por livro, torna-se por demais óbvio que o autor está a espremer em demasia os mesmos desenhos. E fica-se com a ideia de que ou o autor foi preguiçoso para desenhar mais, ou o autor teve demasiado pouco tempo para acabar o livro, vendo-se forçado a despachar em demasia o trabalho.

É uma pena pois, em termos visuais, esta parece-me ser a maior lacuna do livro. Porque, repito, gostei muito deste estilo mais caricatural do autor e acho que tinha potencial para tornar o livro melhor. Mesmo assim, tenho que dar mérito à planificação de Miguel Jorge que, por ser dinâmica e apresentar algumas soluções bem conseguidas, consegue camuflar um pouco esta fraqueza do álbum.

Quanto à edição, fiquei bastante agradado com o trabalho da Iguana (pertencente ao grupo editorial Penguin Random House) que tem neste Manual de Instruções a sua primeira banda desenhada de origem nacional. O livro apresenta capa dura baça, bom papel baço e um trabalho competente ao nível da impressão e da encadernação.

Uma das páginas aparece repetida. É sempre uma situação lamentável e que estraga um bocado a experiência de leitura, mas é justo admitir que a editora soube contornar a situação de forma airosa, dotando a edição de um marcador de livro que brinca com o tema e que até disponibiliza um QR Code para os leitores identificarem o erro. Menos mal.

Há que dizer que, em termos de grafismo, o livro está muito bem conseguido. Muitas vezes falo na importância de uma boa capa para ajudar na venda de um livro. E se há capas bem conseguidas, a de Manual de Instruções é uma delas. E não digo isto devido a Nuno Markl ser um dos autores – o que já renderá, também, muitas vendas do livro, estou certo. Refiro-me às cores, à ilustração, ao tratamento de título e a todo o grafismo da capa. É uma capa muito bem-feita.

Em suma, Manual de Instruções é uma obra que traz alguma frescura ao panorama nacional de banda desenhada. É pena que, quer em argumento, quer em ilustração, a obra não tenha sido amadurecida e aprimorada pelos autores, de forma a ser mais inolvidável. Ainda assim, é uma leitura leve, divertida e que tem o condão de, por debaixo de certas situações caricatas que nos deixam sorridentes, fazer-nos refletir sobre as relações amorosas e de como é importante colocarmo-nos no lado do outro para, com isso, sermos melhores namorados(as) e/ou esposos(as).


NOTA FINAL (1/10):
6.0


EDIT: Soube já depois de feita a análise a este livro que, de facto, falta uma página à edição. E isso, quanto a mim, é manifestamente mais grave do que a mera repetição de uma página. É como se o livro ficasse automaticamente incompleto. Imaginem um filme de 2h00 em que 4 minutos são sem som e apenas com fundo preto. Tudo isto faz-me reduzir a nota de 7.0 para 6.0.


Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020



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Ficha técnica
Manual de Instruções
Autores: Nuno Markl e Miguel Jorge
Editora: Iguana (Penguin Random House)
Páginas: 128, a preto e branco
Encadernação: Capa dura
Formato: 17 x 24 cm
Lançamento: Maio de 2023

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