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segunda-feira, 24 de julho de 2023

Análise: Meadowlark

Meadowlark, de Greg Ruth e Ethan Hawke - G. Floy Studio

Meadowlark, de Greg Ruth e Ethan Hawke - G. Floy Studio
Meadowlark, de Greg Ruth e Ethan Hawke

Depois de, em 2019, a G.Floy Studio ter lançado Indeh, de Greg Ruth e do ator Ethan Hawke, que nessa altura se estreou enquanto argumentista de banda desenhada, a mesma editora voltou a lançar um álbum desta dupla criativa. Desta vez, não estamos perante um western, como aconteceu em Indeh, mas sim perante um policial de autodescoberta como, aliás, aparece em grande destaque na capa do livro. Trata-se da obra Meadowlark.

A ação decorre na cidade de Huntsville, no Texas, e oferece-nos uma história de pai e filho que não têm a melhor das relações entre si. Um pouco de forma involuntária, e por força dos acontecimentos, embarcam ambos numa viagem de proporções dramáticas e inolvidáveis para pai e filho.

Meadowlark, de Greg Ruth e Ethan Hawke - G. Floy Studio
Jack, cujos traços faciais nos remetem para a aparência real de Ethan Hawke, é um guarda prisional que outrora foi uma promessa do boxe. Infelizmente, de desgraça em desgraça, Jack foi fazendo demasiados erros e más escolhas ao longo da sua vida. Não que isso invalide que o seu filho, Cooper, não continue a idolatrá-lo. Mas quantas vezes os filhos não idolatram pais sem grandes motivos para tal? E não deixa de ser verdade que, mesmo que um filho admire o seu pai, também pode ter uma relação extremamente tensa com ele. É o que acontece na relação entre Jack e Cooper que, aliás, se baseia na relação que os próprios autores dizem ter com os seus filhos.

Cooper foi expulso da escola e, por esse motivo, terá que acompanhar o seu pai num dia de trabalho na prisão. Que não é um trabalho propriamente leve. Uma fuga na prisão desencadeia um conjunto de acontecimentos improváveis e, quer Jack, quer Cooper, veem-se envolvidos numa teia de violência e criminalidade onde terão que confiar um no outro para sobreviverem. Mas é difícil criar laços de confiança numa relação conflituosa, certo?

A ação decorre durante o espaço temporal de um dia. E, nesse dia, há momentos de alguma reflexão e de muita ação. Nunca é uma história muito profunda, mas é uma experiência marcante. Creio que é mesmo essa a maior valência deste livro: a experiência completamente cinematográfica que deixa no leitor. Ler este livro não anda muito longe de ir ao cinema.

Meadowlark, de Greg Ruth e Ethan Hawke - G. Floy Studio
Afinal de contas, Meadowlark é um dos livros que aparenta dividir bastantes opiniões. Junto de alguns dos meus amigos próximos, que já tinham lido o livro antes de mim, alguns disseram-me que era “fabuloso e magnífico”, outros disseram-me que era “fraquito” e bastante “meh”. Ora, quanto a mim, acho que a perceção da obra sendo, naturalmente, uma questão sempre subjetiva, terá muito que ver com a forma como olhamos para a mesma. É que, se estivermos à espera de uma obra profunda, que nos faça pensar, que tenha um argumento deveras original, ou que nos marque para a vida… Meadowlark não será certamente esse livro. Pura e simplesmente, não o será. Porém, se olharmos para este livro como uma banda desenhada que, mais do que tudo, procura ser um "filme" em banda desenhada, bastante focado na tensão e sentido de urgência que gera no leitor, então é provável que adoremos o livro.

E talvez eu me insira mais neste último grupo de leitores. É óbvio que Meadowlark não é perfeito, é verdade que as bases do argumento parecem algo clichet – pois todos já lemos um livro ou vimos um filme onde o filho e o pai têm uma relação tumultuosa e que embarcam numa viagem semelhante – e também é justo dizer que certos acontecimentos são um pouco forçados e que as personagens poderiam ter sido mais bem desenvolvidas. Aceito tudo isso.

Meadowlark, de Greg Ruth e Ethan Hawke - G. Floy Studio
Mas não posso esquecer que, enquanto lia este livro, não consegui parar de o ler, uma vez que me vi arrastado para os acontecimentos trágicos que vão acontecendo em catadupa. Este é um daqueles livros para ler de enfiada. Como um filme, aliás. E, desse ponto de vista, é justo dizer que Ethan Hawke faze um belo trabalho ao volante do argumento. E que não é tão comum assim de ver noutros livros de banda desenhada.

Aliás, se há bons exemplos para aquele chavão de “a banda desenhada ser cinema para pobres”, que por vezes ouvimos, Meadowlark é um excelente exemplar. Não se consegue ler este livro sem achar que, de alguma forma, foi pensado para o cinema. Ou, se não foi bem assim, foi, pelo menos, brutal e inegavelmente influenciado pelo cinema. Ao nível da experiência, do ritmo narrativo, da imagética e do ambiente. Até vou mais longe: o próprio livro parece um storyboard pronto a ser filmado. Estão a ver alguns filmes dos irmãos Cohen? Meadowlark poderia ser um dos seus filmes.

O desenho de Greg Ruth é absolutamente fantástico. E acredito mesmo que, se o desenho não fosse tão bom, dificilmente a experiência de Meadowlark seria tão boa, não obstante as boas ideias e bela sensação cinematográfica no argumento de Ethan Hawke, que já referi. O traço de Ruth é hiper-realista e é-nos dado a preto e branco, com tons acastanhados sépia. Por vezes, para determinados momentos, a paleta é em tons de azul. Algo semelhante ao que o autor já nos tinha dado em Indeh.

Meadowlark, de Greg Ruth e Ethan Hawke - G. Floy Studio
As expressões das personagens são fantásticas e o desenho dos cenários é magnífico. É tudo feito com uma certa poesia visual, à qual é difícil ficarmos indiferentes. Com efeito, o desenho é tão perfeito que chega a ser algo caricato que, inexplicavelmente, quer o desenho das nuvens (que parecem mais estilizadas e menos realistas), quer o desenho dos automóveis em movimento (que, por vezes, parecem planar sobre o asfalto) não pareçam tão bem executados. Mas, convenhamos, isto são preciosismos meus que em nada anulam o facto de este ser um livro lindíssimo em termos de desenho. Por ventura, um dos melhores do ano.

Os enquadramentos são totalmente cinematográficos, com o autor a dar-nos um trabalho detalhado e verdadeiramente belo, e a própria planificação dinâmica e diversa também contribui para que a obra seja impactante e que cause urgência na leitura que fazemos.

A edição do livro é em capa dura baça, com um ótimo papel baço que se adequa perfeitamente à arte ilustrativa de Greg Ruth. De resto, o livro apresenta boa encadernação e boa impressão. Um bom trabalho da G. Floy Studio, portanto.

Em suma, Meadowlark supera facilmente Indeh. Não será o livro do ano, mas é, sem dúvida, um dos livros do ano. Acima de tudo porque utiliza o meio da banda desenhada para nos dar um belo "filme" tenso, soberbamente ilustrado, que nos prende à trama da primeira à última página. Se há livros que nos remetem para o cinema, este Meadowlark é um óbvio exemplo disso. Mais do que uma banda desenhada, parece ser um filme desenhado.


NOTA FINAL (1/10):
9.1


Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020


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Meadowlark, de Greg Ruth e Ethan Hawke - G. Floy Studio

Ficha técnica
Meadowlark
Autores: Greg Ruth e Ethan Hawke
Editora: G. Floy Studio Portugal
Páginas: 256, a cores
Encadernação: Capa dura
Formato: 21 x 26 cm
Lançamento: Maio de 2023

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