Rubricas

quarta-feira, 23 de agosto de 2023

Análise: Lore Olympus – Volume 1 (Partes 1 e 2)

Lore Olympus – Volume 1 (Partes 1 e 2), de Rachel Smythe - Iguana - Penguin Random House

Lore Olympus – Volume 1 (Partes 1 e 2), de Rachel Smythe - Iguana - Penguin Random House
Lore Olympus – Volume 1 (Partes 1 e 2), de Rachel Smythe

Sei que esta expressão está gasta por ser dita tantas vezes mas, como neste caso se aplica perfeitamente, vou usá-la: Lore Olympus é uma banda desenhada que não deixa ninguém indiferente. Uns parecem amá-la e outros parecem odiá-la. E, em ambos os casos, consigo perceber as razões para tal.

Esta é uma das apostas da Iguana em banda desenhada e estou certo que será a série mais rentável da editora. Pelo menos, a nível das séries/obras atuais que compõem o catálogo desta chancela do grupo Penguin Random House. Isto porque há uma legião de fãs de Lore Olympus, uma série que foi criada por Rachel Smythe e que, curiosamente, nasceu enquanto webtoon. Depois disso, já arrecadou inúmeros prémios e hordas de fãs acérrimos. É considerada como uma obra altamente viciante por muitos. Por outro lado, outros também acusam Lore Olympus de ser uma grande “mão cheia de nada”.

Lore Olympus mergulha os leitores numa reinterpretação moderna da mitologia grega, apresentando uma visão refrescante e leve desse universo, que coloca os deuses e as deusas do Olimpo no mundo atual, conduzindo carros, utilizando telemóveis e vivendo uma verdadeira “telenovela mexicana” de relacionamentos. Bem, em boa verdade, isso até não é algo que seja novo, pois a mitologia grega até está cheia de encontros e desencontros amorosos entre os vários deuses do Olimpo, bem ao jeito de uma novela. Mas, na mitologia dita mais oficial, são encontros mais “pesados” e mortíferos – porque a mitologia grega também sabe ser bem “gore”, convenhamos – e, em Lore Olympus, Rachel Smythe opta por recriar esses desenlaces amorosos de forma mais leve. Como seria, aliás, de esperar, se tivermos em conta que esta é uma série especialmente destinada aos jovens. E, convém fazer a ressalva, quando digo isto, não é que considere que Lore Olympus não possa ou não deva ser lida por adultos – sou o primeiro a não gostar muito do quão redutor é enfiar uma obra de arte numa qualquer gaveta de géneros ou idades - mas concedo que é bem possível que muitos adultos considerem a história de Lore Olympus demasiado leve, demasiado superficial, demasiado ligeira.

Lore Olympus – Volume 1 (Partes 1 e 2), de Rachel Smythe - Iguana - Penguin Random House
Em todo o caso, acho que é uma série verdadeiramente bem conseguida para o público-alvo a que se destina. Se é algo que me tenha dado especial gozo? Não. As ilustrações são belíssimas e a ideia é boa, mas a história e os diálogos pareceram-me demasiado teen para os meus gostos atuais. Não obstante, compreendo que a juventude possa adorar estes “Morangos com Açúcar do Olimpo”, com belas ilustrações joviais. E, atenção, que esta minha afirmação não pretende ser minimamente jocosa. Não há mal nenhum em estarmos perante uma banda desenhada leve que apela a um público mais jovem e feminino. Na verdade, até tenho achado demasiado injustas certas análises e comentários que tenho lido sobre Lore Olympus, pois considero que a série está muito bem feita, se tivermos em conta o público-alvo a que se destina. Da mesma forma que as minhas filhas, de 8 e 5 anos, choram a rir a gargalhada com uma piada que envolva rabos, xixi, cocó ou puns, também há adolescentes e jovens adultos que verão em Lore Olympus uma verdadeira obra-prima da banda desenhada. Mas quererá isso dizer que as piadas de rabos, os Morangos com Açúcar ou Lore Olympus sejam coisas más? Naturalmente que não. Pelo menos, se - e isto é o mais relevante - forem veiculadas e direcionadas junto do público a que se destinam. Como tal, sim, considero Lore Olympus uma bela banda desenhada para jovens. Tem todos os ingredientes certos, na dosagem certa.

A história foca-se no romance vivido entre Perséfone, a jovem deusa da primavera, e Hades, deus do Submundo. Parecendo como opostos naturais um do outro, visto que ela é jovem, pequena, ingénua e ele é maduro, grande e vivido, os dois acabam por iniciar um romance típico da adolescência. Aqueles que, antes ainda do fulgor sexual, fazem crescer borboletas na barriga e toldam de vermelho as faces dos intervenientes. É ligeiro, é simples, é básico, mas tem o seu quê de beleza e nostalgia.

Lore Olympus – Volume 1 (Partes 1 e 2), de Rachel Smythe - Iguana - Penguin Random House
Mas, estando o enfoque na relação destas duas personagens, a história não conta apenas com estes dois deuses da mitologia grega. Os outros deuses gregos, como Zeus, Poseidon, Afrodite, Hera, Deméter, Apolo, Artemisa, entre outros, também marcam presença. Em todos eles há uma procura da autora em utilizar as características que lhes são inerentes embora, também neste ponto, essa utilização seja bastante superficial. Quase como uma justificação ou um engodo linear em detrimento de um cuidado aprofundado na conceção da personalidade da personagem. Como nota adicional, e quase como forma de compensar esta superficialidade das personagens de Lore Olympus, acho que a leitura poderia sair mais enriquecida – bem como a obra poderia almejar um cariz mais didático – se houvesse uma árvore genealógica dos deuses, com uma breve apresentação, na primeira ou última página do livro.

Mas, voltando à história, passamos muito tempo sem que aconteça realmente grande coisa. Quer dizer, a história de “será que estou apaixonada/o?” e “será que ele/a está apaixonado/a por mim?” vai ocupando um grande número de páginas. E, lido assim, pode parecer que a história se torna muito enfadonha, mas não é o caso. Aliás, apesar dos dois livros que vos trago terem, combinados, cerca de 400 páginas, esta é uma leitura que se faz em cerca de 1h ou 1h30. E há várias razões para tal. Porque os diálogos são curtos, porque certas páginas têm poucas vinhetas e, bem… porque a história é bastante básica e não pressupõe uma grande dedicação intelectual do leitor para bem acompanhá-la. Estão a ver uma comédia romântica de sábado à tarde? É isso que Lore Olympus é.

Lore Olympus – Volume 1 (Partes 1 e 2), de Rachel Smythe - Iguana - Penguin Random House
De resto, a obra aborda temas universais como o amor, o poder, o trauma e o abuso. Embora no início do livro haja uma menção ao facto da obra abordar “temas de abuso físico e mental, trauma sexual e relações tóxicas”, a verdade é que o faz de uma forma bastante leve e superficial. Em linha com aquilo que a obra é, portanto.

Mas se já escrevi bastante sobre Lore Olympus, ainda não mencionei aquilo que mais chama a nossa atenção depois de segurarmos os livros da série nas mãos. A componente visual. Este é um daqueles livros que me lembro de chamar a minha atenção, quando em loja, há bastante tempo, numa altura em que ainda nem havia a versão portuguesa da Iguana, sequer. De facto, Rachel Smythe dá-nos um conjunto de desenhos verdadeiramente originais, num estilo muito próprio que parece diferente de tudo o que já vimos. A paleta de cores, onde imperam os rosas e os azuis é verdadeiramente vibrante e esteticamente impactante. É, pois, natural que Lore Olympus apele a tanta gente e desperte o interesse das pessoas nas lojas.

Além de que os desenhos das expressões das personagens, num traço bastante “cartoonesco”, são bastante simples, mas altamente eficazes. Rachel Smythe tem aquele dom de, com meia dúzia de traços, desenhar uma cara extremamente expressiva que cria empatia no leitor.

Lore Olympus não deixa muito espaço para o desenho de cenários interiores e exteriores, visto que a grande maioria das ilustrações que nos é dada por Smythe, são ilustrações das personagens a convergir entre si. Por esse motivo, chega até a parecer que estamos perante uma peça de teatro, onde o enfoque são os monólogos e os diálogos das personagens. Não obstante, de tempos a tempos, somos surpreendidos com uma ou outra ilustração mais detalhada e diferente da autora, que nos enche o olho. Nas interações românticas entre as personagens, Smythe também consegue dar-nos alguns desenhos verdadeiramente poéticos e impactantes. Mesmo que sejam, repito, bastante simples na conceção.

Lore Olympus – Volume 1 (Partes 1 e 2), de Rachel Smythe - Iguana - Penguin Random House
Em termos de planificação, vê-se que Rachel Smythe tem tudo pensado e procura sair da caixa, dando-nos um trabalho muito dinâmico e versátil. Por vezes, a margem branca parece ocupar mais espaço do que as próprias vinhetas, de tão pequenas que são. Não me parece que seja uma opção que funcione a favor da obra, pois faz com que as ilustrações fiquem demasiado confinadas e pouco percetíveis. Falando no tema da percetibilidade, também não ajuda que certas cores escuras estejam demasiado escuras. Para isso também contará, em parte, a qualidade de impressão da edição da Iguana, que não é a melhor.

Devo ainda fazer uma nota sobre as belíssimas ilustrações das capas. A capa do primeiro livro, em particular, é uma forte candidata a melhor capa do ano!

Em termos de edição, ambos os livros apresentam capa mole baça e um papel que, infelizmente, é fino demais e não está em linha com aquilo que seria mais adequado. A encadernação é boa, mas a impressão apresenta cores demasiadamente escuras, conforme já referi. Há certas vinhetas em que nem se consegue perceber o que se está a passar. Felizmente, isso acontece apenas em alguns casos. Mas fica a chamada de atenção.

Como nota mais negativa, fica a opção editorial de dividir o primeiro volume desta série que, por agora, conta com quatro volumes, em dois. Ou seja, o primeiro volume divide-se nas partes 1 e 2. Na prática, e esperando que a editora continue a lançar a série, a Iguana está a multiplicar por dois cada um dos volumes lançados originalmente. Se se percebe a lógica comercial desta opção? Claro que sim. Desta forma, a editora capitaliza cada um dos livros e faz mais dinheiro. Imagino que se um livro com 400 páginas, em capa mole e com este tipo de papel, fosse lançado, andaria pelos 25€. Dividindo a obra em dois, a editora consegue vendê-los por cerca de 36€. Se isto pode ser alarmante para muitos, o que me alarma mais a mim ainda é a forma, completamente abrupta, a meio de uma side story, sem que houvesse qualquer cliff hanger, como a editora optou por dividir o volume em dois. Revelou bastante desrespeito pela obra e pelos leitores. Repito que, mesmo podendo não concordar, compreendo o apelo comercial de dividir a obra em dois, mas considero que, ao menos, esta opção poderia ter sido tomada de uma forma mais airosa e respeitadora da obra original.

Em suma, é fácil perceber o sucesso de Lore Olympus se olharmos para equação dos três elementos que encerra em si mesma: 1) é um romance ligeiro e juvenil, estilo novela; 2) utiliza de forma refrescante a mitologia grega nos tempos atuais; e 3) apresenta uma ilustração e um grafismo bastante original, moderno e visualmente empolgante. O somatório destas três valências explica o sucesso da série. Numa altura em que se fala do quão bom e importante é conseguir trazer os jovens para a banda desenhada, é com uma esperança renovada que olho para Lore Olympus que poderá ter a sua quota parte em abrir a 9ª arte a jovens que, de outra forma, não perderiam tempo com banda desenhada.


NOTA FINAL (1/10):
8.2



Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020


-/-

Lore Olympus – Volume 1 (Partes 1 e 2), de Rachel Smythe - Iguana - Penguin Random House

Fichas técnicas
Lore Olympus – Contos do Olimpo - Volume 1 (Parte Um)
Autora: Rachel Smythe
Editora: Iguana (Penguin Random House)
Páginas: 200, a cores
Encadernação: Capa mole
Lançamento: Abril de 2023

Lore Olympus – Volume 1 (Partes 1 e 2), de Rachel Smythe - Iguana - Penguin Random House

Lore Olympus – Contos do Olimpo - Volume 1 (Parte Dois)
Autora: Rachel Smythe
Editora: Iguana (Penguin Random House)
Páginas: 192, a cores
Encadernação: Capa mole
Lançamento: Maio de 2023

2 comentários:

  1. Acho a divisão em dois volumes excessiva, como achei o aviso de conteúdo presente no segundo volume português. Seja como for esta é daquelas obras que parece que ou se adora ou se lhe é indiferente. Penso também que atrai um grande segmento de público habituado aos romances de Young Adult (YA) e aos webtoons. Por vezes sinto que são obras que tentam chegar a temas muito profundos, mas de uma forma um pouco "disney" e simplificada. No entanto se metem uma data de gente a ler, não podem ser maus de todo. A minha maior crítica é que se nota em todos estes livros que estão pensados para um ecrã e foram depois adaptados para impressão. Na paleta de cores deste nota-se e bem!

    ResponderEliminar