Análise: Ilíada - Série Completa

Ilíada - Série Completa, de Luc Ferry, Clotilde Bruneau e Pierre Taranzano

Foi em cerca de seis meses, mais concretamente entre os meses de Janeiro e Junho deste ano, que a editora Gradiva lançou, na sua coleção A Sabedoria dos Mitos, a minissérie Ilíada que adapta para banda desenhada, e em três volumes, a obra clássica de Homero.

Sobejamente conhecida e estudada nas escolas secundárias por esse mundo fora, esta é uma das obras mais emblemáticas e clássicas da literatura grega.

Datando do longínquo século VIII a.C, até é justo afirmar que este se trata de um dos textos fundadores da literatura ocidental. A obra originalmente concebida em versos, narra os eventos do décimo e último ano da Guerra de Troia, centrando-se nos feitos do herói grego Aquiles. Mas não só. Porque embora a guerra aqui retratada envolva imensas personagens e acontecimentos, fazendo uma Guerra dos Tronos parecer parca em volume de personagens, Ilíada é especialmente focada no conflito interior de Aquiles e no impacto de suas decisões para os destinos dos gregos e dos troianos. Afinal de contas, e já assim versa o ditado, não dá para "agradar a gregos e a troianos."

A narrativa começa, pois, com a ira de Aquiles, o herói mais forte dos gregos, causada pela humilhação sofrida quando Agamenon, líder dos gregos, lhe tira a escrava Briseida. Esta raiva é o motor dos eventos subsequentes da trama, pois leva Aquiles a retirar-se da guerra, o que impacta o curso da batalha. Contudo, a morte do seu amigo Pátroclo fá-lo retornar em busca de vingança, levando à morte de Heitor, o maior herói troiano. Muitos eventos e side plots se misturam, entretanto.

Mas esta não é uma história apenas de homens. Aqui também aparecem os deuses, que desempenham um papel fundamental na trama, interferindo nas batalhas e nas vidas humanas. Embora sejam imortais e poderosos, frequentemente agem com emoções humanas, como ciúme, raiva e favoritismo. Bem ao jeito da mitologia grega, claro está. A relação entre deuses e mortais é complexa, e os deuses frequentemente manipulam os eventos a seu favor, mas sem poder mudar o destino já traçado.

Com efeito, o conceito de destino permeia a narrativa, com deuses e homens sujeitos às determinações do destino. Aquiles, por exemplo, sabe que está destinado a morrer jovem se escolher permanecer em Troia, mas também sabe que isso lhe trará a maior glória. A mortalidade é um tema recorrente, com a inevitabilidade da morte contrastada com o desejo humano de viver de forma significativa.

Ilíada oferece, por isso, uma visão ambígua sobre a guerra. Embora seja evidente o valor que os gregos colocavam no heroísmo militar e na glória adquirida no campo de batalha, não se pretende idealizar a guerra. Ao invés, são-nos mostradas as atrocidades e as consequências humanas devastadoras que a guerra traz, tanto para vencedores quanto para derrotados. Mesmo o grande Aquiles é um reflexo negativo da guerra, ficando vulnerável à perda e à tristeza, especialmente após a morte de Pátroclo.

Adaptar um texto clássico e arcaico como este não é fácil e ainda menos o é no formato de banda desenhada. Isto porque são muitas as personagens, e consequentemente os respetivos nomes próprios, bem como as histórias paralelas aqui presentes. Muitas destas histórias paralelas, como as aventuras de Aquiles ou a célebre lenda do cavalo de Troia até já pertencem à cultura popular. Mas ligar todos estes elementos, mais ou menos conhecidos, já não será tarefa tão fácil.

Felizmente, a opção dos autores Luc Ferry, Clotilde Bruneau e Pierre Taranzano foi a de optar por um álbum triplo de forma a não deixar elementos importantes da história principal de fora. Isso até poderá ter sido alcançado, reconheço, mas muitas vezes sente-se que o argumento está apenas a "picar o ponto", não havendo depois um encadeamento verdadeiramente coeso em termos de enredo. Claro que o cariz didático da obra - e de a tornar mais simples para os jovens - também é algo comum a este trabalho, bem como, já agora, a toda esta coleção da Sabedoria dos Mitos. Com isso em vista, podemos, portanto, considerar que este Ilíada faz um trabalho eficaz.

Os desenhos de Pierre Taranzano são bastante modernos e bem executados. Com um espírito que parece aliar o desenho europeu a certos elementos presentes nos comics americanos, diria que as ilustrações que nos são dadas por Taranzano, sem deslumbrarem, cumprem perfeitamente os seus intentos. As cenas de guerra são ilustradas com boa dinâmica, as personagens são apelativas e as opções de planificação das pranchas também são quase sempre bem utilizadas. 

Como ponto menos positivo, diria que algumas das personagens são algo confundíveis entre si. De certa forma, compreendo que, sendo tantas as personagens, deva ser complexo para o desenhador diferenciá-las. Diria que para resolver esta fraqueza, teria sido bem pensado se os autores tivessem incluído, no princípio ou fim do livro, duas páginas com os nomes e as caras das personagens.

Mesmo assim, não é nos desenhos que esta minissérie desilude. Bem, na verdade, a obra não desilude propriamente em nenhum parâmetro. Simplesmente também não deslumbra. Cumpre com eficácia os seus pressupostos, vá. Olhando para esta obra como uma forma de simplificar ou dar a conhecer uma obra como Ilíada, diria que é uma aposta que faz sentido.

A edição dos livros apresenta capa dura brilhante, com bom papel brilhante no miolo e uma boa encadernação e impressão. Cada um dos livros inclui um dossier de extras de 8 páginas o que, tudo somado pelos três livros, dá um total de 24 páginas de extras. O que é informação que chega e sobra para que melhor possamos perceber esta obra incrível e densa que é Ilíada.

Ainda falando sobre a edição, e mesmo que eu considere que teria sido preferível - pelo menos para o leitor - que a Gradiva tivesse lançado esta obra num integral triplo, também reconheço que o facto da editora portuguesa ter conseguido lançar três volumes em menos de seis meses, merece uma palavra de louvor.

Em suma, esta adaptação para banda desenhada de Ilíada, uma das obras mais influentes da literatura mundial, tem o principal feito de conseguir dar um vislumbre sobre esta densa e complexa obra, de forma acessível, aos mais jovens e interessados sobre o tema E, mesmo que não o faça de forma magnífica, consegue cumprir este intento primordial.

NOTA FINAL (1/10):

7.0

Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020

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Fichas  técnicas

Ilíada Vol. 1 (de 3) - O Pomo de Discórdia

Autores: Luc Ferry, Clotilde Bruneau e Pierre Taranzano

Editora: Gradiva

Páginas: 64, a cores

Encadernação: Capa dura

Formato: 23,00 x 31,30

Lançamento: Janeiro de 2024

Ilíada Vol. 2 (de 3) - A Guerra dos Deuses

Autores: Luc Ferry, Clotilde Bruneau e Pierre Taranzano

Editora: Gradiva

Páginas: 64, a cores

Encadernação: Capa dura

Formato: 23,00 x 31,30

Lançamento: Março de 2024

Ilíada Vol. 3 (de 3) - A Queda de Troia

Autores: Luc Ferry, Clotilde Bruneau e Pierre Taranzano

Editora: Gradiva

Páginas: 64, a cores

Encadernação: Capa dura

Formato: 23,00 x 31,30

Lançamento: Junho de 2024