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segunda-feira, 6 de abril de 2020

Análise: Filhos do Rato, de Luís Zhang e Fábio Veras



Filhos do Rato, de Luís Zhang e Fábio Veras

Nos últimos anos têm sido vários os álbuns de banda desenhada portuguesa que nos levam a cenários africanos. Congo, dos irmãos Duarte e Henrique Gandum, leva-nos às selvas luxuriantes do Congo que são habitadas por criaturas pré-históricas, enquanto que Vampiros, de Filipe Melo e Juan Cavia, nos levam até à Guiné, ao tempo da Guerra Colonial. À semelhança deste último, os Filhos do Rato, de Luís Zhang e Fábio Veras, remete-nos igualmente para a Guiné, para o período do agressivo conflito militar entre portugueses e forças guineenses que lutavam pela sua independência.

Considero natural e positivo que os autores portugueses de banda desenhada escolham como pano de fundo, os cenários africanos devido à presença - e influência - que Portugal teve nas suas antigas colónias e a todos os condicionalismos culturais que daí advieram. Não só para as colónias que eram controladas por Portugal, como também para a própria cultura portuguesa. Fazendo uma pequena nota pessoal, o meu pai serviu na Guiné durante este período conturbado e tenho, logicamente, uma ligação – pelo menos emotiva – a este tempo e a este lugar. Mais que não seja, pelas histórias que o meu pai sempre me contou. Por esse motivo, é ainda com mais prazer que vejo a guerra colonial em Guiné a ser retratada em vez do conflito em Angola ou Moçambique. Nada contra um potencial livro que foque os acontecimentos nesses dois países pois, como é bem sabido, qualquer um dos três cenários foi de uma extrema relevância, não só para Portugal, mas também – e principalmente – para os países africanos em questão. Mas a verdade é que sempre que se fala na Guerra Colonial, depressa se fala sobre Angola, muitas vezes descurando Guiné e Moçambique. O meu pai sempre me passou muitas informações sobre o que, de facto, se passou na Guiné durante este tempo. Dizia ele, que nem sempre os media portugueses davam a devida e real cobertura aos acontecimentos que tinham ocorrido nestes anos nefastos de conflito militar. É que, de facto, foi na Guiné que a guerra do Ultramar foi mais sangrenta e violenta.

Ora, ver um livro a retratar este tema é-me sempre bem-vindo. E este Filhos do Rato, de Luís Zhang e Fábio Veras, revela-se um livro interessante e pertinente, que merece ser aplaudido, pela iniciativa. Editado pela G.Floy e pela Comic Heart no início de 2019, esta é uma obra que vale a pena conhecer.

A sua história leva-nos até à Guiné, ao ano de 1973, já bem perto da aurora do 25 de Abril, e vai-nos mostrando episódios que antecederam a Revolução dos Cravos e episódios que já aconteceram depois do fim da guerra, com as claras repercussões do conflito militar, especialmente – mas não só – ao nível do foro psicológico.

O protagonista é Baldé, um soldado guineense que luta ao lado das forças militares portuguesas. Mas, não era caso único. No final deste livro, há uma página que oferece aos leitores um breve contexto histórico (e que é muito bem-vindo, diga-se), que explica bem como existiram cerca de 27.000 soldados guineenses como Baldé. Estes soldados estavam numa situação muito delicada porque eram considerados traidores pelos seus compatriotas e, também junto do exérctio português, eram muitas vezes mal aceites e colocados de parte – embora Filhos do Rato até nos mostre que Baldé é respeitado e, pelo menos, ouvido, por alguns dos seus companheiros de armas portugueses.

Para além desses episódios do dia a dia das tropas portuguesas e de Baldé, há depois uma vertente mais de terror de psicológico, marcada de momentos simbólicos, que nos parece revelar os traumas que subsistem na cabeça dos soldados, já depois da guerra terminar. E embora estes momentos sejam graficamente interessantes, parecem ficar algo perdidos na narrativa. Acabam por ser momentos algo latos que talvez merecessem ter sido mais bem delineados em termos de argumento. Parece que o fio condutor da história podia ser mais claro e fluído.
No entanto, também se deve referir que algum texto que nos é dado por Luís Zhang, tem um cariz profundo e até poético, por vezes, que merece ser reconhecido.
Mas é na narrativa algo retalhada, que a história por vezes podia ter sido mais bem delineada.

Fábio Veras que tem dado nas vistas nos últimos dois anos, por vencer vários prémios de banda desenhada em Portugal e depois do seu interessante trabalho em Jardim dos Espectros, assume-se aqui como uma verdadeira promessa da banda desenhada portuguesa. O seu estilo parece ainda não estar muito definido o que, se por um lado pode relevar alguma inconsistência ao longo deste livro, também é verdade que permite abrir o leque de todas as suas capacidades enquanto ilustrador. Parece um daqueles jogadores de futebol que, sendo muito jovem e já revelando talento, é uma promessa para muita gente. Ainda não chegou aonde pode chegar, mas tem um enorme potencial para lá chegar. Assim é Fábio Veras. Em Filhos do Rato, o seu estilo é pois bastante diverso, com várias vinhetas a serem verdadeiramente impressionantes mas com outras a parecerem ter sido rabiscadas em 3 minutos. Nada contra as vinhetas que parecem ser feitas mais à pressa e com menos detalhe. Até pode ser esse o estilo de determinado autor. Mas quando isso é feito amiúde, em alternância a outras ilustrações com mais detalhe e mais bem produzidas, gera-se uma certa incoerência indesejada. Simplesmente, enquanto leitor, isso tira-me alguma da imersão que seria expectável numa narrativa como esta. Mas também é verdade que, Fábio Veras nos dá outras vinhetas super estilizadas, com uma arte profunda. O livro é quase sempre a preto e branco mas também existem páginas com cores vivas para demarcar certos acontecimentos na ação.

Fora a diversidade ilustrativa, o estilo de Fábio é bastante “sujo”, com as páginas cheias de pormenores rabiscados. Isto torna as páginas algo pesadas de acompanhar, pois há muita informação negativa que cria alguma entropia para o leitor. Importa, no entanto, referir que a planificação das páginas é um dos trunfos deste livro. Temos muita dinâmica, com tantas páginas a serem projetadas com vinhetas de todas as formas e feitios. Isso é bem-vindo em Filhos do Rato. Nas cenas de ação, porém, nem sempre tudo é perceptível. Por vezes o leitor tem dificuldade em perceber o que se está a passar, quem está a fazer o quê a quem. Isso advém do tal traço sujo, de ilustração algo difusa que, naturalmente, torna a leitura difusa.

Este é um livro interessante, que revela um bom esforço. No final, parece que podia ter ido mais longe, especialmente em termos narrativos, e que a arte de Fábio Veras, embora muito promissora, nem sempre consegue obter a unidade que se pretende. Não obstante, é um livro que merece ser conhecido pelos leitores portugueses de banda desenhada.

Fica a curiosidade no ar, pelos próximos trabalhos que esta dupla criativa poderá produzir.


NOTA FINAL (1/10):
6.8


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Ficha Técnica
Filhos do Rato
Autores: Luís Zhang e Fábio Veras
Editora: G. Floy e Comic Heart
Páginas: 88, a cores
Encadernação: Capa Dura

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