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quinta-feira, 2 de julho de 2020

Análise: Astérix - A Filha de Vercingétorix



Astérix - A Filha de Vercingétorix, de Jean-Yves Ferri e Didier Conrad

Por vezes, os preconceitos (ou "pré-conceitos", como gosto de dividir a palavra, para retirar o estigma associado à mesma) são altos em relação a algo que já não é como o original. Ou, melhor dizendo, que já não é feito pelos autores originais.

Este mais recente volume de Astérix, entitulado A Filha de Vercingétorix, é o quarto álbum elaborado pela dupla Jean-Yves Ferri e Didier Conrad. E, diga-se em abono da verdade, depois de feita a leitura atenta a esta obra, parece-me que mesmo não sendo um livro elaborado pelos autores originais René Goscinny e Albert Uderzo, a influência destes últimos e as características que tornaram Astérix como uma das mais bem sucedidas franquias da banda desenhada franco-belga de sempre, estão aqui bem presentes. E de forma muito consistente.

A Filha de Vercingétorix, conta-nos a história de Adrenalina, uma adolescente que acaba de chegar à aldeia dos nossos heróis. Ela é procurada pelos romanos pelo facto de ser filha de Vercingétorix, o grande chefe gaulês outrora derrotado em Alésia. César quer romanizar Adrenalina e retirar-lhe o torque – um colar honorífico – que herdou do seu pai e que, segundo o Imperador, pode simbolizar a resistência dos povos em relação ao poderio dos Romanos. Por esse motivo, é escoltada por dois chefes da região de Averne, que pedem a Matasétix que acolha Adrenalina e lhe dê guarida. Ora, escusado será dizer, que serão Astérix e Obélix que ficarão com essa árdua tarefa de tomar conta de uma adolescente rebelde.

A história é quase sempre passada na Aldeia dos Irredutíveis, portanto este não é um daqueles típicos álbuns em que a dupla de heróis viaja para algum sítio. E, a meu ver, acaba por ser uma escolha bem conseguida, pois permite que toda a história se concentre mais nas personagens e nos seus dilemas, do que propriamente nas piadas associadas às diferentes regiões para onde Astérix e Obélix costumam viajar noutros álbuns. 

Assim, a história assenta muito na exploração dos estereótipos das personagens adolescentes e como as mesmas querem traçar o seu próprio caminho, em detrimento daquilo que os seus pais – ou o seu povo – congeminaram para si. Um exemplo disso, é a postura que, quer o filho do Peixeiro, quer o filho do Ferreiro, assumem nesta história. E claro, isso traz-nos várias situações divertidas.

Devo dizer que os textos de Jean-Yves Ferri estão carregados de divertidos trocadilhos e de alusões à sociedade atual, tal como os textos de Goscinny sempre estiveram. Neste A Filha de Vercingétorix, isso fica bem patente na forma como as situações e comportamentos típicos da adolescência são explorados. A história nunca se torna chata, também. Há um bom doseamento de gags humorísticos e do seguimento da própria trama montada pelos autores.

E se Ferri não desilude nos textos, o que dizer dos desenhos de Conrad? Sinceramente, acho que o próprio Uderzo não conseguiria dizer se estes desenhos seriam feitos por si ou por Conrad, tamanha é a fidelidade que as ilustrações dos gauleses e cenários apresentam. E também na própria planificação das pranchas ou na linguagem corporal das personagens, há um total respeito e influência pelo trabalho de Uderzo. Isto não é uma homenagem à obra como o é, por exemplo, Uma Aventura de Blake e Mortimer - O Último Faraó. Não, isto é um Astérix a sério. Creio que mesmo o leitor mais purista em relação a Astérix, terá que admitir que a arte ilustrativa deste álbum está perfeita. 

Destaque para o facto da ASA ter lançado este livro na mesma altura do lançamento mundial. Este cuidado da editora é sempre assinalável e digno de uma nota positiva. Também positiva é a tradução, bastante adaptada à realidade portuguesa – com a introdução do tema Fala-me de Amor, da banda portuguesa Santos e Pecadores, entre vários exemplos. Talvez alguns considerem que, por vezes, a tradução foi demasiado livre. Mas creio que isso – e tendo em conta que é um livro juvenil de tom cómico, funcionou bem. 

Confesso que a única coisa que não considerei tão bem conseguida são os diálogos dos dois chefes da região de Averne que confiam Adrenalina a Matasétix. Nestes diálogos, tentando simular uma prenúncia bem profunda, neste caso, do norte interior de Portugal, as palavras são alteradas e escritas de forma demasiado abrupta. Por exemplo, num diálogo escolhido aleatoriamente é dito: "Vamoje até à Cochta, juntar-noje aoje nochoje. Em breve echtaremoje de regrecho com um navio… oje portoje echtão infechatadoje de romanoje. Entretanto, aqui ela echtará em chegurancha". Se lermos com algum cuidado, percebemos tudo o que é dito, claro. Mas parece-me que a piada do sotaque saloio poderia ter sido garantida sem um exagero tão grande na alteração gráfica do texto. Bem sei que isso foi ao encontro da edição original - que também o faz - mas creio que, às tantas, torna-se um diálogo mais difícil de acompanhar e em que a piada inicial dá lugar a algum tédio e cansaço no leitor. Ainda para mais, se tivermos em conta que este é um livro juvenil, estou certo que as crianças terão mais dificuldade em acompanharem estes diálogos do que os adultos. Não é algo que estrague o livro e, relembro, até é uma coisa a que Astérix, feito pela dupla original de criadores, nos habituou. Mas, simplesmente, poderia ter sido feito de forma mais ligeira.

No final, este é um livro totalmente aconselhável para fãs da série e para qualquer criança ou jovem que se está a iniciar nas leituras de banda desenhada. Sei que (ainda) há muitos leitores puristas que dizem que Astérix feito por Ferri e Conrad não é bem a mesma coisa que feito por Goscinny e Uderzo. Provavelmente não será. Mas mesmo que não o seja, a verdade é que não anda longe disso. Com um desenho irrepreensível e uma história que é interessante e divertida como sempre, este é mais um bom livro de Astérix e companhia.


NOTA FINAL: (1/10):
8.0


Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020


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Ficha técnica
Astérix: A filha de Vercingétorix
Autores: Jean-Yves Ferri e Didier Conrad
Editora: ASA
Páginas: 48, a cores
Encadernação: Capa dura

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