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quinta-feira, 10 de setembro de 2020

Análise: Os Meus Heróis Foram Sempre Drogados




Os Meus Heróis Foram Sempre Drogados, de Ed Brubaker e Sean Phillips

Se há livros que abrem bem, com uma cena inicial que faça pensar… este é um deles. O diálogo – ou deverei dizer monólogo? – de três páginas, que abre este Os Meus Heróis Foram Sempre Drogados não poderia ser melhor. Apresenta-nos em poucas páginas, e de forma muito transparente, que estamos perante uma personagem complexa, neurótica e, possivelmente, muito empática para muitos leitores.

Escrita por Ed Brubaker e desenhada por Sean Phillips, Os Meus Heróis Foram Sempre Drogados é uma novela gráfica ambientada no universo da série Criminal, série maior dos autores que também assinam as séries The Fade Out e Fatale. Tal como em todas essas séries, a editora que publica esta obra, que venceu o prémio Eisner para Melhor Novela Gráfica 2019, é a G. Floy.


É uma obra stand-alone, auto-conclusiva, cujas personagens, verossivelmente falíveis, nos podem fazer lembrar a série Criminal mas que, a meu ver, pouco mais têm em comum. Ao contrario de Criminal, aqui não existe propriamente aquele tom sombrio e negro, embebido numa teia criminosa de mafiosos e prostitutas, que deambulam num teatro urbano de sujidade e luzes de neon garridas. 

Aqui, estamos perante uma história down to earth, pautada por um ritmo lento, com diálogos grandes e com pouca ação. 

A narrativa é contada na primeira pessoa por Ellie, a protagonista, que sempre teve uma visão romanceada dos toxicodependentes, nomeadamente dos artistas que eram viciados em drogas e que cujas produções artísticas foram, inclusive, influenciadas pelo uso de estupefacientes. Também a mãe de Ellie foi vítima de uma overdose. Eventualmente, a protagonista acaba numa clínica de reabilitação onde conhece Skip.

Ed Brubaker alimenta a história – e os monólogos de Ellie – com base nas constantes referências a importantes artistas que foram viciados em drogas. Se isso é uma boa "bengala" narrativa, parece-me que, por vezes, mais não é do que, após extensa análise e consulta de tantos artistas drogados, um mero enquadramento da força que faz mover as aspirações e teorias de Ellie. 


Ellie tem uma visão positiva das drogas porque, segundo ela, foram as mesmas que ajudaram os melhores artistas a produzirem os seus melhores trabalhos como, por exemplo, Billie Holiday, David Bowie, Lou Reed ou Brian Wilson, dos The Beach Boys, entre muitos outros. Ellie, não parece propriamente querer livrar-se das drogas, como é costume em personagens toxicodependentes, mas antes, sente uma certa beleza e paixão pelos efeitos que as drogas geram nas pessoas. 

De assinalar que este Os Meus Heróis Foram Sempre Drogados é um livro que tem um cariz autobiográfico pois, como Brubaker admite, a sua mãe era toxicodependente e ele, durante a sua infância, viu-se arrastado para um universo onde as drogas proliferavam. Talvez por isso - arrisco! – Brubaker tenha criado em Ellie uma "advogada do diabo", alguém que pretende justificar e fazer com que se torne admirável, a utilização de drogas.

E é quando a história nos leva ao passado de Ellie, com as ilustrações a assumirem um bonito preto e branco, em contraste com as cores claras do tempo presente, que conseguimos perceber o que levou a nossa protagonista a entrar no mundo das drogas e como as situações que experenciou moldaram a sua visão. Penso que esta deveria ter sido a vertente a ser mais explorada na história. Mas, infelizmente, o destaque da narrativa é o relacionamento que Ellie começa a criar com Skip. Skip é um rapaz que também se encontra na clínica de reabilitação mas que, ao contrário da protagonista, só quer ficar verdadeiramente "limpo" das drogas. Mas Ellie acaba por desencaminhá-lo e juntos fogem do centro de reabilitação. Ao início, parece que Ellie o faz apenas por diversão mas, eventualmente, começa a apaixonar-se por Skip. Pelo menos, é a isso que o leitor é levado a acreditar.


Eu sou um um confesso admirador de histórias grande em dimensão (leia-se páginas) mas, neste caso, e mesmo relembrando que esta história apenas tem 72 páginas, parece-me que, por vezes, a história até podia não ser tão grande porque Brubaker aparece menos inspirado em alguns diálogos, arrastando algumas conversas, que não são assim muito importantes ou interessantes para a história, e criando no leitor uma certa sensação de vazio. Um livro que sendo agradável de ler, parece que, passados uns tempos, facilmente cairá no nosso esquecimento. E isso será, por ventura, o que de menos positivo posso apontar ao livro.

Mas, felizmente, há uma alteração no final da obra, que a salva de se perder, e que lhe dá uma grande mais-valia de leitura. É o chamado plot twist que – por muito que estivéssemos à espera que algo estranho pudesse acontecer – consegue, ainda assim, surpreender o leitor. Penso que isso faz do livro uma narrativa muito interessante e, quiçá, relembra-nos que, afinal de contas, e mesmo tendo em conta as diferenças já enumeradas acima, esta (ainda) é uma história que acontece no ambiente de Criminal. Não fora isso, e este seria um livro bem mais trivial e medíocre.

No final, a sensação de desolação das personagens deixa-nos com um certo travo de impotência e tristeza por, no fim, o negativo das vidas das pessoas, arrastá-las para uma vida negativa. Mas esta sensação é, toda ela, muito característica dos livros de Brubaker.


E, verdade seja dita, depois de somado esse bem conseguido plot-twist, Os Meus Heróis Foram Sempre Drogados é uma história interessante, algo diferente daquilo a que os dois autores já habituaram os leitores, e com uma arte – especialmente as cores – bem refrescante e agradável para os olhos.

Em termos de arte, convém relembrar, Sean Phillips surpreende pela positiva. Mesmo não sendo uma arte tão magnífica como a de The Fade Out, Os Meus Heróis Foram Sempre Drogados, apresenta uma ilustração de traço sólido, muito bem colorida, com as cores – que são asseguradas por Jacob Phillips - a parecerem aguarelas, que várias vezes ultrapassam os contornos dos desenhos, e que, no final, dão um toque muito artístico e bonito ao olhar. Destaque para as cores, muito claras, com tons de lilás e muito cor de rosa a abundarem ao longo do livro. O resultado é uma luz bastante mais clara – que, naturalmente, muito difere dos tons sombrios de Criminal – que encaixa muito bem na obra. 

A edição da G. Floy é em capa dura, com um papel grosso e baço que se torna ideal para o tipo de arte aqui presente. Nada a apontar nesse cômputo.


NOTA FINAL (1/10):
8.3


Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020


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Ficha técnica
Os Meus Heróis Foram Sempre Drogados
Autores: Ed Brubaker e Sean Phillips
Editora: G. Floy
Páginas: 72, a cores
Encadernação: Capa dura
Lançamento: Julho de 2019

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