sexta-feira, 8 de maio de 2020

Análise: Criminal: Livro Três



Criminal: Livro Três, de Ed Brubaker e Sean Phillips

Criminal tem tido um ritmo de publicação impressionante por parte da editora G.Floy. Especialmente se tivermos em conta que o primeiro dos três livros publicados, foi lançado em Abril de 2019. Agora que a editora lançou o terceiro volume para o mercado português são, no total, quase 800(!) páginas de Criminal, publicadas em português de Portugal, no espaço de um ano! Se isto não é impressionante do ponto de vista editorial, não sei que adjetivo posso utilizar.

Não quero repetir muito as minhas observações sobre esta fantástica série, obra maior de Ed Brubaker e Sean Phillips. Já disse, na minha análise a Criminal: Livro Dois, que esta série “está para a banda desenhada como, para o cinema, estão os filmes O Padrinho, de Francis Ford Coppola, Era uma Vez na América, de Sergio Leone ou Tudo Bons Rapazes, de Martin Scorsese. Crimes sangrentos habitam esta narrativa adulta e intensa, com uma forte trama construída em torno das personagens, todas elas a um passo da destruição. Esta série criminal que, legitimamente também se chama Criminal, tem todos os ingredientes obrigatórios (sexo, drogas, álcool, crimes, corrupção), com a dosagem certa, que um amante de histórias de gangsters, adora.” 
E também no meu top das 10 melhores leituras feitas em 2019, Criminal Livro Um apareceu nessa lista, o que revela que a qualidade é uma constante ao longo de toda a série.

Portanto, a boa constução de texto e das histórias são uma garantia e já não preciso de repetir que esta é uma das séries mais interessantes da atualidade. O ambiente é noir, as histórias são negras, sangrentas, pesadas e adultas e muito bem engendradas pela dupla de autores. 

Aquilo que Criminal nos oferece são mais “abordagens” do que histórias. Ou seja, pontos de vista de algumas personagens. E é por isso que muitas vezes regressamos às mesmas personagens para uma nova abordagem, um novo ponto de vista. Muitas das personagens já são para nós bem conhecidas mas, perante uma nova situação, teremos mais a descobrir sobre estes seres errantes que habitam este mundo pecaminoso. E isso é tão recompensador do ponto de vista da leitura! O simples facto das personagens não serem unidimensionais (apenas separadas entre o bem e o mal) aproxima-as da nossa realidade. Porque, de facto, nós não somos apenas "boas" ou "más" pessoas. Por vezes, somos boas pessoas e noutras ocasiões somos más pessoas. Tal como acontece em Criminal.

Será então Criminal: Livro Três “mais do mesmo”?

Bem... sim e não. É “mais do mesmo” porque nos oferece tudo aquilo que adoramos na série. Mas, por outro lado, este Livro Três arrisca um pouco mais, nadando mais para fora de pé. E é exímio e audaz na forma como o faz.

E portanto, sim, aqueles que já são fãs de Criminal não ficarão desiludidos com este novo livro e terão na primeira história, Os Pecadores, “mais do mesmo”, no melhor sentido da expressão.

Por outro lado, não é apenas "mais do mesmo" porque, na minha opinião, este é o melhor livro da série, até agora. E isso deve-se apenas e só a uma razão: a segunda história do livro, entitulada O Último dos Inocentes. O que Ed Brubaker faz com esta história é, a meu ver, uma masterclass de como construir um bom argumento. Verdadeiramente sólido e perfeito na composição, no jogo temporal dos acontecimentos da história, na originalidade e no interesse que desperta no leitor. Se ainda ninguém em Hollywood comprou os direitos para esta história... é porque anda muito distraído. Daria um magnífico filme. Talvez até, com argumento adaptado vencedor de oscar, se fosse suficientemente fiel ao original. 

Aproveito até este apontamento para dar uma pequena nota pessoal. Nas minhas tertúlias sobre banda desenhada (e cinema ou literatura) com amigos e conhecidos com quem partilho estas paixões, muitas vezes, acabo por concluir que a maioria das pessoas parece ficar entusiasmada por obras cuja criatividade do autor é totalmente desgarrada, livre e que varia de forma abrupta. Eu, não sou desses. Para mim a genialidade de uma história, não é atirar para um tacho todos os ingredientes que nos vierem à cabeça mas sim, conseguindo ser original e criativo, "sair da caixa", mantendo unidade e não cometendo o erro fácil de “chutar para todos os lados” narrativos. 

Por outras palavras, e sabendo que vou dizer algo que pode fazer alguns leitores que seguem o Vinheta 2020 abanar a sua cabeça com alguma desilusão, considero que autores como, por exemplo, Neil Gaiman ou mesmo Alejandro Jodorowsky, que são vencedores de inúmeros prémios de banda desenhada (e mesmo literatura) e considerados como Mestres das Histórias por milhares (ou milhões) de fãs em todo o mundo, recorrem, muitas vezes, a esta opção criativa que é: “tudo é válido e portanto... seja qual for a ideia que eu tiver, vou usá-la”. Muitos consideram: “Uau! Brutal Que génio!”. Eu considero uma confusão narrativa, um guisado desestruturado e, portanto, sem a magnificiencia que muitos lhes conferem. Não me interpretem mal, não quero desvalorizar estes dois nomes enormes da banda desenhada mundial – poderia falar de outros mas lembrei-me destes dois enquanto escrevia – pois considero que merecem o melhor dos respeitos e já fizeram grandes feitos. Escrevem bem e têm obras importantíssimas e originais. Mas, o que quero dizer é que, para mim, pelo menos, não vale tudo e as obras dos autores mencionados pecam em excesso. Como diria Robert De Niro sobre a arte de bem representar: "less is more". 

Essa parte de enfiar tudo numa história é fácil. Posso construir uma história que começa com um miúdo a comer um queque de chocolate que faz com que uma miúda se aproxime dele e comece a meter conversa, até que falem de questões políticas inerentes à Guerra Fria e, com base nisso, queiram, vingativamente, fazer um assalto à mão armada a um banco, que fica na mesma rua onde o miúdo costumava comprar gomas, nas tardes que antecediam o natal, em que o seu pai - agora um homossexual a viver com um ex-colega de trabalho - costumava dar-lhe dinheiro, a troco de pequenos recados que o filho fazia. O tal ex-colega de trabalho do pai, por sua vez, foi vítima de maus tratos pelo seu tio materno, que entretanto se focou em questões ambientais no centro da Tanzânia, onde seres alienígenas se disfarçam de caçadores de bisontes para, verdadeiramente, acederem a um cristal mágico, enterrado numa das minas do país onde, reza a lenda, vários lobisomens foram enterrados vivos, por regimentos secretos das tropas de Hitler. Estão a ver o que quero dizer? Exagerei claramente(?) mas o que pretendo explicar é que, para mim, não vale tudo quando se escreve uma história. Escrevi isto a seco, sem pensar muito. Foi fácil porque escrevi o que me vinha à cabeça. Mas isto não faz – pelo menos para mim – com que seja um bom argumento ou uma ideia super criativa. Ao invés, é um guisado de ideias soltas. É mais difícil ser-se criativo, sair da caixa, mantendo o mesmo tom, a mesma coerência, o mesmo estilo, do que chutar em todas as direções do ponto de vista narrativo. 

E é exatamente isso que Ed Brubaker não faz nesta segunda história de Criminal Livro Três. Há coerência com o universo Criminal, continua a narração do protagonista, continua a ser uma história negra, habitada por personagens negativas, corruptas e corruptíveis... mas são-no de uma forma completamente diferente das outras histórias da série, até agora publicadas em Portugal. E é por isso que o meu chapéu tem de ser retirado a Ed Brubaker. Penso que já ninguém tem dúvidas da sua qualidade enquanto criador de histórias mas com este O Último dos Inocentes, ele assume-se como um autor de primeira linha.

Dando agora algumas luzes sobre as duas histórias que nos são oferecidas em Criminal: Livro Três, em Os Pecadores, temos, como já referi, uma típica história de Criminal. Voltamos a encontrar Tracy Lawless que, desta vez, terá que investigar um conjunto de assassinatos com o objetivo de ganhar liberdade do seu patrão. Mas a história adensa-se e nem tudo é, como parece ser. Mais uma boa história dos autores. Em O Último dos Inocentes, já sobejamente aclamada nos parágrafos que escrevi acima, acompanhamos a história de Riley Richards, os seus dramas pessoais entre o ser-se bem sucedido e ter-se aquilo que realmente se precisa. A série de acontecimentos vividos pela personagem fez-me recordar a série Breaking Bad devido a toda a sua escalada de acontecimentos e tramóias por parte do protagonista. Magnífico!

Em termos de arte, repito o que já disse sobre Sean Phillips. Em Criminal ele faz aquilo que é necessário. Não é uma arte maravilhosa na minha opinião, mas é uma arte que cumpre, que casa bem com o género noir e que portanto, não desilude. Merece, no entanto, um destaque para a história O Último dos Inocentes por parecer ter um cuidado especial, quer nas cenas do tempo presente, quer nas cenas do passado, onde é utilizado um estilo completamente diferente, mais cartoonished e que, eleva ainda mais, a qualidade da história e do texto de Ed Brubaker.

Em resumo, este Criminal: Livro Três ainda consegue ser melhor que os dois livros anteriores que já eram fantásticos. Criminal é uma obra prima da banda desenhada que só mesmo o leitor desatento, (ainda) não adquiriu.


NOTA FINAL (1/10):
9.2

Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020 


Ficha técnica
Criminal: Livro Três
Autores: Ed Brubaker e Sean Phillips
Editora: G. Floy
Páginas: 264, a cores
Encadernação: Capa Dura

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