sexta-feira, 29 de maio de 2020

Análise: Kong The King



Kong The King, de Osvaldo Medina

Por vezes, as melhores coisas acabam esquecidas ou não alcançam o sucesso e admiração merecidos, não é? Bem, é o caso deste Kong The King. Se não é o melhor livro de banda desenhada portuguesa de sempre, certamente não anda muito longe disso.

Os leitores de banda desenhada atentos, já conhecerão seguramente o trabalho de Osvaldo Medina. Trabalhou na (também fantástica) Fórmula da Felicidade, com Nuno Duarte; Mucha com David Soares; Hawk, com André Oliveira; ou Super Pig: Roleta Nipónica, com Mário Freitas. Contudo, é com este Kong The King, que Osvaldo Medina se estreia como autor completo. E que estreia esta!

Kong The King é uma homenagem ao clássico de cinema King Kong mas, mais que isso, é uma reinterpretação da história, que nos remete a novos significados, mais profundos, e a uma nova abordagem mais realista. A proeza de Osvaldo Medina assenta na sua capacidade para contar a história, de forma inequívoca, em 144 páginas, sem recorrer a uma única palavra! Tal como nos filmes mudos dos primórdios do cinema. E é fantástico como isto é alcançado. Lembro-me de, quando estava numa loja, com o livro nas mãos, ter torcido o nariz e de achar: “Humm... sem uma única palavra? Isto é perigoso do ponto de vista narrativo e pode correr mal”. Ora, não poderia estar mais enganado.

Este é um portento da arte sequencial e oferece-nos uma narrativa acessível, que é totalmente compreendida por parte do leitor. E não pensem que tal se deve a isto ser uma história de King Kong, que já quase toda a gente conhece. Se a obra é acessível, é porque a maneira como o autor narra a história, quer na planificação das páginas, quer na expressividade que oferece às personagens, é exímia. 

A história aqui tratada tem pontos em comum com a original, mas com uma abordagem bem diferente. Não é um remake mas sim, uma reinterpretação.

E de facto, o protagonista desta obra de Osvaldo Medina, nem sequer é um gorila. Trata-se de um enorme indígena que é encontrado numa ilha deserta por uma equipa de rodagem de um filme, que consegue convencer Kong a viajar de livre vontade para a Grande Cidade. Como a personagem tem proporções físicas enormes, é rapidamente (sobre)explorada por aqueles que a rodeiam para – através dela – ganharem muita fama e fortuna. Kong passa a ser uma estrela de cinema e a protagonizar inúmeras campanhas publicitárias e mediáticas. Mas, eventualmente, isso leva-o a um estado de exaustão, e a um despero emocional e solitário, por sentir falta da ilha onde sempre viveu. 

Até agora já temos uma história bem construída e bem narrada, e uma homenagem a um clássico do cinema. O que falta ainda? Uma arte soberba. E é isso que temos. Osvaldo Medina é dos meus ilustradores preferidos em Portugal. Tem um traço muito próprio, cheio de personalidade, mas que, ao mesmo tempo, é tão cativante e familiar, que acaba por parecer que sempre o conhecemos. Por vezes acontece-me ouvir uma música nova e pensar: “Esta música é tão boa que nem parece nova. Parece que existe desde sempre ou que eu já a ouvi numa vida passada”. Pois bem, em relação ao desenho de Osvaldo Medina, tenho exatamente a mesma sensação. A sua arte visual parece congregar originalidade e carácter próprio, mas de uma forma que me é familiar. Como se parecesse tirar inspirações de inúmeras artes que marcaram o género da banda desenhada mundial. Este é portanto um livro magnificamente ilustrado.

O trabalho de cor também está muito bem conseguido. É a preto e branco mas com pinceladas em aguarela de tons cinzentos a sépia, que dão à arte um aspeto bonito e suave. Osvaldo Medina é um ilustrador completo e absorver a sua arte é extremamente agradável.

Por fim, não é só Osvaldo Medina que merece as minhas vénias neste Kong the King. A editora Kingpin, na pessoa do Mário Freitas, também as merece. A edição é de luxo. A capa é duríssima e o papel tem uma espessura muito generosa, com cores baças, que são uma maravilha para o toque e para a visão. Do ponto de vista da própria conceção do design do livro - que é uma coisa que poucas vezes menciono aqui no Vinheta 2020 mas que, dado o meu background profissional, nunca me escapa ao olho – merece ser dado destaque e aprovação. Organização dos elementos, concepção da lombada e capas, a própria colocação dos créditos... tudo é pensado ao pormenor nesta obra. E, no final, o livro é bonito de uma ponta à outra. Quer como objeto físico, quer como arte narrativa e ilustrativa, ou como homenagem ao clássico do cinema. 

Repito, pois, que este é um dos melhores livros de banda desenhada portuguesa de sempre. Se não foi o sucesso que deveria ser, algo correu mal. E o meu palpite é que o que correu mal foi o preconceito dos leitores. E contra mim falo. Como já disse acima, inicialmente eu até estava cético em relação a esta obra. Especialmente por ser uma obra muda. Mas em boa hora, comprei este livro soberbo que ocupa um lugar de destaque na minha estante. Obrigatório.

NOTA FINAL (1/10)
9.1

Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020

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Ficha técnica
Kong The King
Autor: Osvaldo Medina
Editora: Kingpin
Páginas: 144, a preto e branco
Encadernação: Capa dura
Lançamento: Outub

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