quinta-feira, 31 de agosto de 2023

5 Mangás adequados para quem (ainda) não lê mangá


O Mangá em Portugal e 5 obras do género indicadas para quem não tem o hábito de ler mangá



Se há modas e tendências a que é impossível fugir, a recente aposta no mangá por parte das editoras portuguesas, é um desses fenómenos.

Por cá, foi, durante muitos anos, a editora Devir a reinar sozinha no que à edição de mangá diz respeito, tendo sido, praticamente, a única editora portuguesa a lançar obras deste género, durante muito tempo. No entanto, e mesmo mantendo o trono de forma inequívoca para já, a Devir já não está sozinha na edição de mangá em Portugal.

Foram muitas as editoras que, ao longo dos últimos dois, três anos, foram entrando neste mercado. A Seita, a Gradiva, a ASA, a Levoir, a Presença, lançaram, em pouco tempo, um conjunto alargado de obras de mangá. A própria Sendai Editora, é uma jovem editora que se tem especializado no lançamento de obras de mangá.

Também é verdade que algumas das editoras têm apostado em séries que não são produzidas no Japão, mas sim em França ou na Coreia. Às obras de estilo mangá lançadas por autores destes países, costuma-se chamar “manfra” ou “manwha”. Seja como for, e nomenclaturas à parte, creio que a palavra “mangá” é boa para, pelo menos, permitir-nos averiguar qual é o estilo de ilustração – não obstante o facto de os próprios mangás apresentarem, por vezes, estilos de ilustração diferenciados, claro está.

Mas, se há muita gente que já está totalmente embrenhada na leitura de mangás, outros há que se mostram mais relutantes em conhecer obras deste género. Dizem que “mangá não presta”, que “mangá é para putos”, que “as histórias dos mangás são demasiado infatiloides”. Devo dizer que, não concordando necessariamente, até compreendo estes comentários. Claro que, em primeiro lugar, estes comentários surgem devido ao desconhecimento do género. Mas há algo mais: é que o universo do mangá é tão vasto e tão diverso que a dificuldade se coloca logo, nesse ponto: na escolha da obra certa para agradar a novos leitores.

Aliás, se tivermos em conta que existem inúmeras subcategorias de como classificar, por idade e género, as diversas obras, ficamos logo com uma visão muito clara de como o mangá pode ser gigante e, por conseguinte, dissuasor para new comers. Só para dar um lamiré da coisa, relembro que temos as seguintes subcategorias: kodomo (mangá destinado a crianças de tenra idade); shonen (mangá destinado a rapazes adolescentes), shoujo (mangá destinado a raparigas adolescentes), seinen (mangá destinado a homens jovens e adultos) e josei (mangá destinado a mulheres jovens e adultas). Só de escrever isto, a pessoa fica cansada.

Diga-se que, cada vez mais, considero as subdivisões por género obsoletas e redutoras. Isto porque é perfeitamente legítimo que uma mulher aprecie uma história de aventura e de fantasia, e que um homem aprecie um romance. Concedo que, tendencialmente, certos tipos de histórias possam apelar mais a um género concreto, mas ter uma subcategoria parece-me demasiado. Aliás, pergunto-me se as Brigadas WOKE que há por aí, já se insurgiram contra esta questão. Se não o fizeram, será uma questão de tempo.

Mas, adiante, a categoria de idade é que me parece mais relevante. Mais uma vez, sou o primeiro a não gostar muito deste tipo de nomenclaturas. Lá por uma pessoa ter 80 anos, não quer dizer que não possa apreciar um livro do Cebolinha. Ou do Tio Patinhas. Ou do One Piece. Ou do Dragon Ball. Mesmo assim, e especialmente no estilo mangá, a questão da idade parece-me deveras relevante. É que as séries que mais têm sido publicadas em Portugal pela Devir (Demon Slayer, Naruto, One Piece, My Hero Academia, Death Note, Spy X Family, entre muitas outras) são pertencentes ao chamado subgénero shonen, ou seja, são pensadas para um público jovem. Nada contra. Aliás, tenho tudo a favor em relação a uma aposta em banda desenhada que possa chegar às camadas mais jovens.

No entanto, no caso do mangá, parece-me que é esta a primeira causa para que o público nacional mais adulto e, portanto, mais habituado a leituras mais maduras – quer do franco-belga, quer dos comics americanos - tarde em apostar no mangá. Com efeito, a grande maioria do mangá que tem sido publicado em Portugal, destina-se a um público demasiado jovem. E, lá está, no caso do mangá para jovens, os temas das histórias que vou lendo, são mesmo histórias bastante superficiais e “para putos”, como às vezes oiço. Se é verdade que poderíamos dizer que também os comics americanos - ou mesmo algum do franco-belga clássico - apresentam histórias para jovens, também é verdade que, ainda assim, são obras que têm várias camadas de leitura que podem – e devem – ser lidas por jovens e adultos. Por exemplo, se um Astérix é um livro que apela a um público infantil, as suas camadas de interpretação permitem que a obra seja bem apreciada por um público maduro. O mesmo pode ser dito em relação a alguns livros de super-heróis, com os do Batman, por exemplo.

Mas, no caso do mangá, parece-me que as obras para jovens… são mesmo para jovens! Atenção! Volto a referir que não me faz espécie ou problema nenhum que uma pessoa adulta leia um livro como Naruto ou My Hero Academia. Era só o que faltava! Se lhe dá prazer, deverá fazê-lo e acabou a conversa. Mas estou apenas a dizer que é natural que a grande maioria do público maduro não tenha tanta “paciência” para esse tipo de histórias.

Felizmente, isso tem vindo a ser alterado. E, desde logo, pela própria Devir que, de forma espaçada, tem apostado em livros para um público mais maduro. Obras como a antologia de contos de terror, Best of Best, de Junji Ito, bem como Sunny, de Taiyo Matsumoto, ou os livros da coleção Tsuru (com obras de Jiro Taniguchi e Shigeru Mizuki) são exemplos de uma aposta em títulos mais adultos por parte da editora. Dentro dessa aposta mais madura, devo dizer que uma das séries mais esperadas por mim é Monster, de Naoki Urasawa, que a Devir já anunciou que vai editar. Aliás, por falar neste Monster, aqui há uns anos tive oportunidade de ler um dos seus volumes, em inglês, e, não só adorei, como me pareceu o mangá certo para introduzir leitores que não lêem mangá a este género. 

E sinto o mesmo em relação a Jiro Taniguchi. E, diga-se em abono da verdade, não foi só a Devir que publicou este autor. De facto, até foi a Levoir que lançou primeiramente o autor em Portugal, através da sua primeira coleção de novelas gráficas. Mais recentemente, a editora publicou D’Artagnan e os Três Mosqueteiros e, num futuro próximo, prepara-se para lançar a série Gotas de Deus. A Sendai Editora também parece ter uma aposta em mangá mais direcionada a um público mais maduro. O que é bom.

As outras editoras parecem estar a querer ter uma fatia do tal público jovem que (já) consome muita mangá. A Gradiva já lançou inúmeras séries como City Hall, Good Game, Versus Fighting, Team Phoenix ou Crueler Than Dead. A ASA tem publicado as séries Cagaster, Stray Dog e a sua aposta mais recente é Horion. A Presença, por sua vez, tem duas séries no seu catálogo que me parecem diferenciadas: Solo Leveling, por ser a cores, apela (ainda) mais aos amantes de anime. Já A Menina que veio do Outro Lado, a mais recente aposta da Presença, parece-me ser para um outro tipo de público. Mas, pelo menos até à data deste artigo, ainda não pude ler a obra, pelo que faço apenas menção à sua existência.

A Seita tem apostado em duas séries até agora: Kyo Kara Zombie e Butterfly Beast. Sendo que esta última, me deixou muito bem impressionado. A editora prepara também algumas novas obras, entre as quais se destacam o aclamado O Preço da Desonra, de Hiroshi Hirata.

De notar que esta editora, através da sua chancela Comic Heart, lançou recentemente a obra Quero Voar, da autora portuguesa Kachisou, onde o mangá é uma forte e clara influência. Dentro das autoras nacionais, destaco também os trabalhos de Patrícia Costa, com Crónicas de Enerelis, e de Joana Rosa, com The Mighty Gang.

De resto, o mangá está tão em voga que não me espanto se, em poucos dias ou semanas, este artigo ficar obsoleto por, entretanto, ter sido publicado mais um punhado de novos mangás.

É algo bom, parece-me, mas também acho que fará sentido que as editoras portuguesas que agora se arriscam neste mercado, ponderem bem as suas apostas. Até para que a bitola de qualidade das novas obras seja a mais tida em conta por parte das editoras, em detrimento se a série tem potencial comercial ou não. É que há coisas que vendem bem e são fracas… mas também há coisas que vendem bem e são boas.

Voltando-me de novo para o lado dos leitores, penso que o grande desafio agora, que há lançamentos de mangá em Portugal a torto e a direito, é encontrar mangá para um público mais adulto, que o possa iniciar no género e perceber o quão bom e maduro pode ser o mangá, mesmo para as pessoas que, normalmente, leem franco-belga ou comics.

Como tal, preparei uma breve lista de cinco obras que, a meu ver, são maduras, são boas e são perfeitas para se mergulhar no mangá. Se Monster ou O Preço da Desonra já tivessem sido lançadas, facilmente constariam na lista. Por agora, cinjo-me a algumas das minhas preferências em termos de mangás publicados em Portugal.

A lista pode ser encontrada, mais abaixo:

Coleção de Novelas Gráficas da Levoir e do Público regressa hoje!


É hoje! É hoje que a coleção de Novelas Gráficas da Levoir e do Jornal Público volta a ver a luz do dia, depois de um interregno de mais de dois anos!

E, por toda a relevância que esta coleção tem tido, não só por nos trazer banda desenhada de autores consagrados, mas, também, e mais importante, por ter sido crucial na angariação e formação de novos leitores portugueses de banda desenhada, hoje é um dia a assinalar na edição de banda desenhada em Portugal.

Já aqui falei desta sétima coleção, em primeira mão, mesmo quando muitos achavam que este regresso ainda era uma miragem ou um wishful thinking.

Agora, deixo-vos com as capas e calendário dos lançamentos, bem como com a nota de imprensa referente à coleção e ao primeiro livro que sai hoje, a primeira parte de Moby Dick, de Chabouté. Um livro maravilhoso e um peso pesado que abre esta coleção.

Cada um dos livros custará 13,90€ e sairá às quintas-feiras.

Eis o plano de lançamentos:



Moby Dick 1, de Christophe Chabouté - 31 de Agosto



Moby Dick 2
, de Christophe Chabouté - 7 de Setembro



Assombrada, de Shaghyegh Moazzami - 14 de Setembro



Os Mares do Sul
, de Hernán Migoya e Bartolomé Seguí - 21 de Setembro



Uma Metamorfose Iraniana
, de Mana Neyestani, 28 de Setembro



Léa Não Se Lembra Como Funciona O Aspirador, de Gwangjo e Corbeyran - 5 de Outubro



Estampas 1936, de Felipe Hernández Cava e Miguel Navia - 12 de Outubro



Primo Levi
, de Matteo Mastragostino e Alessandro Ranghiasci - 19 de Outubro



Alexandra Kim, de Keum Suk Gendry-Kim - 26 de Outubro


O Regresso do Capitão Nemo, de Benoît Peeters e François Schuiten - 2 de Novembro

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Moby Dick - Volume 1, de Chabouté

A Levoir e o Público continuam a ser os editores com mais títulos publicados nesta categoria no mercado nacional. E foi aqui, nos livros distribuídos com o jornal Público, que tudo começou e é aqui que agora continua, com esta sétima série da colecção Novela Gráfica. Uma série marcada mais uma vez pela diversidade, que traz de volta nomes prestigiados como Chabouté, Bartolomé Seguí, Felipe Hernandéz Cava e Schuiten e Peeters, que confirmam a aposta na BD europeia, ao mesmo tempo que abre as portas a autores nunca antes publicados em Portugal. Autores oriundos de diversas latitudes e culturas, da Itália ao Irão, passando pela Coreia – incluindo uma inédita colaboração entre o argumentista francês Éric Corbeyran e o desenhador coreano Gwangjo – assinando histórias que, partindo da literatura ou da própria vida, abordam temas tão diversos como o Holocausto, a Guerra Civil Espanhola e a Revolução Russa, ou a situação das mulheres e os problemas de liberdade de expressão e da censura no Irão. Ou seja, todo um mundo para descobrir com o Público, todas as quintas-feiras, entre 31 de Agosto e 2 de Novembro.


Nesta sétima série não faltam títulos com uma importante ligação à literatura, sejam adaptações directas, biografia de escritores, ou trabalhos originais que remetem para obras literárias existentes, como simples homenagem, ou como ponto de partida para uma intriga autónoma. 

Composta por 10 volumes inéditos em Portugal, é apresentada como habitualmente em cuidadas edições de capa dura e com prefácios a cada uma das edições.

Regressam autores já conhecidos dos leitores: Chabouté, Benoît e Peeters, Bartolomé Seguí e Hernán Migoya, adaptando mais um romance de Manuel Vázquez Montalbán, e Felipe Hernández Cava, apadrinhando a estreia de Miguel Navia, numa história sobre a guerra civil espanhola.
Sendo o contingente europeu assegurado por autores de Espanha, França, Bélgica e Itália, esta sétima série traz-nos também livros de Mana Neyestani e de Shaghayegh Moazzami, dois autores iranianos, que mostram que a novela gráfica naquele país não se limita a Marjane Satrapi, a prestigiada autora e realizadora que já marcou presença por duas vezes nesta colecção com Frango com Ameixas e Bordados.

Mas o grande destaque nesta colecção vai para a presença, praticamente em estreia no mercado nacional, do Mahwa, a banda desenhada feita na Coreia do Sul, por Keum Suk Gendry-Kim, uma autora coreana, que adapta um romance do seu compatriota Jung Cheol-Hoon, Alexandra Kim, a biografia da revolucionária coreana que participou activamente na revolução bolchevique.

A Coreia também está representada pelo desenhador Gwangjo, que colabora com o argumentista francês Éric Corbeyran, em mais uma prova que a Banda Desenhada é cada vez mais um género sem fronteiras.

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A abrir a colecção, temos um velho conhecido, Chabouté e a sua obra em 2 volumes, Moby Dick, publicado originalmente em 2014 é a adaptação para banda desenhada do romance de Herman Melville, considerado um clássico da literatura americana.

A história passa-se no século XIX, no auge da indústria baleeira que operava na Nova Inglaterra. O narrador, Ismael, é um jovem que anseia por novas experiências o que o leva a embarcar no navio baleeiro, que está prestes a zarpar, o Pequod.  O misterioso capitão do navio, Ahab, tem como único objectivo vingar-se de Moby Dick a baleia branca que lhe arrancou uma perna. Toda a tripulação vai unir-se ao seu capitão em busca de vingança, tornando a viagem perigosa e doentia.
Além de uma narrativa de acção, Moby Dick, é uma obra sobre o confronto entre homem e natureza, abordando temas como religião, idealismo, pragmatismo e vingança. É uma obra atemporal, que consegue cativar o leitor de qualquer época.

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Ficha técnica
Moby Dick - Volume 1
Autor: Chabouté
Editora: Levoir
Páginas: 128, a preto e branco
Encadernação: Capa dura
Formato: 190 x 280 mm
PVP: 13,90€



sexta-feira, 25 de agosto de 2023

Análise: O Livro das Maravilhas

O Livro das Maravilhas, de Étienne Le Roux e Vincent Froissard - Ala dos Livros

O Livro das Maravilhas, de Étienne Le Roux e Vincent Froissard - Ala dos Livros
O Livro das Maravilhas, de Étienne Le Roux e Vincent Froissard

Embora o estilo geral dos lançamentos de banda desenhada da editora Ala dos Livros repercuta uma clara aposta na 9ª arte de cariz mais clássico, a editora tem revelado, ainda assim, espaço para a aposta em algumas obras mais alternativas. É o caso deste O Livro das Maravilhas, de Étienne Le Roux e Vincent Froissard.

E, claro, quando falo em “alternativa”, não quero dizer que este livro, que hoje vos trago, seja de estilo alternativo ou, sequer, uma “carta fora do baralho” em termos daquilo a que a editora portuguesa nos tem habituado. Todavia, considero que é uma obra que, quer na história que nos traz, quer no desenho, se assume como diferente e que, por conseguinte, se afasta um bocado do estilo de outras obras da editora. E que bom isso é! Viva a diversidade!

O Livro das Maravilhas, de Étienne Le Roux e Vincent Froissard - Ala dos Livros
Começando pela história, aquilo que este O Livro das Maravilhas propõe, é uma biografia algo livre das aventuras de Marco Polo. O próprio subtítulo da obra é “Livremente adaptado das narrativas de Marco Polo”. A altura deste lançamento é, aliás, curiosa, se tivermos em conta que, ainda há poucos meses, a Gradiva editou, em dois volumes, uma biografia em banda desenhada de Marco Polo. Claro que ambos os livros apresentam abordagens diferentes. Se a BD publicada pela Gradiva procura ser uma obra de cariz mais didático, O Livro das Maravilhas procura ser uma releitura das aventuras de Marco Polo, fundindo duas histórias na própria narrativa e tendo uma aura mais artística e profunda.

Assim, somos confrontados com a história de um velho que, acompanhado por um jovem, vai-lhe narrando as aventuras de Marco Polo. Aliás, ele - o velho - assume-se como o próprio Marco Polo. Mas, ao mesmo tempo, esses próprios momentos de narração, também encerram em si uma side story, chamemos-lhe assim, em que a relação deste ancião e deste jovem se começa a fortalecer. Na verdade, o jovem rapaz até vai ficando perto do velho, acompanhando-o na sua jornada, apenas por gostar de ouvir as suas histórias. Afinal de contas, uma história sempre terá o poder de nos deixar agarrados a ela. Especialmente as histórias de Marco Polo que, até mesmo nos dias de hoje, estão longe de ser consensuais face à sua legitimidade e precisão.

O Livro das Maravilhas, de Étienne Le Roux e Vincent Froissard - Ala dos Livros
Devo dizer que este é um livro que nem sempre manteve a minha atenção em altas. Se o começo é forte, penso que o meio da história – curiosamente, aquela parte que é mais descritiva das viagens de Marco Polo e todo o périplo que o leva de Veneza até à China – se torna, em termos de discurso, algo sensaborão, lento e mais focado em narrar algumas das aventuras mais conhecidas de Marco Polo, ao invés de utilizar esses eventos para a própria narrativa que apresenta. Até porque, convenhamos, é no plot twist final que está a magia deste livro. Mesmo admitindo que a obra acaba de forma bem bela e profunda no significado, devo dizer que teria apreciado ainda mais este livro se o tal final começasse a ser tecido mais cedo e, a partir daí, tivesse sido explanada a mensagem para outros campos possíveis. E mesmo que isso significasse reduzir a parte das aventuras de Marco Polo.

Sugerir que se reduza o espaço dado à aventura pode parecer, pelo menos no plano teórico, uma má ideia. Mas, neste livro, sinto especialmente isso porque a parte das aventuras é bem mais narrada, em texto, do que demonstrada, em desenhos. Isto porque há um certo desprendimento entre o texto e o desenho. Não diria que ambas as vertentes choquem entre si, mas parece-me que Froissard não será – ou, pelo menos, neste livro não o demonstra ser – o autor mais indicado para o desenho de ação e de aventura. É um ilustrador mais exímio nos cenários, nas paisagens e nas questões mais metafísicas. Em álbuns que tenham um ritmo mais lento, portanto. E acho que é nesse ponto, que este livro me desiludiu. Atenção que não estou a dizer que não é um livro bom. E que merece ser conhecido. A história é interessante, tem algum valor didático e tem desenhos muito belos. Mas, de alguma forma, não sei se consegue a harmonia que se pretendia.

O Livro das Maravilhas, de Étienne Le Roux e Vincent Froissard - Ala dos Livros
Focando-me nas ilustrações, O Livro das Maravilhas também traz algumas maravilhas. O estilo de desenho de Vincent Froissard utiliza a técnica do carvão e apresenta um traço semi-caricatural, onde se destacam os cenários exteriores, com belas e contemplativas paisagens de perder de vista e outros tantos desenhos de cariz mais metafísico e onírico. A beleza e originalidade são constantes.

As cores, por vezes demasiado escuras e/ou esbatidas, onde predominam os cinzentos, os azúis, os castanhos e os verdes, aumentam a aura misteriosa da imagética do livro, mas, por outro lado, tornam a arte menos legível. 

O estilo de ilustração de Froissard é, de facto, muito poético, o que faz com que a leitura desta obra pressuponha uma verdadeira viagem contemplativa. Por vezes, até achei que fosse contemplativa em demasia, já que, amiúde, me pareceu que havia alguma aleatoriedade nos desenhos, face às palavras. Dito de outra forma, são várias as vezes em que nos está a ser contada uma coisa e aquilo que vemos, em termos de desenho, não está relacionado com o que nos é relatado. Torna-se, por isso, óbvio que o ilustrador teve uma forte liberdade para desenhar o que quisesse, a seu belo prazer. Infelizmente, acho que poderia haver uma ligação mais estreita entre texto e imagem. Isto não acontece sempre, está claro, mas acontece demasiadas vezes para não receber uma menção da minha parte.

A edição da Ala dos Livros volta a ser muito boa. O livro tem capa dura baça, com alguns detalhes a verniz, e bom papel brilhante, que é complementado com uma boa encadernação e impressão. Mesmo havendo algumas vinhetas que me pareceram escuras demais, olhando para o estilo de desenho e cor do autor, parece-me que isso não é imputável à editora portuguesa.

Já que falei da capa, permitam-me dizer que considero a capa deste livro como uma das mais belas do ano! Verdadeiramente “maravilhosa”, lá está!

Em suma, O Livro das Maravilhas é um álbum que, embora apresente uma bela história - que nos leva a relembrar as viagens de Marco Polo e que ainda reserva espaço para surpreender o leitor - e tenha belos desenhos contemplativos e diferentes daquilo que, normalmente, nos é dado a degustar, apresenta, quanto a mim, alguns desequilíbrios que, infelizmente, retiram o grande potencial a este livro de ser uma obra mais impactante.


NOTA FINAL (1/10):
8.0


Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020


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O Livro das Maravilhas, de Étienne Le Roux e Vincent Froissard - Ala dos Livros

Ficha técnica
O Livro das Maravilhas
Autores: Etienne Le Roux e Vincent Froissard
Editora: Ala dos Livros
Páginas: 76, a cores
Encadernação: Capa dura
Lançamento: Maio de 2023

O mangá Horion já conta com dois volumes!




Em pouco mais de um mês, a ASA já editou o segundo volume da sua nova série mangá, Horion!


Esta obra é da autoria de Aienkei e Enaibi, dois autores franceses. O que, na prática, faz com que esta série seja francesa e, portanto, se possa considerar - especialmente pelos puristas - como "manfra", isto é, BD de estilo mangá, feita em França.


Mais abaixo, deixo-vos com a nota de imprensa deste segundo livro.


Horion #2, de Aienkei e Enaibi

Depois de ter editado em julho o primeiro volume desta série, a ASA continua a sua aposta neste mercado pela via do denominado Manfra (banda desenhada de origem francesa inspirada na mangá japonesa) e lança agora em agosto, Horion 2, de Aienkei e Enaibi, série de grande sucesso em França e que chega esta semana às livrarias portuguesas.

O que não nos torna mais fortes, mata-nos. Dentro de cada um de nós existe uma aptidão latente que só espera ser despertada. 

Para descobrir esse precioso talento, Koza e Valyu terão de olhar para dentro de si mesmos. Mas desconhecem que a busca pelo seu próprio “eu” pode levar à pior das provações.

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Ficha técnica
Horion #2
Autores: Aienkei e Enaibi
Editora: ASA
Páginas: 192, a preto e branco
Encadernação: Capa mole
PVP: 9,90€


quinta-feira, 24 de agosto de 2023

Análise: Stay

Stay, de Lewis Trondheim e Hubert Chevillard - Magnetic - Review

Stay, de Lewis Trondheim e Hubert Chevillard - Magnetic - Review
Stay, de Lewis Trondheim e Hubert Chevillard

Eis um bom exemplo de um livro que se compra devido a uma boa capa. Depois de um primeiro contacto com a bela capa deste livro, fiquei com vontade de o folhear. À medida que o folheei, fiquei agradado com as ilustrações. E, pronto, o processo foi tão simples quanto isso. E, claro, o nome de Lewis Trondheim, um dos grandes mestres da banda desenhada europeia, também fez com que o meu interesse aumentasse mais, concedo.

Lançada originalmente pela editora francesa Rue de Sèvres, com o título Je Vais Rester, foi a versão americana da obra, editada pela editora Magnetic, e comprada na livraria Dr. Kartoon, que tive a oportunidade de ler.

E em boa hora o fiz! Stay é uma magnífica e bela banda desenhada, que nos deixa a refletir sobre a vida, a morte e o luto. Uma verdadeira viagem ao âmago da vida, que muito me cativou. A meu ver, merecia uma versão portuguesa. Quem sabe, não existe uma editora portuguesa que aposte nesta bela obra? Estou certo que poderia agradar a muita gente.

Stay, de Lewis Trondheim e Hubert Chevillard - Magnetic - Review
A história centra-se num casal, formado por Fabienne e Roland, que parte para uma semana de férias, junto à praia. Roland é um daqueles homens super organizados que estudou e preparou as férias com a sua esposa ao mais ínfimo detalhe, organizando programas para todos os dias e pagando pelos mesmos em adiantado. Deixou, até, todo um itinerário das férias registado num caderno. Mas nem tudo pode ser programado! E a prova disso é que, mal o casal chega ao destino idílico que escolheu para as suas férias, desenrola-se um acontecimento irrevogável e chocante que deixa Fabienne sozinha, sem a companhia do seu marido. Tudo levaria a crer que, após determinado acontecimento, que opto por não referir, ela voltaria a casa, mas, por ventura, e inexplicavelmente para alguns, Fabienne decide continuar a sua semana de férias e cumprir o programa previamente pensado por Roland. Sente-se atónita e só, não sabendo lidar com a situação, é certo, mas, talvez por essa mesma razão, ocupa o seu tempo, cumprindo aquilo que estava estipulado. Como se estivesse em negação. Acaba por conhecer um vendedor local, Paco, com uma forma muito peculiar de olhar para vida e para a morte. Fabienne vai mentindo acerca da ausência do seu marido, mas Paco acaba por juntar as peças. E em vez de confrontar Fabienne, Paco, acaba por oferecer um apoio silencioso, cheio de compaixão.

Stay, de Lewis Trondheim e Hubert Chevillard - Magnetic - Review
Onde Stay consegue ser singular e profundo, é mesmo na forma, extremamente sensível e madura, como consegue mergulhar-nos na vivência psicológica da protagonista. Não há manuais de como lidar com uma perda tão grande como a vida de alguém e, nisso, esta obra consegue ser especialmente bela. Como é que cada pessoa lida com as grandes dores da vida? Há um manual? Há um certo e um errado? Qual será a reação normal e anormal?

As ilustrações são asseguradas por Hubert Chevillard, cujo traço semi-caricatural, captura visualmente a dualidade entre a aparente normalidade das cenas turísticas que envolvem Fabienne e a profundidade emocional que habita o interior da personagem. 

O estilo de desenho lembrou-me, por exemplo, Cyril Pedrosa, em Portugal. É um estilo de desenho sensível e genuíno, que se encaixa que nem uma luva na tónica agri-doce do argumento de Trondheim.

Stay, de Lewis Trondheim e Hubert Chevillard - Magnetic - Review
Em termos de planificação, a obra apresenta as vinhetas de uma forma algo rígida, com seis vinhetas por prancha, embora surjam, amiúde, belíssimas ilustrações que ocupam uma só página e que conferem o dinamismo necessário ao natural ritmo de leitura. Já a paleta de cores, que apresenta belos tons amarelados e quentes, coaduna-se simbioticamente nos dias do calor de verão vivido.

A edição da Magnetic, apresenta capa dura baça, com os cantos arredondados, que me agradou especialmente, e bom papel brilhante. A encadernação e impressão são de excelente qualidade.

Resumindo, Stay é um belo livro que aborda a vida e a morte, de uma forma pouco convencional, explorando os diferentes processos e modos de enfrentar a dor e que, nem sempre, correspondem às expetativas da sociedade. Uma obra simples, singela e genuína, mas onde abunda e impera uma grande dose de emoção e de reflexão!


NOTA FINAL (1/10):
9.4



Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020


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Stay, de Lewis Trondheim e Hubert Chevillard - Magnetic - Review

Ficha técnica
Stay
Autores: Lewis Trondheim e Hubert Chevillard
Editora : Magnetic
Páginas: 128, a cores
Encadernação: Capa dura
Lançamento: Agosto de 2019

Ala dos Livros prepara-se para lançar Uma Estrela de Algodão Preto!



Este é um livro desconhecido para mim mas que, sobre o qual, já li muitas coisas boas e que, por isso, e pela aposta da Ala dos Livros - que, convenhamos, não costuma errar nas suas apostas - me está a aguçar o interesse!

Os autores são o consagrado Yves Sente (A Vingança do Conde Skarbek, O Guardião, entre outros) e Steve Cuzor, um dos autores que participou na antologia Go West - Young Man.

Uma Estrela de Algodão Preto promete a proeza de recontar momentos importantes da história dos Estados Unidos e é um livro que ganhou muitos prémios aquando o seu lançamento original em 2018. Dada a sua história peculiar, está a ser preparada uma adaptação desta obra ao cinema, com realização de Reginald Hudlin. 

Mais abaixo, deixo-vos com a sinopse da obra e com algumas imagens promocionais.

Uma Estrela de Algodão Preto, de Yves Sente e Steve Cuzor

«Dizia muitas vezes ao Justin e ao Tommy que eles eram como duas estrelas na minha vida.
Quando me sentia desanimada, olhava para eles. E juro-lhe, Mrs Betsy, que mesmo pretas, elas brilhavam…»

Filadélfia, 1776. 
George Washington encomenda a Betsy Ross a primeira bandeira dos futuros Estados Unidos da América. A sua criada, Angela Brown, adiciona-lhe secretamente uma homenagem à comunidade negra: uma estrela de cinco pontas de algodão preto, por baixo de uma das estrelas brancas.
Douvres, 1944. 
O soldado Lincoln recebe uma carta contendo as memórias de Angela Brown. A estrela que ela menciona existirá realmente? A História deverá ser reescrita à luz desta revelação? Da Paris libertada às Ardenas cobertas de neve, inicia-se para três soldados afro-americanos um perigoso périplo com um desfecho inesperado.

Em sintonia com a pujança gráfica de Steve Cuzor, o forte argumento de Yves Sente utiliza os clichês de guerra para melhor destacar os desequilíbrios de um mundo cego por ideologias muito sombrias.

Uma Estrela de Algodão Preto é uma história com ressonâncias estranhamente actuais.

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Ficha técnica
Uma Estrela de Algodão Preto
Autores: Yves Sente e Steve Cuzor
Editora: Ala dos Livros
Páginas: 192, a cores
Encadernação: Capa dura
Formato:235 x 310 mm
PVP: 35,00€

Arte de Autor lança nova adaptação de Agatha Christie!



A coleção das adaptações das obras de Agatha Christie, que a Arte de Autor tem vindo a publicar em Portugal, parece ir de vento em poupa!

A editora portuguesa prepara-se para lançar, já durante a próxima semana, Hercule Poirot - Jogo Macabro, cuja adaptação para BD é feita pelo autor Marek, que já foi o ilustrador de um outro título da mesma série, Hercule Poirot - Encontro com a Morte, mas que, neste segundo livro, assume a dupla tarefa de argumentista e ilustrador.

Este já é o 11º álbum da coleção portuguesa. De momento, existem mais dois álbuns publicados recentemente em França.

Mais abaixo, deixo-vos com as habituais sinopse da obra e imagens promocionais.

Hercule Poirot - Jogo Macabro, de Marek 

Uma caçada ao falso homicida, mas com um cadáver verdadeiro. Um cenário encantador e segredos de família. O desaparecimento da dona da casa e a chegada de um convidado surpresa. 

No centro de uma trama complexa, Hercule Poirot vê-se novamente confrontado com o mal. 

Mas para o detective belga, o crime não é coisa com que se brinque: utilizando todo o poder das suas pequenas células cinzentas, tudo fará para confundir o culpado.

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Ficha técnica
Hercule Poirot - Jogo Macabro
Autor: Marek
Editora: Arte de Autor
Páginas: 64, a cores
Encadernação: Capa dura
Formato: 210 x 285 mm
PVP: 18,95€

quarta-feira, 23 de agosto de 2023

Análise: Lore Olympus – Volume 1 (Partes 1 e 2)

Lore Olympus – Volume 1 (Partes 1 e 2), de Rachel Smythe - Iguana - Penguin Random House

Lore Olympus – Volume 1 (Partes 1 e 2), de Rachel Smythe - Iguana - Penguin Random House
Lore Olympus – Volume 1 (Partes 1 e 2), de Rachel Smythe

Sei que esta expressão está gasta por ser dita tantas vezes mas, como neste caso se aplica perfeitamente, vou usá-la: Lore Olympus é uma banda desenhada que não deixa ninguém indiferente. Uns parecem amá-la e outros parecem odiá-la. E, em ambos os casos, consigo perceber as razões para tal.

Esta é uma das apostas da Iguana em banda desenhada e estou certo que será a série mais rentável da editora. Pelo menos, a nível das séries/obras atuais que compõem o catálogo desta chancela do grupo Penguin Random House. Isto porque há uma legião de fãs de Lore Olympus, uma série que foi criada por Rachel Smythe e que, curiosamente, nasceu enquanto webtoon. Depois disso, já arrecadou inúmeros prémios e hordas de fãs acérrimos. É considerada como uma obra altamente viciante por muitos. Por outro lado, outros também acusam Lore Olympus de ser uma grande “mão cheia de nada”.

Lore Olympus mergulha os leitores numa reinterpretação moderna da mitologia grega, apresentando uma visão refrescante e leve desse universo, que coloca os deuses e as deusas do Olimpo no mundo atual, conduzindo carros, utilizando telemóveis e vivendo uma verdadeira “telenovela mexicana” de relacionamentos. Bem, em boa verdade, isso até não é algo que seja novo, pois a mitologia grega até está cheia de encontros e desencontros amorosos entre os vários deuses do Olimpo, bem ao jeito de uma novela. Mas, na mitologia dita mais oficial, são encontros mais “pesados” e mortíferos – porque a mitologia grega também sabe ser bem “gore”, convenhamos – e, em Lore Olympus, Rachel Smythe opta por recriar esses desenlaces amorosos de forma mais leve. Como seria, aliás, de esperar, se tivermos em conta que esta é uma série especialmente destinada aos jovens. E, convém fazer a ressalva, quando digo isto, não é que considere que Lore Olympus não possa ou não deva ser lida por adultos – sou o primeiro a não gostar muito do quão redutor é enfiar uma obra de arte numa qualquer gaveta de géneros ou idades - mas concedo que é bem possível que muitos adultos considerem a história de Lore Olympus demasiado leve, demasiado superficial, demasiado ligeira.

Lore Olympus – Volume 1 (Partes 1 e 2), de Rachel Smythe - Iguana - Penguin Random House
Em todo o caso, acho que é uma série verdadeiramente bem conseguida para o público-alvo a que se destina. Se é algo que me tenha dado especial gozo? Não. As ilustrações são belíssimas e a ideia é boa, mas a história e os diálogos pareceram-me demasiado teen para os meus gostos atuais. Não obstante, compreendo que a juventude possa adorar estes “Morangos com Açúcar do Olimpo”, com belas ilustrações joviais. E, atenção, que esta minha afirmação não pretende ser minimamente jocosa. Não há mal nenhum em estarmos perante uma banda desenhada leve que apela a um público mais jovem e feminino. Na verdade, até tenho achado demasiado injustas certas análises e comentários que tenho lido sobre Lore Olympus, pois considero que a série está muito bem feita, se tivermos em conta o público-alvo a que se destina. Da mesma forma que as minhas filhas, de 8 e 5 anos, choram a rir a gargalhada com uma piada que envolva rabos, xixi, cocó ou puns, também há adolescentes e jovens adultos que verão em Lore Olympus uma verdadeira obra-prima da banda desenhada. Mas quererá isso dizer que as piadas de rabos, os Morangos com Açúcar ou Lore Olympus sejam coisas más? Naturalmente que não. Pelo menos, se - e isto é o mais relevante - forem veiculadas e direcionadas junto do público a que se destinam. Como tal, sim, considero Lore Olympus uma bela banda desenhada para jovens. Tem todos os ingredientes certos, na dosagem certa.

A história foca-se no romance vivido entre Perséfone, a jovem deusa da primavera, e Hades, deus do Submundo. Parecendo como opostos naturais um do outro, visto que ela é jovem, pequena, ingénua e ele é maduro, grande e vivido, os dois acabam por iniciar um romance típico da adolescência. Aqueles que, antes ainda do fulgor sexual, fazem crescer borboletas na barriga e toldam de vermelho as faces dos intervenientes. É ligeiro, é simples, é básico, mas tem o seu quê de beleza e nostalgia.

Lore Olympus – Volume 1 (Partes 1 e 2), de Rachel Smythe - Iguana - Penguin Random House
Mas, estando o enfoque na relação destas duas personagens, a história não conta apenas com estes dois deuses da mitologia grega. Os outros deuses gregos, como Zeus, Poseidon, Afrodite, Hera, Deméter, Apolo, Artemisa, entre outros, também marcam presença. Em todos eles há uma procura da autora em utilizar as características que lhes são inerentes embora, também neste ponto, essa utilização seja bastante superficial. Quase como uma justificação ou um engodo linear em detrimento de um cuidado aprofundado na conceção da personalidade da personagem. Como nota adicional, e quase como forma de compensar esta superficialidade das personagens de Lore Olympus, acho que a leitura poderia sair mais enriquecida – bem como a obra poderia almejar um cariz mais didático – se houvesse uma árvore genealógica dos deuses, com uma breve apresentação, na primeira ou última página do livro.

Mas, voltando à história, passamos muito tempo sem que aconteça realmente grande coisa. Quer dizer, a história de “será que estou apaixonada/o?” e “será que ele/a está apaixonado/a por mim?” vai ocupando um grande número de páginas. E, lido assim, pode parecer que a história se torna muito enfadonha, mas não é o caso. Aliás, apesar dos dois livros que vos trago terem, combinados, cerca de 400 páginas, esta é uma leitura que se faz em cerca de 1h ou 1h30. E há várias razões para tal. Porque os diálogos são curtos, porque certas páginas têm poucas vinhetas e, bem… porque a história é bastante básica e não pressupõe uma grande dedicação intelectual do leitor para bem acompanhá-la. Estão a ver uma comédia romântica de sábado à tarde? É isso que Lore Olympus é.

Lore Olympus – Volume 1 (Partes 1 e 2), de Rachel Smythe - Iguana - Penguin Random House
De resto, a obra aborda temas universais como o amor, o poder, o trauma e o abuso. Embora no início do livro haja uma menção ao facto da obra abordar “temas de abuso físico e mental, trauma sexual e relações tóxicas”, a verdade é que o faz de uma forma bastante leve e superficial. Em linha com aquilo que a obra é, portanto.

Mas se já escrevi bastante sobre Lore Olympus, ainda não mencionei aquilo que mais chama a nossa atenção depois de segurarmos os livros da série nas mãos. A componente visual. Este é um daqueles livros que me lembro de chamar a minha atenção, quando em loja, há bastante tempo, numa altura em que ainda nem havia a versão portuguesa da Iguana, sequer. De facto, Rachel Smythe dá-nos um conjunto de desenhos verdadeiramente originais, num estilo muito próprio que parece diferente de tudo o que já vimos. A paleta de cores, onde imperam os rosas e os azuis é verdadeiramente vibrante e esteticamente impactante. É, pois, natural que Lore Olympus apele a tanta gente e desperte o interesse das pessoas nas lojas.

Além de que os desenhos das expressões das personagens, num traço bastante “cartoonesco”, são bastante simples, mas altamente eficazes. Rachel Smythe tem aquele dom de, com meia dúzia de traços, desenhar uma cara extremamente expressiva que cria empatia no leitor.

Lore Olympus não deixa muito espaço para o desenho de cenários interiores e exteriores, visto que a grande maioria das ilustrações que nos é dada por Smythe, são ilustrações das personagens a convergir entre si. Por esse motivo, chega até a parecer que estamos perante uma peça de teatro, onde o enfoque são os monólogos e os diálogos das personagens. Não obstante, de tempos a tempos, somos surpreendidos com uma ou outra ilustração mais detalhada e diferente da autora, que nos enche o olho. Nas interações românticas entre as personagens, Smythe também consegue dar-nos alguns desenhos verdadeiramente poéticos e impactantes. Mesmo que sejam, repito, bastante simples na conceção.

Lore Olympus – Volume 1 (Partes 1 e 2), de Rachel Smythe - Iguana - Penguin Random House
Em termos de planificação, vê-se que Rachel Smythe tem tudo pensado e procura sair da caixa, dando-nos um trabalho muito dinâmico e versátil. Por vezes, a margem branca parece ocupar mais espaço do que as próprias vinhetas, de tão pequenas que são. Não me parece que seja uma opção que funcione a favor da obra, pois faz com que as ilustrações fiquem demasiado confinadas e pouco percetíveis. Falando no tema da percetibilidade, também não ajuda que certas cores escuras estejam demasiado escuras. Para isso também contará, em parte, a qualidade de impressão da edição da Iguana, que não é a melhor.

Devo ainda fazer uma nota sobre as belíssimas ilustrações das capas. A capa do primeiro livro, em particular, é uma forte candidata a melhor capa do ano!

Em termos de edição, ambos os livros apresentam capa mole baça e um papel que, infelizmente, é fino demais e não está em linha com aquilo que seria mais adequado. A encadernação é boa, mas a impressão apresenta cores demasiadamente escuras, conforme já referi. Há certas vinhetas em que nem se consegue perceber o que se está a passar. Felizmente, isso acontece apenas em alguns casos. Mas fica a chamada de atenção.

Como nota mais negativa, fica a opção editorial de dividir o primeiro volume desta série que, por agora, conta com quatro volumes, em dois. Ou seja, o primeiro volume divide-se nas partes 1 e 2. Na prática, e esperando que a editora continue a lançar a série, a Iguana está a multiplicar por dois cada um dos volumes lançados originalmente. Se se percebe a lógica comercial desta opção? Claro que sim. Desta forma, a editora capitaliza cada um dos livros e faz mais dinheiro. Imagino que se um livro com 400 páginas, em capa mole e com este tipo de papel, fosse lançado, andaria pelos 25€. Dividindo a obra em dois, a editora consegue vendê-los por cerca de 36€. Se isto pode ser alarmante para muitos, o que me alarma mais a mim ainda é a forma, completamente abrupta, a meio de uma side story, sem que houvesse qualquer cliff hanger, como a editora optou por dividir o volume em dois. Revelou bastante desrespeito pela obra e pelos leitores. Repito que, mesmo podendo não concordar, compreendo o apelo comercial de dividir a obra em dois, mas considero que, ao menos, esta opção poderia ter sido tomada de uma forma mais airosa e respeitadora da obra original.

Em suma, é fácil perceber o sucesso de Lore Olympus se olharmos para equação dos três elementos que encerra em si mesma: 1) é um romance ligeiro e juvenil, estilo novela; 2) utiliza de forma refrescante a mitologia grega nos tempos atuais; e 3) apresenta uma ilustração e um grafismo bastante original, moderno e visualmente empolgante. O somatório destas três valências explica o sucesso da série. Numa altura em que se fala do quão bom e importante é conseguir trazer os jovens para a banda desenhada, é com uma esperança renovada que olho para Lore Olympus que poderá ter a sua quota parte em abrir a 9ª arte a jovens que, de outra forma, não perderiam tempo com banda desenhada.


NOTA FINAL (1/10):
8.2



Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020


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Lore Olympus – Volume 1 (Partes 1 e 2), de Rachel Smythe - Iguana - Penguin Random House

Fichas técnicas
Lore Olympus – Contos do Olimpo - Volume 1 (Parte Um)
Autora: Rachel Smythe
Editora: Iguana (Penguin Random House)
Páginas: 200, a cores
Encadernação: Capa mole
Lançamento: Abril de 2023

Lore Olympus – Volume 1 (Partes 1 e 2), de Rachel Smythe - Iguana - Penguin Random House

Lore Olympus – Contos do Olimpo - Volume 1 (Parte Dois)
Autora: Rachel Smythe
Editora: Iguana (Penguin Random House)
Páginas: 192, a cores
Encadernação: Capa mole
Lançamento: Maio de 2023