segunda-feira, 4 de outubro de 2021

Análise: Blacksad #6 - Então, tudo cai. Primeira Parte

Blacksad #6 - Então, tudo cai. Primeira Parte, de Juan Díaz Canales e Juanjo Guarnido - Ala dos Livros

Blacksad #6 - Então, tudo cai. Primeira Parte, de Juan Díaz Canales e Juanjo Guarnido - Ala dos Livros

Blacksad #6 - Então, tudo cai. Primeira Parte, de Juan Díaz Canales e Juanjo Guarnido

No dia do meu casamento, durante a festa, um grupo de amigos decidiu presentear-nos, a mim e à minha mulher, uma surpresa que consistia num jogo que simulava o Elo Mais Fraco, o famoso programa da RTP que, na altura, passava na televisão. Como eu tinha participado nesse programa, os nossos amigos decidiram fazer uma versão própria sobre os noivos, em que, os concorrentes do jogo tinham que adivinhar o número máximo de respostas sobre mim e a minha esposa. Escusado será dizer que houve galhofa e risada por causa disto. Lá para o meio, uma das perguntas era: “Qual a banda desenhada preferida do Hugo?”. E a resposta, dada por um dos amigos, foi taxativa: “Blacksad”.

Blacksad #6 - Então, tudo cai. Primeira Parte, de Juan Díaz Canales e Juanjo Guarnido - Ala dos Livros

Voltar a esta memória feliz, que partilho com os meus leitores, remete-me para duas coisas: uma delas é que Blacksad já me acompanha há muitos anos como uma das coisas melhores que já retirei da banda desenhada. E, por outro lado, passados vários anos, as coisas parecem manter-se de igual forma.

Pensado em álbuns contidos, talvez existam vários outros livros que ombreiam – ou mesmo ultrapassam – Blacksad em termos das minhas preferências. Mas, pensando em séries de bd, e mesmo que eu adore tantas outras, acho que (ainda) é justo dizer que Blacksad é a minha série favorita de banda desenhada. A minha número 1.

E isto nem sequer é uma afirmação dita para o ar ou com base numa grande subjetividade infundada. Os gostos são sempre subjetivos, sim, mas as razões que nos fazem gostar de algo até são, ou podem ser, totalmente objetivas. E, portanto, é-me bastante fácil justificar porque é que gosto tanto desta série. Basicamente, porque reúne tantas e tantas coisas que adoro! Vamos por partes:

Blacksad #6 - Então, tudo cai. Primeira Parte, de Juan Díaz Canales e Juanjo Guarnido - Ala dos Livros

1) Adoro, desde sempre, os universos antropomórficos. Nem se trata apenas de eu gostar de histórias com animais (das quais também gosto, por regra). Trata-se de eu achar piada que se crie uma história totalmente humana, ambientada na urbe, com um enredo humano e em que as personagens têm corpos humanos, exceptuando as caras, que assumem rostos de animais - embora mantenham expressões humanas. Porque é que gosto? Não sei. Mas gosto! Acho piada. E não é só em Blacksad. Já havia gostado disso na banda desenhada portuguesa A Fórmula da Felicidade, de Nuno Duarte, Osvaldo Medina e Ana Freitas. E também adorei os filmes de animação Zootrópolis ou Cantar!. Naturalmente, Blacksad pela sua premissa de ser uma bd antropomórfica já conquistaria facilmente o meu interesse inicial.

2) Depois, há outra coisa: gosto muito de histórias de detetives em estilo noir. Estão a ver aquelas histórias do anti-herói sozinho e solitário que vagueia por uma cidade imunda, onde a devassidão e crimes andam de braço dado? Bem, isso também é um dos meus estilos preferidos nas obras que adoro. Na bd lembro-me de Criminal, de Ed Brubaker e Sean Phillips, nos videojogos lembro-me de Max Payne e nos filmes lembro-me de um enorme número de filmes desse género, mas vou apenas referir Chinatown, Tudo Bons Rapazes ou Era Uma Vez na América. Portanto, universo noir? Adoro! E felizmente, Blacksad também pertence a esse estilo.

Blacksad #6 - Então, tudo cai. Primeira Parte, de Juan Díaz Canales e Juanjo Guarnido - Ala dos Livros

3) Histórias contadas na primeira pessoa em modo de narração? Aqui entre nós, que ninguém nos ouve, quase que diria que em mais de metade dos meus 20 filmes preferidos, isso acontece. Porque é que gosto? Porque acho que a relação entre a obra e o leitor/expetador se estreita de uma forma mais rápida e densa, e porque isso permite, quase sempre, um texto memorável, com boas expressões e bom texto quotable por parte de quem está a narrar a história. Convenhamos que o fantástico filme Shawshank Redemption - considerado, no IMDB, como o melhor filme de sempre - não seria tão fantástico e "redentor" sem a narração de Red, interpretado por Morgan Freeman. Blacksad é-nos contado através dos desabafos na primeira pessoa do próprio John Blacksad.

4) Também gosto de uma boa trama e de um bom caso de investigação. Isto é, que nem sempre os "maus" sejam tão "maus" como parecem e que os "bons" escondam lados mais negros. E Blacksad também tem muito isso.

5) Adoro a “escola Disney” e o tipo de desenho e expressão facial que estes estúdios nos ofereceram em anos e anos de animação cinematográfica (e também em bd). Ora, esta série de banda desenhada parece ter sido criada nos estúdios Disney. E para isso muito contou o trabalho do ilustrador Guarnido nos estúdios Disney, claro está.

Blacksad #6 - Então, tudo cai. Primeira Parte, de Juan Díaz Canales e Juanjo Guarnido - Ala dos Livros

6) Escusado será dizer que aprecio um bom argumento que seja povoado por fantásticas e memoráveis personagens. E isso acontece em Blacksad também.

7) Por último, e falando mais concretamente de banda desenhada, aprecio, logicamente, que os desenhos de uma obra sejam bonitos. E que dizer dos desenhos de Blacksad? São sublimes!

Ora, posto tudo isto, fica bem subjacente que Blacksad tem todas estas coisas – e mais algumas – que referi. Já ouvi algumas várias críticas à série dizendo que o estilo hard boiled de Blacksad até é bastante “batido”, que os argumentos nem são nada do outro mundo… etc, etc. Claro que não me vão ouvir dizer que as histórias de Blacksad nos fazem melhores pessoas ou que irão fazer-nos refletir profundamente sobre algo. Mas, isso também não deve ser a única bitola para definir uma boa banda desenhada, certo? A meu ver, Blacksad tem quase todas as coisas que eu adoro (universo antropomórfico, em estilo noir, com narração na primeira pessoa, com uma boa dose de investigação e suspense, numa ilustração sublime e oriunda da escola Disney, baseada em bons argumentos). No fundo é a soma de todas as suas partes que me fazem amar Blacksad. Ou, dito de outra forma, se eu fosse uma série de banda desenhada, gostaria de ser Blacksad.

Ora, desculpem toda esta extensa introdução que faço à série, mas sinto que o tinha que fazer, já que é a primeira vez que escrevo no Vinheta 2020 um artigo de opinião dedicado à série.

Blacksad #6 - Então, tudo cai. Primeira Parte, de Juan Díaz Canales e Juanjo Guarnido - Ala dos Livros

E tudo isso porque, conforme tenho vindo a anunciar, a dupla dos seus criadores, os espanhóis Juan Díaz Canales e Juanjo Guarnido, voltaram à série, depois de um interregno de 8 anos, já que o último álbum, Amarillo, tinha sido originalmente lançado em 2013. A juntar a esta boa notícia, os leitores portugueses tiveram uma outra boa notícia: a série passa a ser representada em Portugal pela editora Ala dos Livros! Para além deste volume, a editora também prepara uma reedição – mais cuidada e com mais extras – dos volumes anteriores, sendo expetável que o primeiro volume, Algures Entre As Sombras, ainda venha a sair em 2021.

Assim, com sorriso de orelha a orelha, que nem um puto de 10 anos, foi com enorme satisfação que peguei neste regresso dos autores a Blacksad. E, desta feita, e pela primeira vez na série, numa história que se divide em dois volumes. Ainda não há data anunciada para o lançamento do segundo volume, mas espera-se que tal venha a acontecer ainda em 2022. Faço figas para que tal aconteça.

Blacksad #6 - Então, tudo cai. Primeira Parte, de Juan Díaz Canales e Juanjo Guarnido - Ala dos Livros

Olhando, finalmente, para este Blacksad #6, e tentando agora ser um pouco mais sucinto, posso dizer que este é um regresso em grande, que não defraudará os muitos fãs da série e que até abre o leque para uma ação e um argumento mais desenvolvido ao detalhe. Por outras palavras, como o álbum é duplo, significa que a história tem o dobro de páginas dos anteriores 5 volumes. O que é que isto permite? Permite que a ação seja mais lenta por vezes e que dê para explorar e desenvolver melhor certas personagens, nomeadamente Weekly, o comparsa de Blacksad, que nesta história assume uma maior relevância para a história. Alguns poderão apontar que a série perde, desta forma, algum do ritmo e ação dos volumes anteriores. Também é válido. A mim, soube-me bem este ritmo mais lento. Veremos, depois, como a história se desenvolve no segundo volume.

História essa que nos coloca em Nova Iorque, em plena época em que o sindicato dos trabalhadores, encarregues da construção do metropolitano da cidade, tentam aspirar a mais direitos e compensações pelo seu difícil trabalho. Mas, claro, outros interesses de poderosos se sobrepõem em relação a estes trabalhadores, que vêem o seu sindicato ser infiltrado por vários mafiosos. Caberá então a Blacksad uma investigação que começará por correr mal. À medida que o enredo se vai adensando, cada vez mais, atingimos um final que é um autêntico cliffhanger e deixará muita gente de boca aberta. Paralelamente, Weekly tenta fazer o seu trabalho de repórter junto de Solomon, uma personagem que bem pode não ser aquilo que parece.

Blacksad #6 - Então, tudo cai. Primeira Parte, de Juan Díaz Canales e Juanjo Guarnido - Ala dos Livros

Mesmo sendo um álbum que é apenas uma primeira parte de um álbum duplo, parece-me que Juan Díaz Canales foi inteligente e inspirado o suficiente para nos oferecer uma história bem tecida e complexa, que exige alguma concentração do leitor para que nada se lhe escape, já que são várias as personagens e as ações das mesmas que inicialmente parecem independentes entre si mas que acabam por convergir sobre elas mesmas. Não é um argumento tão linear como nos dois primeiros álbuns – embora os dois primeiros álbuns até sejam os meus favoritos da série até agora – mas julgo que esta maior complexidade no enredo até acaba por ser um ponto positivo. Em vez de contarem mais uma história básica, os dois autores espanhóis parecem querer estar a adensar a trama narrativa com alguma política à mistura e sub plots que convergirão mais tarde.

A arte ilustrativa continua soberba, sublime, maravilhosa. É-me difícil não fazer vénias a Juanjo Guarnido que considero, atualmente, o melhor ilustrador de banda desenhada do mundo. Sim, eu sei, é uma afirmação subjetiva. Mas sobre isso já escrevi na análise que fiz ao fantástico O Burlão nas Índias. Convido, aliás, os leitores que não leram esta minha análise, a dar-lhe uma vista de olhos.

Ainda assim, repesco algumas das afirmações que aí escrevi e que continuam a espelhar a arte fantástica de Guarnido: “o traço hábil do autor tem a capacidade de saber ser realista mas, também, conseguir dotar as suas personagens de uma familiaridade rara, com que adultos e crianças facilmente se identificam. Há uma componente da escola Disney nas personagens de Guarnido que nos obriga a mergulhar nas histórias com o mesmo gosto com que mergulhámos nos filmes clássicos de animação do estúdio de animação americano. A isso dever-se-á certamente, para além do talento nato do autor, a sua passagem pelos estúdios Disney onde trabalhou em filmes como O Corcunda de Notre Dame, Hércules ou Tarzan.”

Blacksad #6 - Então, tudo cai. Primeira Parte, de Juan Díaz Canales e Juanjo Guarnido - Ala dos Livros

De facto, sempre achei que Blacksad seria uma derivação de um filme de animação (no modo clássico e não digital) dos estúdios Disney, embora destinado a um público adulto.

E auto-cito-me mais uma vez: ”mas não são apenas personagens maravilhosas que Guarnido nos oferece nas suas bandas desenhadas. Os enquadramentos com forte influência no cinema, as expressões inequívocas dos sentimentos das personagens, os ambientes, os cenários, os objetos, os estados do tempo, os pormenores, as nuances, a diversidade ilustrativa, o que fica subentendido... tudo roça a perfeição! Cada vinheta é um pequeno quadro, um frame que nos torna cativos na perfeição do talento do autor. Também por isso, o detalhe que o autor oferece aos seus desenhos é fora do comum. Cada vinheta merece que pousemos o nosso olhar atento e sereno nela durante largos momentos. E não ficamos por aqui! Também nas cores, e na forma sublime, acutilante e ténue como o autor utiliza as aguarelas na sua arte, estamos perante um gáudio para os olhos. (…). Ainda no cômputo da ilustração, outra coisa que me faz achar Guarnido único é que a sua ilustração parece encontrar uma simbiose perfeita entre um estilo que é comercial (a expressividade das personagens a la Disney) e, ao mesmo tempo, artístico (com o uso subtil das aguarelas, a capacidade de ilustrar décors que são autênticas obras de arte).”

Blacksad #6 - Então, tudo cai. Primeira Parte, de Juan Díaz Canales e Juanjo Guarnido - Ala dos Livros

Se posso fazer uma crítica mais negativa será à capa desta obra. Não sendo, nem de perto nem de longe, uma má capa, penso que fica muito aquém daquilo que o autor nos consegue dar. Acho-a um pouco confusa e com pouco appeal comercial. Mas lembro-me que o forte da série Blacksad até nem são as capas, tirando, por ventura, a capa do primeiro álbum Algures Entre As Sombras que considero fenomenal. Neste Então, Tudo Cai. Primeira Parte a própria imagem que vai nas páginas de guarda ou ailustração de John Blacksad a segurar o cigarro e que aparece em segundo plano no fundo da contracapa, daria uma capa melhor, a meu ver. Mas são opções estéticas do autor, vá.

Blacksad #6 - Então, tudo cai. Primeira Parte, de Juan Díaz Canales e Juanjo Guarnido - Ala dos Livros

Relativamente à edição da Ala dos Livros, temos um livro à semelhança das edições dos volumes anteriores que foram lançados pela ASA (volumes 1, 2. 3 e 4) e Arcádia (volume 5): capa dura envernizada, bom papel, boa encadernação, boas cores. Tendo sido feita uma co-edição com a Dargaud (editora francesa da série original) para nos trazer a obra no mesmo dia em que era lançada mundialmente, fez com que a edição portuguesa seja exatamente igual à versão original. Nota positiva para o facto de haver um número limitado de prints que são oferecidos àqueles que comprarem a obra, quer pelo site da editora, quer nas livrarias especializadas.

Em suma, e lendo a minha análise acima, é óbvio o carinho, a paixão e o gosto que eu tenho pela minha série favorita de banda desenhada há tantos anos. Blacksad é como que um cocktail perfeito com tudo aquilo que eu aprecio numa boa banda desenhada. Por vezes, a brincar, digo que parece que Díaz Canales e Guarnido agarraram em todos os meus gostos e os transformaram numa bd. E daí saiu Blacksad. Não é uma opinião só minha, já que é uma série que tem conquistado crítica e fãs.

A meu ver: IM-PRES-CIN-DÍ-VEL!


NOTA FINAL (1/10):
10.0



Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020



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Blacksad #6 - Então, tudo cai. Primeira Parte, de Juan Díaz Canales e Juanjo Guarnido - Ala dos Livros

Ficha técnica
Blacksad #6 - Então, tudo cai. Primeira Parte
Autores: Juan Díaz Canales e Juanjo Guarnido
Editora: Ala dos Livros
Páginas: 60, a cores
Encadernação: Capa dura
Lançamento: Outubro de 2021

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