Churubusco é a mais recente aposta da editora Escorpião Azul. Sendo uma editora mais focada no lançamento de obras nacionais, também vai apostando, ocasionalmente, em obras estrangeiras. É o caso de Churubusco, do autor italiano Andrea Ferraris, que nos traz uma obra singela, original e muito bela.
Esta novela gráfica, que podemos considerar bd de autor, já que não parece ter um cariz muito comercial – ou, pelo menos, clara e diretamente fabricado com o intuito de vender bem - é baseada na trágica história do Batalhão São Patrício e a sua heróica deserção, a favor do México, durante uma guerra desigual (1846-1848) contra os Estados Unidos. O episódio histórico é verídico e, portanto, estamos, desde logo, ligados a uma ideia algo incomum que é a de soldados que lutam por um lado da barricada desertarem desse lado e combaterem pelo lado oposto.
Depois, o autor cria uma narrativa ficcional que aparece envolta a este evento histórico e onde o protagonista, Rizzo, sendo uma personagem fictícia criada pelo autor, serve o propósito de representar os soldados – alguns, italianos, até – que experienciaram esta revolta silenciosa para com as atrocidades do exército norte-americano. Exército esse que era constituído por numerosos imigrantes que se alistavam no mesmo com a promessa de receberem terras e dinheiro depois de findo o conflito armado.
As razões para a deserção de Rizzo são claras: o tratamento que os soldados americanos dão aos mexicanos é demasiado severo e cruel. Depois disso, decide seguir uma mulher mexicana e colocar-se ao lado de uma unidade de soldados europeus – maioritariamente irlandeses – que passou a lutar pelos mexicanos - e contra os americanos - até ao derradeiro dia do hediondo massacre, sem quaisquer escrúpulos.
Churubusco não será, certamente, um relato histórico fiel e preciso sobre os acontecimentos sangrentos passados, mas é, apesar de tudo, uma chamada de atenção, uma relembrança, de um episódio que deveria envergonhar qualquer boa pessoa que se preze. Seja ela americana ou não. Ontem, hoje e amanhã.
Há depois um lado mais metafísico e menos direto que, a meu ver, era escusado para a história. No entanto, também não posso dizer que o autor tenha exagerado nesta vertente e, por esse motivo, é algo que se aceita bem. E o final da obra, mesmo podendo ter uma aura mais onírica, acaba por ser muito poético e muito belo, deixando no ar a ideia de que eventos como este não podem, nem devem, ser esquecidos com o passar dos tempos que, não raras vezes, molda e enevoa a ideia que tínhamos de certas coisas. Da mesma forma que é importante que não esqueçamos nunca o 11 de Setembro, também é importante que não esqueçamos nunca os acontecimentos de Churubusco.
Este é, pois, um livro que nos traz um relato corajoso e “contra a corrente”, que nos dá uma visão das atrocidades cometidas pelo imperialismo americano.
As ilustrações de Andrea Ferraris são bastante belas, com o lápis de carvão a oferecer-nos ilustrações únicas, originais e impactantes, pela tristeza e sensação de amargura que delas emana. A arte é simples, mas elegante, acabando por encaixar muito bem no estilo de narrativa que o autor nos oferece. Parece existir uma sujidade sempre presente devido à existência de manchas de carvão que cobrem as páginas. O que, a meu ver, não será coincidência mas uma tentativa do autor em remeter-nos para a própria sujidade dos acontecimentos aqui retratados.
A edição da Escorpião Azul está em linha com os demais trabalhos da editora. A capa é mole e o papel é amarelado, como já o tinha sido na obra Um Trovão no Caminho e Outras Histórias, de António Rocha. Para os meus gostos, encaixa bem no estilo de narrativa e arte que Andrea Ferraris nos propõe neste Churubusco. Como extras, o livro traz também um breve contexto histórico sobre Churubusco e é provido por uma ilustração inédita, feita pelo autor para esta edição portuguesa.
Em suma, saúdo a Escorpião Azul por esta aposta de qualidade, assente numa obra que (também) funciona como um testemunho histórico de um dos maiores massacres perpetrados por um exército. O carácter documental, por um lado, e em tom de homenagem, por outro, está bem presente da primeira à última página. É um dos melhores livros do catálogo da editora portuguesa e, só por esse motivo, já se recomenda totalmente!
NOTA FINAL (1/10):
8.5
Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020
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Churubusco
Autor: Andrea Ferraris
Editora: Escorpião Azul
Páginas: 192, a preto e branco
Encadernação: Capa mole
Lançamento: Setembro de 2021
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