Hoje trago-vos um artigo sobre boas bandas desenhadas que tenho lido nos últimos tempos, mas que, lamentavelmente, ainda estão por publicar em Portugal.
É um artigo extenso em que, para além de dar a conhecer estas obras aos leitores aqui do Vinheta 2020, também procuro demonstrar o quanto - na minha opinião, pelo menos - estas obras poderiam ser aliciantes para o mercado nacional.
É óbvio que já se edita muita BD em Portugal - pelo menos se compararmos com o que se editava há alguns anos - e, por isso, também se pode dizer: "não é possível editar tudo". Claro que não. Mesmo assim, noto que, por vezes, e especialmente nas editoras maiores, parece haver um certo "desnorte", publicando-se algumas obras de qualidade mais dúbia ou de apelo comercial mais incerto.
Este tema do "apelo comercial" traz consigo, claro está, muita incerteza. Não é garantido que uma banda desenhada de excelente qualidade venda bem. Estou de pleno acordo com isso. No entanto, também é legítimo afirmar que, à medida que um público de determinado mercado artístico vai apurando os seus gostos junto de obras de melhor qualidade, vai sendo permitida a injeção nesse mesmo mercado de obras de qualidade mais inequívoca. Dito por outras palavras, um público conhecedor do que é "bom" torna-se um público com padrões mais elevados.
Como tal, deixo-vos mais abaixo com uma longa lista - e mesmo assim, não coloquei todas as obras estrangeiras que poderia colocar - com as 20 bandas desenhadas que li - ou reli - recentemente e que, pelos seus atributos, bem que poderiam ser editadas por cá.
Para os mais interessados, tomei a liberdade de colocar o nome da editora da edição que li, a loja onde cada um dos livros foi adquirido e o formato da obra - se é um título one shot ou uma série. E, caso seja uma série, qual a dimensão da mesma em número de volumes. Não quero que vos falte nada.
Sem mais demoras, eis a minha lista:
Álbum autocontido (one shot)
Autores: Salva Rubio e Ricard Efa
Editora: Norma Editorial
Local de compra: Norma Editorial, Barcelona
Com uma bela capa, com belíssimos desenhos da autoria de Ricard Efa e com vários prémios conquistados, como o Prémio da Melhor Banda Desenhada Histórica do Ano na Fête de La BD, ou o Prémio para Melhor Desenho do Festival de BD de Chambéry, não hesitei muito tempo até comprar este livro. O argumento de Salva Rubio (autor de quem recentemente por cá se editou A Bibliotecária de Auschwitz (Fábula) ou O Fotógrafo de Mauthausen (Gradiva), conta a história de Django Reinhardt, aquele que é considerado por muitos como o melhor guitarrista de sempre. Django Reinhardt foi um guitarrista e compositor belga de origem cigana, e é tido como um dos pioneiros do jazz na Europa e criador do estilo gypsy jazz. E mesmo após perder a mobilidade de dois dedos da mão esquerda devido a um incêndio, Django conseguiu desenvolver uma técnica única e influente, destacando-se pelo virtuosismo e improvisação. Neste belo livro que encaixaria muito bem nos catálogos de uma Ala dos Livros, uma Arte de Autor ou uma ASA, temos a sua biografia que nos é contada com precisão e onde os desenhos de Ricard Efa com belas cores são claramente uma mais valia.
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Álbum autocontido (one shot)
Autor: Javier Rodríguez
Editora: Glénat
Local de compra: Elektra, Madrid
Wake Up é uma novela gráfica de Javier Rodríguez ambientada em Barcelona, que narra a história de Mario, um aspirante a escritor recém-chegado à cidade. A obra destaca-se pelo seu enredo intimista e atual, em género slice of life, e dá-nos um vislumbre sobre um protagonista que é em tudo parecido aos jovens adultos do tempo atual, com as vidas suspensas entre a solidão, a inconsistência profissional e vários relacionamentos amorosos efémeros. O autor Javier Rodríguez recria fielmente muitos recantos do bairro antigo de Barcelona, oferecendo uma visão autêntica da cidade, que muito foi do meu agrado. Há também um cariz sensual no livro e uma utilização bastante dinâmica e diversificada da planificação que me agradaram bastante. E embora este livro já tenha mais de 20 anos, continua a ter uma história muito atual. O enredo poderia ser mais desenvolvido, é certo, mas é um livro simples, despretensioso e inteligente que imagino a funcionar bem no catálogo de uma Escorpião Azul, de uma A Seita ou de uma Levoir, por exemplo, devido ao cariz mais independente da obra.
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Série terminada em continuação com 12 tomos, para já
Autores: Corbeyran e Espé
Editora: Glénat
Local de compra: Flagey, Bruxelas
A série Châteaux Bordeaux é bastante bem conceituada para os adeptos de uma banda desenhada europeia mais clássica. Este 12º tomo, Le Sommelier, que tive a oportunidade de ler recentemente, insere-se no segundo ciclo da série, e continua a saga da família Baudricourt, centrando-se em Alexandra, que enfrenta desafios pessoais e profissionais após o divórcio. Determinada a salvar a propriedade vinícola familiar, Alexandra contrata Jérémie, um sommelier talentoso, na esperança de revitalizar a produção da quinta. Esta é uma história que combina intrigas familiares com a complexidade do mundo do vinho, oferecendo aos leitores uma visão envolvente do universo vitivinícola. Confesso que, por esse motivo, se pode tornar algo enfadonha ou pesada para alguns leitores. No entanto, e em sentido contrário, também considero que tem o potencial de abrir a porta da banda desenhada a adeptos do universo dos vinhos - e que são muitos em Portugal. Os desenhos de Espé também são bem executados num estilo que mistura técnicas mais clássicas com outras mais atuais. Esta é uma série que encaixaria que nem uma luva no catálogo da Gradiva, mas também a imagino nas mãos de uma Arte de Autor, por exemplo.
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Álbum autocontido (one shot)
Autor: Guillaume Sorel
Editora: Ninth Ediciones
Local de compra: Elektra, Madrid
A "culpa" do meu súbito interesse por Guillaume Sorel foi da editora portuguesa A Seita que, com o seu Macbeth - Rei da Escócia, que muito me impressionou pelos seus belíssimos desenhos, me fez procurar mais obras de Sorel. E este Hotel Particular, que não é a única obra do autor nesta minha lista, foi um dos livros em que pude mergulhar recentemente. A história é um tanto ou quanto "estranha", admito, mas também consegue levantar algumas questões interessantes através da sua original premissa. Começa com o suicídio de uma jovem no seu apartamento que, após a sua morte, se transforma num fantasma que, sob o olhar atento de um gato cúmplice, vagueia pelo edifício onde vivia, testemunhando as vidas íntimas dos seus antigos vizinhos. Entre eles, destacam-se um casal envolvido numa paixão ilegítima, pais angustiados pela misteriosa desaparição da filha, um homem solitário que organiza orgias sexuais e um jovem pintor sem recursos. Há uma forte tensão sexual que se espraia por todo o livro e que Sorel capta muito bem através dos seus belíssimos desenhos - aqui numa paleta em tons de sépia - que são muito do meu agrado e que considero que poderiam agradar a muitos leitores portugueses. Por ter sido A Seita a lançar recentemente este autor por cá - embora numa coleção dedicada a adaptações de obras literárias - imagino a mesma editora a editar este Hotel Particular por cá.
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Álbum Integral (Inclui 5 tomos)
Autores: Yann e Edith
Editora: Ponent Mon
Local de compra: Elektra, Madrid
A capa irresistível deste livro, que muito me remeteu para o universo de Oliver Twist, de Charles Dickens, foi um primeiro gatilho automático para o meu interesse na obra. E depois de o folhear, também fiquei bastante agradado. Esta edição integral reúne um conjunto de histórias dos conceituados autores Yann (argumentista de Thorgal ou de O Grão-Duque) e Edith (ilustradora de Emma G. Wildford) que acompanha as aventuras de dois órfãos, Basil e Victoria, que tentam sobreviver às severas ruas da cidade londrina em 1887. As duas crianças sobrevivem a vender ratos e a dormir nos cais, acompanhados por Cromwell, o seu fiel amigo bulldog. A narrativa combina elementos de aventura, humor e crítica social, retratando a sociedade vitoriana com um toque de realismo sombrio. O desenho a carvão de Edith é bastante original e acrescenta profundidade ao ambiente obscuro e sombrio das ruas de Londres. Tendo em conta o catálogo da editora Arte de Autor, que já nos tem dado algumas obras que são adequadas, ao mesmo tempo, para um público jovem e para um público mais adulto - como Branco em Redor ou O Vento nos Salgueiros, por exemplo - considero que este Basil & Victoria seria uma ótima adição para a editora portuguesa.
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Série em curso com 11 álbuns já publicados
Autores: Macan, Kordey e Desko
Editora: Delcourt
Local de compra: Brusel, Bruxelas
Marshal Bass é um western em banda desenhada, escrito por Darko Macan e ilustrado por Igor Kordey, que apresenta a história de River Bass, o primeiro afro-americano a integrar o Serviço de Marshals dos Estados Unidos da América. Ambientada no Arizona de 1875, a narrativa acompanha Bass enquanto este se infiltra num gangue de ex-escravos que é liderado pelo enigmático Milord, que semeia terror pelo estado. A trama explora, então, a luta de Bass pela justiça e sobrevivência após ser desmascarado pelo líder do grupo. Agradou-me bastante o tema central, que não é tão explorado assim noutras histórias de estilo western, e a abordagem visual, com cores muito vivas, que captam muito bem a atmosfera do Velho Oeste. Tradicionalmente, o mercado nacional de banda desenhada sempre tem apresentado várias bandas desenhadas ambientadas no faroeste americano. São muitas as opções no mercado nacional e, por vezes, até se torna difícil escolher qual o western adequado a publicar(?) e a ler. Tendo em conta que a Ala dos Livros está ativa na publicação dos belos westerns Undertaker e Wild West, e que A Seita tem estado a lançar álbuns do emblemático Tex, imagino que este Marshal Bass encaixaria bastante bem no catálogo da Arte de Autor - até porque, desde que finalizou as séries Bouncer e Duke, a editora portuguesa não tem nenhum western no seu catálogo. Também a Gradiva poderia apostar nesta série, já que terminou a série Lonesome no ano passado. Fica a dica.
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Série em curso com 5 álbuns já publicados
Autor: Aré
Editora: Kennes
Local de compra: Krazy Kat, Bordéus
No tempo atual, há cada vez mais editoras portuguesas a apostar em banda desenhada direcionada para os mais novos. É um facto. Mesmo assim, ainda me parece que, por vezes, algumas dessas apostas sejam demasiado curtas em visão ou que não se perceba o real interesse - do ponto de vista de uma criança - que uma banda desenhada pode ter. Ora, olhando para esta banda desenhada intitulada Cizo, fica claro que, certamente, a aposta nesta série seria um sucesso junto dos mais novos. Esta é uma banda desenhada de Aré que narra a história de Mattéo Di Maggio, um treinador incumbido de formar uma equipa europeia de futebol capaz de competir ao mais alto nível mundial. Contrariando as expectativas, Di Maggio opta por jogadores talentosos e criativos, em vez de dar prioridade à força física. E entre as suas escolhas destaca-se o protagonista Cizo, um jovem prodígio do futebol, anteriormente considerado demasiado franzino para o desporto. Tendo em conta que em cada 10 crianças portuguesas é bem provável que haja 7 ou 8 que são amantes de futebol; tendo em conta que os desenhos desta BD são muito apelativos, expressivos e coloridos; e tendo, também, em conta a bem conseguida abordagem antropomórfica na caracterização das personagens, que nos remete, na banda desenhada, para um Blacksad ou um As 5 Terras, ou, no cinema, para um Zootróplis ou um Cantar!, esta é uma banda desenhada que teria tudo para singrar em Portugal. E imagino-a a ser publicada por uma ASA.
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Álbum autocontido (one shot)
Autor: Peter Bagge
Editora: Vertigo
Local de compra: FNAC Colombo, Lisboa
Other Lives é uma novela gráfica de Peter Bagge que explora, com um irresistível humor negro, que me deixou várias vezes a gargalhar, como as identidades reais e virtuais se entrelaçam e confundem. A narrativa centra-se em quatro personagens: um jornalista pessimista com um segredo familiar; a sua namorada que vive obcecada com o casamento que tarda a acontecer; um teórico da conspiração que ainda vive com a mãe; e um jogador desempregado que se vê forçado a ter o seu carro como residência. As suas vidas, unidas pelo passado, acabam por colidir umas nas outras devido às manipuladas e exageradas identidades online que todos eles criam, sendo que algumas dessas identidades fabricadas até se tornam perigosas para os envolvidos. Bagge utiliza o seu estilo de desenho característico muito "cartoonesco" e humorístico para dar vida a estas personagens que podem parecer ridículas, mas que têm muito de real, culminando numa visão crítica sobre a dualidade da existência moderna. Imagino este livro a ser muito bem recebido se por cá fosse lançado. Encaixaria especialmente bem, quanto a mim, no catálogo da editora Levoir.
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Álbum autocontido (one shot)
Autor: Guillaume Sorel
Editora: Ponent Mon
Local de compra: Elektra, Madrid
Como já havia avisado mais acima, volto a comentar uma obra do autor Guillaume Sorel, de quem já sou muito fã. Desta feita, estamos perante a obra El Horla, que é uma adaptação do conto homónimo de Guy de Maupassant, um célebre escritor francês - e um dos escritores favoritos, na verdade. A história, narrada em forma de diário, acompanha a progressiva descida à loucura de um homem que se sente atormentado por uma entidade invisível, o Horla, que invade a sua casa e a sua mente, não mais permitindo que o protagonista se sinta livre desta estranha força. Sorel recria magistralmente a atmosfera opressiva e inquietante do texto original, utilizando ilustrações detalhadas, com uma magnífica aplicação de aguarelas que, asseguro-vos, deixa os leitores com "água na boca". Volta a ser uma história "pesada", que nos faz refletir um pouco sobre a sanidade mental e como a mais sã das pessoas pode perder-se nela mesma de um momento para o outro. Se Hotel Particular poderia ser uma obra forçada para A Seita publicar - por não se inserir na adaptação de um clássico da literatura - este El Horla até responde a esse requisito, parecendo, consequentemente reunir todos as razões para figurar na Coleção Nona Literatura da editora portuguesa.
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Série terminada em 4 tomos
Autor: Alfonso Zapico
Editora: Astiberri
Local de compra: Livraria Cult., Lisboa
Começo já por dizer que não acalento muitas expectativas que este brilhante La Balada del Norte, de Alfonso Zapico, venha a ser publicado por cá. E explico o porquê dessa afirmação: esta série em 4 volumosos tomos tem um preço muito convidativo e aqueles que, como eu, são clientes da livraria Cult., em Lisboa, provavelmente já tomaram conhecimento da obra na sua versão original em castelhano publicada pela Astiberri. Porém, quem sabe, pode ser que uma editora portuguesa perceba a relevância desta obra para o público português. A história retrata os eventos que antecederam a Revolução Asturiana de 1934 e acompanha Tristán Valdivia, um jornalista fracassado que retorna às Astúrias em 1933 para se reunir com seu pai, o Marquês de Montecorvo, proprietário da Companhia Mineira do Noroeste. A obra destaca-se pela sua capacidade de detalhar a vida das diferentes classes sociais, desde os mineiros até à aristocracia, oferecendo uma visão profunda das tensões sociais da época. O trabalho de ilustração de Zapico remete-nos para as obras que a Levoir já editou por cá, como o muito interessante Gente de Dublin ou Café Budapeste, mas apresenta-se ainda mais aprimorado, numa bela representação histórica que, quanto a mim, se assume como uma das mais importantes obras da banda desenhada espanhola dos últimos anos. Tendo em conta que a Levoir já publicou dois trabalhos de Alfonso Zapico, imagino que seria uma boa editora para lançar esta obra, se bem que editoras como a Ala dos Livros, Arte de Autor ou ASA também poderiam ser bons contendores.
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Série terminada em 3 tomos
Autoras: Cunha e Carbone
Editora: Dupuis
Local de compra: Krazy Kat, Bordéus
Se mais acima falei de Cizo como uma incontestável boa aposta para os mais novos, este Dans Les Yeaux de Lya sendo, por ventura para um público mais adolescente, ou jovem adulto, também seria uma obra a publicar por cá. Esta banda desenhada de Carbone e Justine Cunha acompanha a personagem de Lya, uma jovem determinada a descobrir a identidade do motorista que a atropelou e a deixou numa cadeira de rodas. Quatro anos após esse fatídico acidente, Lya passa a estagiar no prestigiado escritório de advogados de Martin de Villegan, que, surpreendentemente, negociou um acordo financeiro com os seus pais após o supramencionado incidente. Motivada pela busca por justiça e por respostas, Lya inicia uma investigação pessoal que a leva a confrontar verdades desconfortáveis. Parece uma obra "pesada" no tema - e, em certa medida é - mas posso dizer-vos que a leitura, as personagens e o ritmo tornam o livro bastante acessível. E o seu aspeto visual moderno e apelativo também ajuda a essa sensação. Olhando para algumas das recentes apostas das editoras Iguana ou ASA, parece-me que este Lya poderia ser uma obra interessante a ter em conta.
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Álbum autocontido (one shot)
Autores: Courty, Goddart e Josse
Editora: Akileos
Local de compra: Krazy Kat, Bordéus
Qualquer semelhança entre este Le Gecko que se pendura em poses vertiginosas em prédios para uma vista desafogada sobre os telhados da cidade e o português O Corvo, de Luís Louro, é mera coincidência. Da autoria de Courty, Goddart e Josse, este Le Gecko foi para mim uma muito agradável surpresa, com um desenho muito apelativo e uma história que me prendeu ao longo de toda a leitura. Ambientada em Chicago, na década de 1920, esta é uma BD que combina elementos do policial franco-belga com narrativas de super-heróis ao estilo americano. Parece excêntrico, quiçá, mas garanto-vos que resulta numa mistura feliz entre os dois universos. A história acompanha a personagem de Albert Trebla, um homem negro quarentão com um passado difícil e marcante, que vive com uma identidade dupla: durante o dia, trabalha como empregado de mesa em eventos sociais e à noite assume a identidade de "le gecko", ou "o lagarto", um ladrão profissional com habilidades e agilidade semelhantes às do réptil que lhe dá nome. O enredo consegue a proeza de não só abordar temas como a identidade, a discriminação racial e a luta pessoal, como, ao mesmo tempo, piscar o olho às histórias de super-heróis. E tudo isto com um desenho muito apelativo. Eis uma obra que poderia perfeitamente ser publicada por uma Ala dos Livros, uma Arte de Autor, uma ASA, uma Levoir ou uma A Seita e que, não tenho dúvidas, seria bem recebida por cá.
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Série em curso com 1 álbum publicado
Autora: Teresa Valero
Editora: Normal Editorial
Local de compra: Livraria Cult., Lisboa
Esta é uma obra que foi bastante badalada em Espanha - e não só - aquando da sua publicação original em 2021. Contrapaso: Los Hijos de los Otros é uma banda desenhada da autora espanhola Teresa Valero que se passa na Espanha de 1956, durante a ditadura franquista. A trama segue Léon Lenoir, filho de um comunista morto na Guerra Civil, e Emilio Sanz, militante falangista, ambos jornalistas no jornal "La Capital". E é quando investigam um suposto suicídio que ambos descobrem uma enorme conspiração que envolve médicos proeminentes do regime e que desafia a imagem promovida pelo governo espanhol.
Trata-se de uma narrativa de suspense, em estilo policial, com uma crítica social aguda e bem-vinda, brilhantemente arquitetada por Teresa Valero. Se a história é boa, as ilustrações são um autêntico deleite para os olhos! Fiquei absolutamente fascinado com os desenhos e cores da autora que captam com enorme requinte a sociedade espanhola dos anos 50, com personagens plenas de carisma e uma expressividade contagiante. Se nenhuma editora publicar este livro - e encaixaria tão bem no estilo de banda desenhada publicada por editoras como a Ala dos Livros, a Arte de Autor ou a ASA - vai perder, a meu ver, uma excelente oportunidade, já que este é um daqueles livros que se não é perfeito, não anda muito longe disso!
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Série em curso com 10 álbuns já publicados
Autores: Djian, Etien e Legrand
Editora: Vents D'Ouest
Local de compra: Multi BD, Bruxelas
Les Quatre de Baker Street é uma série que, tanto quanto sei, ainda não terminou e que já conta com 10 tomos lançados. Se, por um lado, poderemos achar que a série já vai muito avançada para agora se estar a apostar nela, por outro lado, recentes apostas da Gradiva ou da ASA em séries que também já vão bem avançadas no que ao número de álbuns editados no estrangeiro diz respeito, levam-me a crer que esta Les Quatre de Baker Street seria uma boa aposta a diversos níveis. Para um público mais clássico - que aprecia histórias de clara influência em Sherlock Holmes, mas também em Oliver Twist, de Charles Dickens - e, igualmente, para um público mais infanto-juvenil. A história segue as aventuras de um grupo de jovens órfãos que trabalham como espiões de Sherlock Holmes, ajudando este a obter informações sobre os mais diversos casos. Ambientada na Londres vitoriana, a série acompanha Billy, Charlie e Black Tom, além do gato Watson, enquanto resolvem mistérios e enfrentam criminosos. As ilustrações são bastante belas, a história apresenta bastante aventura e as personagens são impactantes. Eis uma boa série que imagino no catálogo de uma ASA, de uma Gradiva ou, especialmente, de uma Arte de Autor.
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Álbum Integral (Inclui 12 issues da primeira série mais os 7 issues da segunda série)
Autores: Steve Gerber, Mary Syrenes e Brian Hurtt
Editora: DC - Black Label
Local de compra: FNAC Colombo, Lisboa
Não podendo deixar o universo dos comics americanos de fora desta lista, trago-vos um livro que, pelo seu argumento, estilo e forma, poderia agradar ao público português, desconfio. E mesmo àqueles que não estão tão familiarizados, ou não apreciam, comics. Falo-vos de Hard Time. Embora originalmente publicada há vários anos, ainda no ano de 2004, só recentemente pude entrar neste universo criado por Steve Gerber, quando tropecei numa edição integral - e a um fantástico preço! - na FNAC do centro comercial Colombo. A história acompanha Ethan Harrow, um adolescente de 15 anos que, após uma partida a um colega de escola de quem sofria bullying, vê a situação a sair do seu controlo, o que leva o rapaz a ser condenado a uma prisão de adultos. É já dentro desta prisão de alta segurança, com criminosos da pior rés, que Ethan descobre possuir habilidades psíquicas que se manifestam durante períodos de inconsciência. Num estilo de história que lembra - com as devidas distâncias - clássicos do cinema como Os Condenados de Shawshank ou Sleepers - Sentimento de Revolta, esta é uma impactante história que consegue um bem-vindo equilíbrio entre história de tom mais realista e alguma fantasia à mistura, explorando temas como identidade, redenção e a luta interna de Ethan para compreender e controlar os seus poderes recém-descobertos. Eis um livro que funcionaria particularmente bem no catálogo de editoras como a G. Floy Studio ou a Devir.
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Série em curso com 8 álbuns já publicados
Autores: Lupano e Cauuet
Editora: Dargaud
Local de compra: FNAC Colombo, Lisboa
Tenho a sensação de que assim que os editores portugueses olharem com atenção para este Les Vieux Fourneaux, não tardarão a comprar os direitos de publicação da série para o mercado português. Com argumento de Wilfrid Lupano (de quem a ASA publicou recentemente Um Oceano de Amor ou, há uns anos, a Arte de Autor publicou Branco em Redor) esta é uma série que tem tudo para ser bem sucedida em Portugal! Tendo bastante sucesso em França e contando - para já - com oito volumes publicados, Les Vieux Fourmenaux acompanha as aventuras e desventuras de três amigos de infância septuagenários - Pierrot, Mimile e Antoine - que mantêm um espírito rebelde e revolucionário contra o establishment. São três personagens completamente viciantes, divertidas e bem esculpidas, que criam facilmente uma relação com o leitor. A série até já recebeu adaptação para o cinema. Com diálogos espirituosos e uma crítica social subtil, Lupano e Cauuet oferecem uma narrativa que combina humor, nostalgia e reflexão sobre temas atuais. Os desenhos de Cauuet são bastante modernos e, ao mesmo tempo, apelativos para os fãs da escola clássica Spirou, nos quais eu me incluo. É uma daquelas BDs que dispõe bem, que é leve, que diverte e que nos causa boas sensações enquanto a lemos. Algo que também sinto com, por exemplo, a série Verões Felizes, de Zidrou e Lafebre, publicada por cá pela Arte de Autor. Acredito que as editoras ASA ou Arte de Autor, pelo trabalho demonstrado até agora, seriam boas "casas" para receber este Les Vieux Fourmenaux.
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Álbum Integral (Inclui 2 tomos)
Autores: Díaz Canales, Valero e Lapone
Editora: Norma Editorial
Local de compra: Livraria Cult., Lisboa
Mas que belíssimo livro que tanto merecia ser publicado em Portugal! Melhor dizendo, os portugueses mereciam que este livro fosse publicado por cá! Pela Ala dos Livros, pela Arte de Autor, pela ASA... bem, por qualquer editora. Já aqui falei deste livro, mas tenho que o trazer novamente a este artigo, tendo em conta a qualidade que o mesmo apresenta. Gentlemind é uma banda desenhada da autoria de Díaz Canales (Blacksad e Corto Maltese), Teresa Valero (Contrapaso) e Antonio Lapone, de quem eu não conhecia nada antes de ter lido este livro. Ambientada na Nova Iorque das décadas de 1940 e 1950, a história acompanha o percurso de Navit, uma jovem artista sem recursos que herda a revista de charme "Gentlemind". Determinada a modernizar a publicação e a enfrentar a sociedade machista da época, Navit transforma a revista num reflexo do seu espírito combativo e criativo. Ao longo de três décadas, a narrativa explora o sonho americano sob a perspetiva feminina, abordando temas como a ambição, a identidade e os desafios de se afirmar num mundo dominado por homens. O argumento de Juan Díaz Canales e Teresa Valero, aliado ao traço super inventivo e originalmente distinto de Antonio Lapone, oferece uma visão profunda e sensível da época, destacando a luta e a resiliência de uma mulher à frente do seu tempo. Publicado originalmente em dois volumes, adquiri a versão integral da Norma Editorial na livraria Cult. É um livro absolutamente maravilhoso que merece ser publicado em Portugal.
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Série terminada em 2 tomos
Autores: Homs e Giroud
Editora: Norma Editorial
Local de compra: Kingpin Books, Lisboa
Também já aqui falei deste livro absolutamente fantástico que merecia uma edição portuguesa. A edição da Norma Editorial, que comprei na Kingpin Books, é integral e reúne os dois tomos originais desta mini-série intitulada El Ángelus, da autoria de Homs (ilustrador de Shi) e Girou. Esta é uma banda desenhada que combina mistério, arte e introspecção. A história segue Clovis Chaumel, um representante farmacêutico cuja vida monótona é abalada quando contempla o quadro "El Ángelus", de Jean-François Millet, no Museu de Orsay. Essa experiência desperta nele uma obsessão que o leva a investigar a história da pintura e a relação de Salvador Dalí com a obra, desenterrando segredos familiares e confrontando traumas do passado. Giroud tece uma narrativa envolvente que explora a interseção entre a arte e a vida pessoal, enquanto Homs, com o seu estilo extremamente detalhado e expressivo, dá vida a essa trama complexa, com um conjunto de ilustrações que nos conseguem tirar o fôlego. Homs assume-se como um dos meus ilustradores favoritos de banda desenhada! E este El Ángelus é uma obra maravilhosa que nos serve tudo com um elevado grau de qualidade e profissionalismo: uma história comovente, profunda e surpreendente; e uma arte visual verdadeiramente impressionante e soberba. Este é um livro que estou a imaginar a Ala dos Livros a publicar, até porque já publica a série Shi, da autoria do mesmo Homs.
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Série em curso com 3 álbuns já publicados
Autores: Ethien e Beka
Editora: Dupuis
Multi BD, Bruxelas
Agora que a editora ASA passou a editar a série Spirou - pelo menos, os volumes assinados por Émile Bravo - e que passou a trazer-nos uma proposta mais diferenciada - e de qualidade superior - no que ao lançamento de BD franco-belga diz respeito, acredito que esta Champignac, de Ethien e Beka, que, até ao momento, conta com três volumes, poderia (deveria?) ser editada por cá. A obra centra-se na personagem Pacôme de Champignac, criada por André Franquin na série Spirou e Fantasio. A série combina aventura e história, explorando a vida de Champignac antes da sua associação com Spirou e Fantasio. Não sendo, tecnicamente, um "Spirou de Autor", pois a personagem não chega a entrar na série, poderíamos vê-lo como tal. Apresentando, expectavelmente, uma arte muito em linha com a Escola Spirou, este é um álbum muito bem desenhado e colorido, com o seu inconfundível estilo franco-belga e que, sendo ambientado durante o período da Segunda Guerra Mundial, nos conta a história de como o Conde de Champignac, um jovem cientista, consegue decifrar a máquina Enigma, que havia sido construída pelos alemães para enviarem mensagens secretas entre si. Um livro que, tendo uma abordagem leve, mas muito interessante e inteligente, é claramente para o “grande público” – aquele que lê e compra séries como Astérix, Lucky Luke, Tintin e Blake e Mortimer - e poderia, portanto, ser um sucesso em Portugal.
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Série em curso com 2 álbuns já publicados
Autor: Nicolas Petrimaux
Editora: Glénat
Multi BD, Bruxelas
Cada momento que o público português passa sem conhecer, sem ler, este Il Faut Flinguer Ramirez, é uma oportunidade perdida para uma das bandas desenhadas mais apetecíveis que tive oportunidade de ler nos últimos anos! De todas as obras que apresento neste artigo - e todas elas têm um belo conjunto de razões para por cá serem editadas - esta Il Faut Flinguer Ramirez é a obra que, dado o seu cariz tão abrangente, que mistura ação, comédia, ritmo alucinante, diversão e uma clara homenagem à cinematografia - com o maior piscar de olhos aos filmes de Tarantino que vi acontecer numa banda desenhada - mais potencial teria para ser editada. E isto já para não falar nas ilustrações e cores da obra que são fantásticas da primeira à última vinheta do livro! Não tenho dúvidas que seria (será, se for editada) uma obra de culto, um clássico instantâneo, para os leitores portugueses. Esta banda desenhada da autoria de Nicolas Petrimaux conquistou grande sucesso em França, tendo vencido albuns prémios, e está pensada para ser finalizada em três volumes. Tive a oportunidade de ler os dois primeiros e digo-vos que fiquei automaticamente fã. Como não? Este é um dos livros que tem potencial para agradar a quem lê franco-belga, a quem lê comics americanos e até a quem lê mangá. Trust me! A história que combina ação, humor e referências culturais dos anos 1980, acompanha a personagem Jacques Ramirez, um exemplar empregado mudo de uma empresa de eletrodomésticos, no Arizona. A sua vida tranquila é abruptamente interrompida quando membros de um cartel de drogas o identificam como Ramirez, um notório assassino mexicano, começando então uma perseguição implacável. Este é um daqueles livros que funcionaria bem no catálogo de qualquer editora portuguesa. Porém, pelo seu género narrativo, diria que o veria muito bem nas escolhas de uma ASA, de uma G. Floy Studio, de uma A Seita ou de uma Levoir. Enfim... "será de quem o apanhar". E quem o fizer, terá uma obra de sucesso, sem dúvidas.
Viva Hugo, eis a minha lista de títulos que poderiam (e deveriam) ser considerados para edição local (2 obras por autor):
ResponderEliminar1 - BLAST (quadrilogia) e THÉRAPIE DE GROUPE (TRILOGIA) (de Manu Larcenet)
2 - O EXILADO e THE PIT (de Erik Kriek)
3 - SHANGRI-LA e CARBONE & SILICIUM (de Mathieu Bablet)
4 - AÂMA (trilogia) e CHÂTEAU DE SABLE (Frederik Peeters)
5 - THE HIDDEN LIFE OF TREES (adaptação da obra de Peter Wohlleben)
6 - EL CIELO EN LA CABEZA (de Altarriba, García e Moral)
7 - HYPERICUM e CELESTIA (de Manuele Fior)
8 - JAPANESE NOTEBOOKS e THE UKRANIAN AND RUSSIAN NOTEBOOKS (de Igort)
9 - SERVIR LE PEUPLE e COLORADO TRAIN (de Alex W. Inker)
10 - LE MAJEUR e ARZAK: DESTINATION TASSILI - CORPUS FINAL (de Moebius/Jean Girau)…
(E pelo amor da santa, reponham obras do autor no mercado nacional)
Abraço.