quinta-feira, 9 de setembro de 2021

Análise: Wild West 1 - Calamity Jane



Wild West 1 - Calamity Jane, de Jacques Lamontagne e Thierry Gloris

Num ano editorial em que a banda desenhada dedicada ao género western tem sido em número maior do que o habitual, a Ala dos Livros presenteou-nos recentemente com o lançamento de mais uma série de cowboys. Desta vez, a aposta recaiu na série Wild West, dos autores Jacques Lamontagne e Thierry Gloris.

E sendo Wild West um western, não me parece que seja “mais um western”, pois traz consigo algumas características distintivas, procurando ter um pendor muito mais biográfico do que ser simplesmente uma aventura passada no faroeste americano. E talvez seja por isso que cada um dos seus tomos (que, para já, são apenas dois) nos contam a história de figuras do tempo dos cowboys que ficaram famosas. No primeiro tomo, o destaque é Calamity Jane e no segundo tomo - que calculo que a Ala dos Livros venha a publicar nos próximos meses - dá-se destaque a Wild Bill Hickok.


Mas, concentrando a atenção neste primeiro tomo da série, posso dizer que este Wild West 1 - Calamity Jane constituiu mais uma excelente surpresa. Já conhecia a figura – especialmente pela divertidíssima versão de Morris e Goscinny em Lucky Luke – Calamity Jane – mas a verdade é que não conhecia muito do seu percurso pessoal da protagonista deste livro. Aquilo que a fez tornar-se em Calamity Jane.

Até porque, convenhamos, Calamity Jane nem é o seu nome de baptismo. Na verdade, esta mulher desprovida de sorte nasceu como Martha Cannary. Tendo ficado órfã em tenra idade, viu-se na necessidade de trabalhar num bordel. Aos 16 anos já é “mulher das limpezas” num bordel, mas acaba mesmo por ter que prostituir o seu corpo perdendo, deste modo, o único bem que conservava: a sua dignidade.

Nisto, entra em cena o caçador de recompensas Wild Bill Hickok – aquele a que o segundo título desta série é dedicado, conforme já referi – que ajuda Martha a perceber um conceito chave do faroeste: com uma arma e coragem suficiente para a usar, qualquer um se pode tornar forte e temível perante os demais. Até mesmo uma mulher aparentemente fraca e só. E será, quiçá, esta lição que fará com que Martha se torne Calamity, incentivada por um desejo de vingança e movida por um enorme conjunto de humilhações, violações, desrespeito e momentos trágicos a que a sua vida tem sido pautada. Este Wild West 1 - Calamity Jane é, pois, uma obra de introdução à personagem, que nos explica de onde ela vem e qual foi o seu percurso inicial antes de se tornar Calamity Jane.


Trata-se de um relato triste, dramático e faz-nos sempre antever um momento de catarse que faça Martha transformar-se em Calamity. Eventualmente esse momento acontece e traz consigo o ponto alto da narrativa. Julgo que, em termos de argumento, a tal parte da revelação podia ter sido mais bem trabalhada e gerida pelo autor. Fiquei por vezes com a ideia que havia uma certa aleatoriedade nos acontecimentos. Mas, mesmo dito isso, não deixa de ser verdade que, também em termos de argumento, estamos perante uma boa leitura que nos mantém embrenhados no desenlace narrativo.

A história passa-se após a guerra civil, em que se registou um enorme êxodo em direção ao Oeste americano, impulsionado pela construção da linha férrea que ia sendo gradualmente construída, de forma a ligar a costa este à costa oeste. Um tema interessante – este da construção da linha férrea – que também é abordado no fantástico western O Último Homem…, de Jérôme Félix e Paul Gastine, que a Gradiva publicou este ano.


Se o argumento de Wild West 1 - Calamity Jane é interessante, a arte que acompanha esta obra é, no mínimo, entusiasmante. O traço realista de Lamontagne é virtuoso e perfeito para ilustrar com mestria o faroeste e as suas gentes. A juntar a isto tudo, este é um álbum com um trabalho fantástico de cores que dá primazia a efeitos de luz verdadeiramente espetaculares. Aquele sol de tons alaranjados do oeste americano aparece aqui retratado de forma exímia. As expressões das personagens, a sua linguagem corporal, enfim tudo é feito com bastante rigor e talento por parte do autor. Um daqueles livros que sabe como "encher o olho" a um leitor. 

Destaque para a ilustração dos cenários por parte de Lamontagne que é verdadeiramente fabuloso e que funciona, até, como um postal histórico do Velho Oeste americano. A planificação também apresenta bastante dinamismo, com a presença de vinhetas de diferentes tamanhos. Saliente-se a boa aposta do autor em nos presentear, várias vezes, com grandes vinhetas que ocupam metade de uma prancha e que são representativas dos locais onde é ambientada a história.


Quanto à edição da Ala dos Livros, a qualidade do trabalho da editora volta a fazer-se notar. Capa dura, papel brilhante de máxima qualidade, boa impressão, boa encadernação, enfim, tudo bem feito. 

A editora optou por colocar um círculo na capa com a descrição: “Calamity Jane – As Origens de uma Lenda do Oeste”. Percebo a opção comercial desta iniciativa, que tenta desde logo apelar a interessados em história ou no estilo western, mas não creio que tenha beneficiado visualmente a capa que tem, diga-se, uma ilustração muito bonita, em estilo de "quadro-retrato" de Calamity Jane.

Em conclusão, este é mais um excelente livro da Ala dos Livros. Obrigatório para fãs do género western e muito recomendável para qualquer fã de uma boa história dramática em banda desenhada. Wild West é mais uma ótima aposta que vence e convence. Não deixem de o ler.



NOTA FINAL (1/10):
9.2

Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020

-/-


Ficha técnica
Wild West 1 - Calamity Jane
Autores: Jacques Lamontagne e Thierry Gloris
Editora: Ala dos Livros
Páginas: 56, a cores
Encadernação: Capa dura
Lançamento: Setembro de 2021

4 comentários:

  1. Concordo com praticamente tudo, só falta nesta edição uns extras - tipo umas matérias históricas, ao estilo com o que a Gradiva faz com a coleção dos Mitos, por exemplo.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Obrigado pelo comentário, Miguel. Sim, concordo que um pequeno dossier de extras poderia ter funcionado bem.

      Eliminar
  2. Eu percebo mas mem todos os livros podem ter extras e dossiers. Ou porque esse material não existe simplesmente, ou porque iria alterar a montagem/paginação - seria o caso -, ou porque não é permitido. Ou porque não faz falta.
    Neste caso acho que a explicação da personagem poderia fazer sentido mas não foi feita na edição original.
    Em relação ao,"selo" acho curioso não comentarem o inverso. A AL por regra não coloca sequer logotipo nas capas por uma questão de respeito ao desenho na maioria dos casos. Neste caso toda a capa poderia remeter facilmente para uma obra em lingua francesa ou inglesa ou outra qualquer. A contracapa tem texto PT mas a capa não. O selo foi a opção de forma possível para marcar na capa a edição nacional.
    Um autocolante ou tira seria mais complexo.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Caro Ricardo, obrigado pelo comentário que dá boas explicações sobre a edição da obra. Sim, de facto, na edição original de Wild West não há qualquer dossier de extras. Ainda assim, considero que poderia ter sido útil. Quanto à questão do "selo", a opção da Ala dos Livros compreende-se e aceita-se totalmente. Um abraço e continuem o fantástico trabalho de edição.

      Eliminar