Se, tal como em alguns desportos, houvesse uma seleção portuguesa de esperanças de criadores de banda desenhada, estou certo que os irmãos Gandum marcariam sempre presença na lista de convocados. É que, sendo ainda tão jovens, vê-se uma progressão natural na forma como vão evoluindo a sua forma de contar uma história em banda desenhada e, além disso - e, possivelmente, mais importante do que isso até – parecem sentir-se como "peixe na água" nesta sua temática - sobre o Congo histórico e seus "monstruosos animais" - que é original e fora da caixa.
Desta vez, em Amélia: Uma História do Congo, acompanhamos o percurso de Amélia Valim, uma das enfermeiras ao serviço do missionário Rogério Fonseca, que sofrerá várias privações, num ambiente tão hostil como a selva do Congo, que a levarão a ter que ultrapassar traumas e tragédias.
De uma forma geral, Amélia: Uma História do Congo é uma obra interessante e bem conseguida. Todavia, não posso deixar de concluir que fica alguns furos abaixo do fantástico Congo II. E isso está patente quer no trabalho de Duarte, quer no trabalho de Henrique. Embora, quanto a Henrique, isso seja um pouco menos evidente e, possivelmente, mais subjetivo. Mas já lá irei.
Porque, quanto ao argumento, e ainda que a história de Amélia, sendo um spinoff da série principal Congo, funcione de forma independente, dando para ler perfeitamente sem se ter lido nenhum dos outros dois livros, pareceu-me algo perdido em si mesmo. Se olharmos para o facto do livro ter apenas 33 pranchas de bd, parece-me que Duarte Gandum poderia ter equacionado um argumento mais linear, com um desenvolvimento mais simples e mais direto. Ao invés, o autor dá-nos um argumento com algumas boas ideias e que permite traçar um bom retrato da personagem principal mas, ainda assim, com várias pontas soltas. Parece quase que o autor tinha pensado numa história com 100 pranchas mas que acabou por ter apenas 33. E que, por esse motivo, a história não se consegue fechar em si mesma de forma totalmente conveniente. Se a ideia fosse continuar a história de Amélia em muitos mais álbuns, eu não estaria a levantar estas objeções. Mas, e tendo em conta que a obra é apresentada como um one shot, auto-contido, então a história poderia estar mais bem talhada. Não obstante, gostei da forma como Amélia, a protagonista, é uma personagem bem construída, com um carácter e uma atitude muito próprias e que acaba por ser colocada pelo o autor em diversas situações que exigem uma reação da personagem face às mesmas. É nesse ponto, quanto a mim, que Duarte Gandum aparece mais inspirado neste livro.
Já quanto às ilustrações de Henrique Gandum, é admirável o trabalho que o autor tem vindo a desenvolver. Olhando para o primeiro Congo e para este Amélia é quase incrível a evolução do autor. Voltando à metáfora desportiva, parece que Henrique Gandum começou a jogar num Beira Mar e que rapidamente passou para o SL Benfica (ou para o Sporting CP, ou para o FC Porto, vá, para não criar guerras entre os três grandes). O que quero dizer é que Henrique Gandum rapidamente ascendeu a uma outra liga, a uma outra classe, em termos de ilustrações, planificação de páginas, caracterização das expressões das personagens, etc. E isso até aconteceu logo na passagem de Congo I para Congo II, tenho que reconhecer.
Porque, quando peguei neste Amélia: Uma História do Congo, até já estava à espera desta evolução de Henrique Gandum. E vou mais longe e reconheço até que o autor não nos dá vinhetas tão impressionantes como em Congo II. Por esse motivo, até sou capaz de ficar mais rendido a Congo II do que a Amélia, em termos de arte ilustrativa. No entanto, não posso deixar de reconhecer que Henrique Gandum está mais maduro nas suas ilustrações e sendo este Amélia menos propenso à ação e aos animais monstruosos, e mais focado nas personagens, nas suas relações e nas suas demandas, esta acaba por ser uma história mais humana onde o objetivo seria muito mais focar-se em Amélia, a personagem, do que dar-nos uma aventura muito emocionante. Portanto, assim sendo, seria muito importante que Henrique soubesse ilustrar bem as expressões das personagens para conseguir transmitir essa aura mais emocional desta obra. E consegue-o muito bem. As personagens, especialmente Amélia, estão bem conseguidas, não se confundido minimamente entre si – algo que acontecia em Congo I, por exemplo – e transmitindo as expressões que importa transmitir. Um excelente trabalho nesse cômputo.
Depois, se é verdade que, por vezes, ainda se denota alguma rigidez no traço do autor para a ilustração de movimento e da linguagem corporal das personagens, já em termos de aplicação da cor, Henrique Gandum parece estar no pleno das suas faculdades neste Amélia. Parece-me que o autor encontrou a segurança e os procedimentos certos para colorir, com graciosidade e beleza, os seus desenhos.
Assim, temos uma diversidade muito grande de diferentes ambientes e cenários – especialmente se tivermos em conta que é um livro curto em número de páginas. Dias solarengos e claros, selvas verdejantes, pores do sol alaranjados, cenas nocturnas à luz das fogueiras ou cenas onde impera a verdadeira escuridão. Em todos estes tipos diferentes de cena, as cores – e o subjacente jogo de luz e sombra – asseguram um trabalho coeso por parte de Henrique Gandum.
Olhando para a edição, que é assegurada em parceria com a Mudnag – editora dos irmãos Gandum - e a Ego Editora, devo dizer que achei bastante bem conseguida. Pela primeira vez, uma obra dos Gandum apresenta capa dura – que já por mim tinha sido sugerida para os próximos lançamentos da série Congo – que contribui para o bom aspeto do objeto livro.
O grafismo/design do livro está bastante interessante e o papel utilizado é brilhante e de boa qualidade. Destaque positivo para um pequeno texto de introdução ao universo de Congo – que acho sempre positivo para situar os que não leram as obras anteriores.
Nota ainda para a capa – da autoria de Margarida Matias – que está muito bem conseguida e apelativa. Infelizmente, na impressão, ficou com tons bem mais escuros do que o pretendido.
Em suma, Amélia: Uma História do Congo, da dupla portuguesa formada pelos irmãos Gandum, mesmo não correspondendo à totalidade das minhas expetativas que tinham sido alimentadas pelo fantástico Congo II, é, ainda assim, um livro interessante de bd que merece ser conhecido enquanto aguardamos com ansiedade pelo terceiro volume da série principal.
NOTA FINAL (1/10):
7.9
Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020
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Amélia: Uma História do Congo
Autores: Duarte e Henrique Gandum
Editora: Mudnag e Ego Editora
Páginas: 40, a cores
Encadernação: Capa dura
Lançamento: Agosto de 2021
Não concordo que os próximos vol.s de ´´Congo´´ devam ser em capa dura por uma simples razão,...esses ´´futuros´´ vol.s vão se diferenciar dos dois primeiros-que foram em capa mole com badanas. Vai ficar ´´estranho´´ na estante. Ou faziam todos em capa dura ou em capa mole, agora ficarem uns diferentes dos outros, não! E atenção que não tenho nada contra o capa dura, até gosto e prefiro.
ResponderEliminarAh, sim! Se calhar não me expressei bem. O que eu sempre achei é que a série deveria ter sido editada, desde o início, em capa dura. Acho que a obra merecia-o. Por uma questão de coerência, também sou da opinião que o próximo volume deverá manter-se em capa mole.
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