A chancela Fábula, pertencente ao grupo editorial 20|20, lançou recentemente a adaptação em banda desenhada do romance Ana dos Cabelos Ruivos, originalmente publicado por Lucy Maud Montgomery. A adaptação para bd é feita por Mariah Marsden, ao nível dor argumento. Brenna Thummler, por sua vez, assegura as ilustrações desta obra.
A história será conhecida por muitos. Mesmo aqueles que nunca leram a obra original. Lembro-me que durante a minha infância os desenhos animados Ana dos Cabelos Ruivos que passavam no Canal 2 (RTP), no programa Agora Escolha, que era apresentado por Vera Roquette, tinham bastante sucesso entre as crianças portuguesas. Sendo uma história direcionada para um público mais feminino, diria, assume-se não obstante como um bonito conto sobre a infância, sobre o amadurecimento e o crescimento da idade jovem para a idade adulta. E, portanto, considero que pode e deve ser uma leitura para todos. Para um público feminino e para um público masculino. Para um público jovem e para um público adulto.
A história desenrola-se no século XIX, numa paisagem rupestre do Canadá. Ana Shirley, uma órfã de 11 anos, com umas compridas tranças ruivas, a quem a vida não tem corrido propriamente bem, é enviada para a quinta Green Gables, da família Cuthbert. Mas há um equívoco neste envio. Porque a ideia original da família Cuthbert – constituída unicamente pelos dois irmãos, Marilla e Matthew Cuthbert – era adotar um rapaz, de forma a que este pudesse ajudar com o trabalho na quinta.
Quando verificam que lhe foi enviada uma rapariga, em vez de um rapaz, a primeira reação de Marilla, é fazer uma devolução de Ana. E chega mesmo a encetar essa demanda. Mas depois, movida por compaixão e, quiçá, um palpite que esta Ana poderá ser especial para a vida desta família, Marilla decide não devolver a rapariga. E é então que rapidamente Ana Shirley passa a ocupar um lugar de destaque na vila de Avonlea.
Sendo uma autêntica enfant terrible, que diz aquilo que pensa, sem pensar nas consequências, depressa Ana Shirley tomará de assalto todos aqueles que a rodeiam. Mas, ao mesmo tempo, e é isso que mais aprecio no romance original e nesta adaptação, Anne começa a conquistar tudo e todos. Primeiro os leitores que lêem as suas aventuras. E, depois, as próprias personagens que navegam à volta da meninas dos cabelos ruivos.
Afinal de contas, Ana é uma clara e bela representação daquilo que é ser-se criança: os dramas, os sonhos, a imaginação, as travessuras, a alegria, o contentamento, a tristeza, o desapontamento, a ingenuidade e a pureza. Sendo pai de duas crianças meninas, devo dizer que olhei para esta história com todo um novo gosto e paixão pela infância, mas vista pelos olhos de uma menina.
Mariah Marsden adapta de forma convincente a obra original, sabendo dividi-la e ritmá-la a seu belo prazer. Acho, pois, que os momentos desta história estão muito bem conseguidos. O ritmo é lento e vai permitindo que o leitor comece a estabelecer uma relação com as personagens. É um caso claro em que o número - bastante generoso - de 232 páginas, ajuda a que isto aconteça. Esta história talvez até pudesse ser contada em 60 páginas de banda desenhada. Mas não seria a mesma coisa e dificilmente se alcançaria esta tal relação que refiro entre leitores e obra.
Quanto à arte ilustrativa, o estilo é moderno e parecendo derivar mais do álbum ilustrado do que da banda desenhada. Mas, à medida que vamos lendo a obra, isso não será de todo verdade. Porque a autora, Brenna Thummler, até demonstra bastante talento em contar uma história por sequência visual, recorrendo a vários planos criativos de detalhe e uma boa – embora simples – utilização de câmara.
Dito isto, tenho porém que admitir que seria difícil desenhar Ana Shirley, a protagonista, mais feia. Bem sei que a personagem se sente feia mas, a meu ver, baseado na interpretação que faço da obra, nunca é dito que Ana era feia mas sim que se sentia feia. E há uma enorme diferença nisso, pois estamos a falar de uma criança que se observa com todas as inseguranças próprias da infância. Portanto, acho que não seria necessário desenhar Ana de forma tão feia. As outras personagens não são muito bonitas mas Ana, com olhos inexpressivos que mais parecem duas ervilhas e um nariz que parece aqueles que utilizamos no carnaval, consegue atingir um marco de “feiura” grande. É um "estilo de desenhar", bem sei, e alguns até poderão adorar. No meu caso, que até me considero bastante liberal em abordagens visuais fora da caixa, foi um pouco penoso aceitar uma protagonista tão deliberadamente feia.
Todavia, também é verdade que há depois muitos momentos onde a autora Thummler se destaca pela positiva nas ilustrações com que nos brinda. Que são as vinhetas que ocupam toda uma página. Que rapidamente remetem para um livro ilustrado mas que são de uma beleza muito agradável aos olhos. Nas expressões faciais, na sensação de movimento, na linguagem corporal ou nos próprios personagens, a autora até pode não fazer um trabalho que considero bom mas, na ilustração de belas paisagens campestres, que nos fazem viajar para toda essa ambiência bucólica onírica, tenho que dar a mão à palmatória e admitir que este é um livro muito bem conseguido. E, lá está, quando se termina a leitura da obra, talvez até sejam estes ambientes que ficam na nossa retina. E não o nariz e os olhos feios de Ana Shirley.
A edição da Fábula (20|20 Editora) está muito bem conseguida. O livro tem uma encadernação bastante consistente, com capa dura e bom papel brilhante. Talvez o papel baço pudesse funcionar melhor para o tipo de banda desenhada, e respetiva arte visual, que temos em mãos. Todavia, digo isto sem conhecer a edição original que até pode já ter sido editada em papel brilhante. Seja como for, e gostos à parte, a edição da obra apresenta especial cuidado e aprumo.
Em conclusão, este foi um livro que me foi conquistando aos poucos. E depois de ultrapassada uma certa incapacidade (ou opção estética?) de Brenna Thummler para ilustrar as expressões faciais das personagens – em especial, as de Ana – até estamos perante um livro bem conseguido. Enquanto adaptação funciona bem, traçando-nos a personalidade e aventuras de Ana Shirley de forma inequívoca. E como novela gráfica, livro de banda desenhada, também é uma aposta interessante. Ao início torci o nariz, é certo, mas acabei a leitura desta obra com um sorriso na cara e uma boa sensação. Primeiro estranha-se. Depois entranha-se.
NOTA FINAL (1/10):
7.6
Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020
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Ana dos Cabelos Ruivos: Novela Gráfica
Autoras: Mariah Marsden e Brenna Thummler
Adaptado a partir da obra original de: Lucy Maud Montgomery
Editora: Fábula (20|20 Editora)
Páginas: 232, a cores
Encadernação: capa dura
Lançamento: Setembro de 2021
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