sexta-feira, 31 de dezembro de 2021

Os prémios VINHETAS D'OURO 2021 estão quase a chegar!!!



O Vinheta 2020 não deixa o ano 2021 acabar sem uma revelação que, certamente, vos vai deixar felizes: os prémios VINHETAS D'OURO estão quase a chegar!

Depois de uma primeira edição muito querida por parte de leitores, autores, editoras e crítica - que vos convido a rever, através deste link - estou neste momento a preparar aquela que será a segunda edição destes prémios, que, mais uma vez, procurará eleger a melhor banda desenhada que foi lançada em Portugal, durante o ano de 2021.

E haverão algumas novidades, que anunciarei brevemente.

Para já, deixo-vos apenas com os votos de que o ano 2022 seja, em tudo, melhor do que o ano 2021.

E que continuem a ler muita banda desenhada. De preferência, editada em português de Portugal.

Aqui por casa, mesmo que possa parecer que tenho andado desaparecido nas últimas semanas, posso dizer que tenho lido muita(!) banda desenhada nos últimos dias e que, aos poucos, assim que consiga, vou fazer as devidas análises às obras lidas. Paralelamente, também tenho estado a preparar as bases para os próximos VINHETAS D'OURO!

Fiquem atentos!

Vemo-nos no próximo ano!

Até já.

segunda-feira, 20 de dezembro de 2021

Passatempo: Verões Felizes - Já temos o vencedor!



Já temos o vencedor do mega-passatempo que oferecia, não um, não dois, mas três livros da fantástica série Verões Felizes, da autoria de Zidrou e Jordi Lafebre! Bem, na verdade, como os livros são duplos, são os 6 álbuns que compõem a série completa, que o Vinheta 2020 e a Arte de Autor tinham para oferecer.

Este foi um passatempo muito concorrido, onde os participantes demonstraram ser muito criativos. Posso dizer que escolher a melhor frase não foi, de todo, fácil, dada a qualidade e criatividade dos participantes e precisei da ajuda da editora Vanda Rodrigues para encontrar o vencedor. 

Isto porque alguns dos participantes até fizeram inúmeras participações o que também nos permite perceber que a série Verões Felizes apela a muita gente e que este era um prémio muito desejado!

Mas, infelizmente, só uma pessoa podia ganhar e essa pessoa é:


Nuno Carvalho


Com a seguinte frase:

o "Vinheta 2020" e a "Arte de Autor"
uniram-se para me provocar
tem a série "Verões Felizes"
e não sei como a ganhar
passo horas a pensar
dias sem dormir
resmas a rabiscar
para uma frase sair
falta-me a inspiração
aquele toque original
e não vejo outra solução
senão apelar ao Pai Natal !


Não será necessário apelar ao Pai Natal porque esta série já é tua, Nuno. Muitos parabéns!


E obrigado a todos os outros pelas suas fantásticas participações.

Fiquem atentos a novos passatempos.

Boas festas a todos!



Guia de Compras de Natal 2021 - 3 Livros por Editora



A poucos dias do natal, muitos dos que me lêem já terão feito as suas compras de natal. Outros, terão ainda pela frente, nos próximos dias, essa azáfama das prendas de natal.

Por isso, e tal como no ano passado, este ano volto a preparar um Guia de Compras de Natal para aqueles que ainda estão indecisos.

Relembro que este foi dos melhores ano de sempre no lançamento de boa banda desenhada em Portugal. Houve coisas negativas, como o desaparecimento da coleção de novelas gráficas da Levoir, ou a extinção dos lançamentos DC - ou, mesmo, dos lançamentos Marvel, que quase não existiram. Para os fãs dos super-heróis dos comics, foi um ano fraquinho, reconheço. 

Porém, para os apreciadores de banda desenhada franco-belga, julgo mesmo ter sido o melhor ano de sempre em Portugal, face à qualidade das obras editadas. Houve lançamentos para todos os gostos. Recuperação de séries de excelente qualidade que tinham ficado para trás e a aposta em novas obras de qualidade superior. Para o lançamento de obras portuguesas, foi um bom ano, também.

A saber: não quer dizer que os livros que apresento abaixo sejam aqueles que considero os melhores livros de cada editora. São apenas 3 livros que foram lançados em 2021 e que considero excelentes compras por serem, a meu ver, obrigatórios numa boa biblioteca de banda desenhada. Simplesmente, impus-me a regra de 3 livros por editora. E em alguns casos, foi difícil deixar de fora algumas obras de muita qualidade.

Este ano, retirei da minha lista as editoras Devir e a Levoir, simplesmente porque achei a sua oferta de banda desenhada bastante parca, não obstante o facto da Devir ter sido a principal editora de mangás - que eu pouco domino, reconheço - e o facto da Levoir ter lançado, ainda assim, 14 livros com a sua coleção Clássicos da Literatura em BD.

Deixo-vos, então, mais abaixo, o meu Guia de Compras de Natal para 2021.

Boas festas a todos e lembrem-se: leiam e ofereçam BD.

sexta-feira, 17 de dezembro de 2021

Análise: Tango #2 – Areia Vermelha

Tango #2 – Areia Vermelha, de Philippe Xavier e Matz - Gradiva

Tango #2 – Areia Vermelha, de Philippe Xavier e Matz - Gradiva
Tango #2 – Areia Vermelha, de Philippe Xavier e Matz

A Gradiva tem apostado fortemente nesta série. Em poucos meses, já lançou três álbuns. O que me faz antever que as vendas assim o justificam. E vender-se bem banda desenhada – seja ela qual for – é sempre uma boa notícia para nós, amantes de bd. Significa que há leitores compradores, o que, consequentemente, pode levar a uma maior aposta das editoras em novos lançamentos. Fico, portanto, feliz que Tango esteja, aparentemente, a ter sucesso.

Olhando para este segundo tomo, devo admitir que senti alguma desilusão com a obra, após um primeiro tomo, já aqui analisado, que, não sendo perfeito, acalentou as minhas esperanças numa banda desenhada com várias boas ideias. Este Areia Vermelha é um livro que se lê bem, mas que poderia ser muito melhor. Especialmente em termos de argumento.

Tango #2 – Areia Vermelha, de Philippe Xavier e Matz - Gradiva
Neste segundo tomo, continuamos a acompanhar a personagem carismática de John Tango que, desta vez, fazendo-se acompanhar pelo seu amigo Mário, visita o seu avô a uma pequena ilha das Caraíbas. O encontro entre neto e avô dá-se com satisfação e surpresa do mais velho. E embora pareça que o avô de John Tango viva num autêntico paraíso tropical, depressa se verifica que os poucos habitantes daquela pequena ilha enfrentam sérios problemas devido ao seu lugar ter começado a ser cobiçado por traficantes de droga, que querem utilizar a ilha com ancoradouro para o seu tráfico de droga. 

John Tango vê-se assim - e novamente - forçado a intervir. Entretanto, existe uma rapariga na ilha, Alma, com quem Tango não estava há muitos anos e que, com o passar do tempo, se tornou numa bela e mulher. E pronto, basicamente, são estas as bases do argumento traçado por Matz neste Areia Vermelha.

Mas é tudo feito de uma forma tão superficial que chega a fazer-me alguma confusão. Os eventos e, especialmente, os diálogos são bastante pobres, denotando pouca inspiração por parte do autor. Considero até que há um subaproveitamento das páginas do livro com eventos não tão importantes assim a receberem mais destaque do que mereciam. Por exemplo, quando, logo no início do livro, Mário faz uma curta paragem na viagem de barco para ir a um bar e conhecer uma mulher, isso não traz absolutamente nenhuma mais valia à história, propriamente dita, e são 3 páginas inteiras do livro que se gastam com um não-acontecimento. Nem sequer essa mulher ou essa experiência de Mário trazem nada de especial ao enredo, exceptuando uma pequena graçola – não muito espirituosa – no final do livro. 

Tango #2 – Areia Vermelha, de Philippe Xavier e Matz - Gradiva
No entanto, quando mais à frente morre uma personagem na história – que não digo qual é, para não fazer um spoiler a ninguém – a maneira como as outras personagens reagem a esse acontecimento, parece-me demasiado afastada e fria, não batendo a "bota com a perdigota", entre as consequências de um acontecimento e a forma como as personagens reagem a esse acontecimento. 

Há, portanto, uma superficialidade na forma como o argumentista trabalha as personagens. A própria obrigatoriedade de Tango ter, novamente, um episódio romântico parece-me, mais uma vez, bastante forçada. Dá a ideia de que as coisas acontecem só porque sim, como se fosse para “cumprir calendário”. 

Se formos a ver bem, já no primeiro tomo, eu registei algumas dúvidas quanto à banda desenhada. No entanto, nesse caso, a meio do livro houve todo um regresso ao passado da personagem de John Tango, que achei inspirado e mais profundo e que, de certa forma, salvou esse primeiro livro, tornando-o muito melhor do que este segundo tomo. Como neste Areia Vermelha não há um regresso ao passado ou uma qualquer outra tentativa de character building mais inspirada como houve no tomo anterior, isso leva a que a história seja manifestamente inferior.

Tango #2 – Areia Vermelha, de Philippe Xavier e Matz - Gradiva
Quanto à arte ilustrativa, temos um livro em linha com aquilo que já nos tinha sido dado no tomo anterior, pelo autor Philippe Xavier. Num traço franco-belga que nos remete para outras séries clássicas como Largo Winch ou XIII, os desenhos de Xavier cumprem a tarefa de nos contar a história de forma satisfatória. Repito, por isso, aquilo que escrevi por altura de Tango #1: "embora as ilustrações de Xavier tenham um aspeto geralmente bem apelativo, se formos ao pormenor, encontraremos a falta disso mesmo: de pormenores. Com efeito, é verdade que as personagens são bastante bem desenhadas e que, no cômputo mais direto, este é um daqueles livros que, quando abertos, parecem ter desenhos espetaculares. Um olhar atento permitirá ver que talvez não sejam espetaculares, mas lá que são globalmente bem conseguidos, lá isso são. Penso que se os cenários fossem, por vezes, mais detalhados, estaríamos perante uma experiência ainda mais impactante, em termos da nossa imersão nas ilustrações do autor Xavier. Não obstante, e com a arte ilustrativa ajudada por uma boa aplicação de cores, que oferece ao conjunto total um cariz moderno, acho justo admitir que, visualmente falando, e mesmo sem ser deslumbrante, Tango consegue ser apelativo."

Tango #2 – Areia Vermelha, de Philippe Xavier e Matz - Gradiva
Olhando para a edição da Gradiva, o trabalho também está em linha com aquilo que a editora tem vindo a lançar nos seus livros de banda desenhada franco-belga: capa dura e baça, papel brilhante de boa gramagem, boa encadernação e boa impressão. Nada a apontar. Ao contrário do primeiro livro da série, aqui não há um pequeno dossier de extras.

Insisto também no facto da legendagem desta banda desenhada, com balões que ocupam espaço a mais nas vinhetas, letras demasiado grandes e um espaçamento muito alargado entre palavras, me fazer uma certa confusão. Parece feito propositadamente para pessoas com problemas de visão. E não estou a fazer nenhuma piada, dizendo isto. É mesmo o que me parece. De qualquer maneira, como já é o segundo álbum da série, também compreendo que agora não se vá mudar esta questão. Foi uma opção, vá.

Em conclusão, este segundo tomo de Tango fica uns furos abaixo do primeiro volume que apresentou algumas boas ideias e, acima de tudo, a criação de um protagonista emblemático. Pelo lado positivo, destaca-se o bom comprometimento da Gradiva nesta série que, em pouco tempo, já vê 3 dos seus 6 volumes publicados em Portugal.


NOTA FINAL (1/10):
6.8


Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020



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Tango #2 – Areia Vermelha, de Philippe Xavier e Matz - Gradiva

Ficha técnica
Tango #2 – Areia Vermelha
Autores: Philippe Xavier e Matz
Editora: Gradiva
Páginas: 72, a cores
Encadernação: Capa dura
Lançamento: Setembro de 2021

quinta-feira, 16 de dezembro de 2021

Análise: Long John Silver (Série Completa)

Long John Silver (Série Completa), de Xavier Dorison e Matthieu Lauffray - ASA e Público

Long John Silver (Série Completa), de Xavier Dorison e Matthieu Lauffray - ASA e Público
Long John Silver (Série Completa), de Xavier Dorison e Matthieu Lauffray

Quando soube que a ASA iria lançar, com o jornal Público, a mini-série Long John Silver, de Dorison e Lauffray, constituída por 4 volumes, eu não poderia ter ficado mais contente! Por vários motivos, até: primeiro, porque é uma série muito boa, muito bem pensada e desenvolvida pelos seus autores; em segundo lugar, porque se encontrava, inexplicavelmente, inédita em Portugal; e terceiro, porque é mais um passo da editora ASA num caminho de edição de banda desenhada que me parece o mais adequado.

Começo até por aí. Mesmo que possa admitir que já houve alguns anos em que a ASA lançou séries muito boas com o jornal Público, não me recordo de nenhum ano tão bom como este. Na passagem de 2020 para 2021 a editora editou a surpreendentemente boa série RIO. Depois, a meio deste ano, lançou a maravilhosa série Peter Pan, de Régis Loisel, que, lamentavelmente, nunca tinha sido integralmente editada em Portugal. E, agora, mais no final do ano, lança este Long John Silver. Que ano fantástico para a parceria ASA/Público! O melhor de sempre, estou certo!

Long John Silver (Série Completa), de Xavier Dorison e Matthieu Lauffray - ASA e Público
E que assinala uma coisa que me faz ficar esperançoso para os próximos tempos: a ASA parece estar a mudar a sua forma de lançar séries de banda desenhada com o Público. Nada tenho contra o facto da editora ter lançado, em outros anos, séries do espectro franco-belga mais clássico - como Blueberry ou Spirou, que agora me vêm à memória, e que eu até mesmo as comprei. Não obstante, do ponto de vista editorial, era sempre uma aposta algo bafienta, demasiado clássica, que mantinha a mesma fórmula, não trazendo nada de verdadeiramente novo para o catálogo da editora. Com este trio de séries curtas franco-belgas de 2021 – RIO, Peter Pan e Long John Silver – a editora e o Público demarcaram-se dos anos anteriores. E para muito melhor.

De futuro, é continuar a trilhar este caminho!

Falando agora mais concretamente de Long John Silver, posso dizer que é uma série com um enorme fulgor narrativo e um desenho carregado de alma e emoção, a que os amantes de boa banda desenhada franco-belga terão dificuldade em resistir. Ambientada no tempo dos piratas, a história é como que uma continuação da vida do pirata Long John Silver, uma personagem originalmente concebida por Robert Louis Stevenson no seu clássico da literatura A Ilha do Tesouro.

A história deste Long John Silver, sendo independente, e podendo ler-se sem se conhecer, sequer, A Ilha do Tesouro, continua exatamente a partir do momento em que a história de Stevenson termina.

Long John Silver (Série Completa), de Xavier Dorison e Matthieu Lauffray - ASA e Público
Depois de regressar da ilha do tesouro, o pirata Long John Silver abriu uma pousada em Bristol. É claro que sendo “o maior pirata de todos os tempos”, a sua carreira como estalajadeiro não seria, nunca, muito demorada. E quando a bela e sensual Lady Vivian Hastings lhe propõe um trabalho que o levará ao encontro de um dos maiores tesouros de sempre, de Huayna Capac, no Peru, Long John Silver não tem muitos problemas em dizer SIM a este convite. É a partir daí que começa uma épica viagem pelo oceano Atlântico, sempre cheia de atribulações, até às terras do império inca, apoiada num bom enredo, que nos traz personagens cativantes e misteriosas.

Se a personagem de Long John Silver é a “estrela do show” e nos parece cativar de vinheta para vinheta, Lady Vivian Hastings (também) é verdadeiramente magnífica. Ela é uma das personagens femininas mais carismáticas e emblemáticas de todas as bandas desenhadas franco-belgas que já li. Vivian é má, mas com uma índole boa. Temível, mas temerária. Sensual, mas vingativa. Presa, mas caçadora. Vilã, mas heroína, ao mesmo tempo. O tipo de personagem a que é difícil ficar indiferente. Aliás, com efeito, se poucas são as minhas queixas com esta excelente banda desenhada, uma delas é que Lady Vivian Hastings vá perdendo algum do seu protagonismo ao longo dos quatro volumes. No primeiro volume é ela a grande estrela da série, mas, com alguma pena minha, e gradualmente, daí em diante Dorison parece centrar-se apenas na personagem de Long John Silver e “esquecer”, de certa forma, esta fantástica personagem feminina.

Long John Silver (Série Completa), de Xavier Dorison e Matthieu Lauffray - ASA e Público
O mistério está sempre constante nesta obra. Mistério sobre o famigerado ouro de que tanto se fala, mistério sobre Lord Hastings, o esposo de Vivan, mistério sobre o local para onde a tripulação ruma, mistério sobre a enigmática personagem do índio Moc ou, claro, dos próprios Long John Silver e Lady Vivian Hastings. A leitura é feita com um ligeiro sobressalto pois estamos sempre à espera que alguma personagem possa morrer ou nos possa fazer uma enorme revelação. Tal como a tripulação do Neptuno, também nós navegamos rumo ao desconhecido nesta banda desenhada.

Ainda falando sobre o argumento, bem estruturado, e com muitas camadas para irmos desembrulhando ao longo da nossa leitura, lamento apenas que a parte final – o último volume – pareça ter sido feito um pouco mais “à pressa”. A resolução da história é boa, assinale-se, mas pareceu-me algo abrupta e um pouco à pressão, por vezes. Embora admita que as últimas 3 páginas do último livro saibam, ainda assim, encerrar com mestria esta fantástica banda desenhada.

O principal néctar desta aventura está, pois, na preparação da viagem (tomo 1) e na própria viagem em si (tomo 2 e 3). Quando Long John Silver e a sua tripulação chegam, finalmente, ao destino, a história passa de um registo mais “de aventura” para um registo “de fantasia”, com um teor metafísico. Não apreciei tanto, mas também não posso dizer que isso estrague alguma coisa. É mais uma questão de opção de narrativa do autor. Ou de gosto do leitor, vá.

Long John Silver (Série Completa), de Xavier Dorison e Matthieu Lauffray - ASA e Público
O desenho de Lauffray é verdadeiramente maravilhoso! Ao princípio, até pode parecer um traço algo rude e rápido, sem o detalhe a que o género franco-belga já nos habituou, mas um olhar atento permitir-nos-á compreender toda a aptidão e virtuosismo do autor, no desenho de magníficas paisagens; de fantásticas personagens, cujas expressões não mais esquecemos; de um mar que parece ter vida própria e ser um personagem por si só; do barco Neptuno e da sua imponência e fragilidade; das brilhantes cenas de ação e luta, das condições meteorológicas que, ora adversas, ora calmas, contribuem - em muito! - para a veracidade e dinâmica da narrativa gráfica. Somando ainda, para além de tudo isso, uma mudança dinâmica e variada de enquadramentos, efeitos de luz que acentuam momentos dramáticos impactantes e m belo processo de colorização das ilustrações. Enfim, também em termos visuais, tudo funciona magnificamente bem em Long John Silver.

Destaque ainda para o facto de algumas páginas terem uma planificação muito arrojada, que quase nos remete para cartazes de filmes, em que temos, ao mesmo tempo, ilustrações de vários lugares e várias personagens. Absolutamente fantástico e revelador de um autor muito inspirado!

Long John Silver (Série Completa), de Xavier Dorison e Matthieu Lauffray - ASA e Público
E falando em coisas arrojadas e inspiradas, que dizer das brilhantes, magníficas e luxuriantes capas destes livros? As quatro capas são excelentes, mas, especialmente as capas dos volumes 2 e 3, Neptuno e Labirinto de Esmeralda, respetivamente, considero das capas mais bonitas de toda a minha (grande!) coleção de banda desenhada. Se há casos em que uma capa já quase vendeu o livro, este é um deles. Aliás, não nego que, quando comprei e li a versão inglesa desta série, o fiz porque fiquei rapidamente cativado pelas brilhantes ilustrações de capa. Autênticas obras de arte! Portanto, entre ficar impressionado com estas capas até à compra dos livros, foi um curto passo.

Quanto à edição da obra, a ASA volta a fazer as coisas bem. A boa encadernação em capa dura e brilhante, bom papel e boa impressão fazem com que possamos olhar para esta edição como uma edição de colecionador. 

E tanto assim o é que a própria lombada dos quatro volumes até forma um desenho conjunto que, neste caso, é o bonito logótipo da série. Gosto muito de desenhos na lombada, pois os mesmos dão um cunho de luxo e de colecionador à obra. E, sinceramente, até tive alguma pena que a editora não tenha feito o mesmo com as lombadas de RIO ou de Peter Pan – embora, no caso desta última série, como já tinham sido publicados anteriormente 4 dos 6 volumes que compõem Peter Pan, eu compreenda que a ASA tenha jogado pelo seguro, não arriscando em ter um desenho de lombada que poderia – ou não? – afastar eventuais compradores, que já tinham os 4 volumes anteriormente lançados.

Long John Silver (Série Completa), de Xavier Dorison e Matthieu Lauffray - ASA e Público
Concluindo, e voltando ao início do meu texto, ver Long John Silver totalmente editado em Portugal foi uma das (muitas) boas notícias para a banda desenhada em Portugal, durante este ano de 2021. 

Quando, há uns meses, eu tinha feito o meu Top 10 de BD's incríveis que (ainda) não estão publicadas em Portugal, Long John Silver até tinha ocupado a 2ª posição da minha lista, vejam lá.

Long John Silver tem tudo o que uma boa banda desenhada deve ter: uma boa história, muito bem contada, com personagens inesquecíveis, com um pendor histórico, embora ficcional, e desenhos maravilhosos que elevam a nossa experiência de leitura. Que boa cartada, cara editora ASA! 

E, já agora, que futuramente venham mais séries de bd com piratas. Gosto bastante de cowboys mas, para mim, os verdadeiros “badasses” sempre foram os piratas!



NOTA FINAL (1/10):
9.6


Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020


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Long John Silver (Série Completa), de Xavier Dorison e Matthieu Lauffray - ASA e Público

Fichas técnicas
Long John Silver #1 - Lady Vivian Hastings
Autores: Xavier Dorison e Matthieu Laufray
Editora: ASA
Páginas: 68, a cores
Encadernação: Capa dura
Lançamento: Setembro de 2021

Long John Silver (Série Completa), de Xavier Dorison e Matthieu Lauffray - ASA e Público

Long John Silver #2 - Neptuno
Autores: Xavier Dorison e Matthieu Laufray
Editora: ASA
Páginas: 60, a cores
Encadernação: Capa dura
Lançamento: Outubro de 2021

Long John Silver (Série Completa), de Xavier Dorison e Matthieu Lauffray - ASA e Público

Long John Silver #3 - Labirinto de Esmeralda
Autores: Xavier Dorison e Matthieu Laufray
Editora: ASA
Páginas: 64, a cores
Encadernação: Capa dura
Lançamento: Outubro de 2021

Long John Silver (Série Completa), de Xavier Dorison e Matthieu Lauffray - ASA e Público

Long John Silver #4 - Huayna Capac
Autores: Xavier Dorison e Matthieu Laufray
Editora: ASA
Páginas: 72
Encadernação: Capa dura
Lançamento: Novembro de 2021

Está de volta uma das obras mais premiadas de sempre na banda desenhada nacional!


Esta é uma das obras portuguesas de banda desenhada que mais prémios conquistou e que para mais línguas estrangeiras foi traduzida e está de volta numa edição melhorada.

Falo de O Amor Infinito que te tenho e outras histórias, da autoria de Paulo Monteiro, e que a Polvo volta a lançar naquela que já é a quarta edição da obra. 

A encadernação passa a ser em capa dura e a edição é ampliada.

Abaixo, fiquem com a sinopse da obra e algumas imagens promocionais.


O Amor Infinito que te tenho e outras histórias, de Paulo Monteiro
Numa nova edição, ampliada e com capa cartonada, o primeiro livro de banda desenhada de Paulo Monteiro mostra de forma clara e concisa o percurso de maturação de um autor que vive intensamente as histórias que conta e desenha. 

Com uma narrativa plena de subtileza, reúne um conjunto de histórias curtas efetuadas entre 2005 e 2010 e exibe a diversidade de sentimentos que uma vida pode conter. 

Já se tornou, com toda a justiça, no livro mais traduzido de sempre da banda desenhada portuguesa. Premiado, entre outros, com o Prémio para Melhor Álbum Português no Festival Internacional de Banda Desenhada da Amadora, em 2011.
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Ficha técnica
O Amor Infinito que te tenho e outras histórias
Autor: Paulo Monteiro
Editora: Polvo
Páginas: 72, a preto e branco
Encadernação: Capa dura
PVP: 12,20€

quarta-feira, 15 de dezembro de 2021

Comparativo: Os Vampiros pela Companhia das Letras e pela Tinta da China

Comparativo: Os Vampiros pela Companhia das Letras e pela Tinta da China

Já está disponível, há alguns dias, mais uma reedição de uma das obras de Filipe Melo e Juan Cavia.

Primeiro foi Balada para Sophie, depois foi Comer / Beber e agora chega-nos a reedição de Os Vampiros que, tratando-se de um livro ambientado na guerra colonial, era mais uma dos obras que, lamentavelmente, se encontrava esgotada nas livrarias portuguesas.

A Companhia das Letras veio alterar essa situação. Esta excelente obra é exatamente a mesma mas há algumas diferenças entre as duas edições, que passarei a enumerar.

Em primeiro lugar, o que salta mais à vista é a mudança de capa com a substituída da ilustração de capa. 

Quanto a preferências sobre ambas as capas, acho que cada um terá a sua, com base nos seus gostos pessoais. A mim, a ilustração da capa original parece mais artística e de maior beleza mas a nova versão também me agrada e até me parece ter mais appeal comercial, pois talvez chame mais facilmente à atenção. 

O lettering do título também mudou. Provavelmente porque os direitos do letttering original estejam na posse da Tinta da China. Prefiro o original, com o pormenor da bala e das ervas nas letras. Mas, mais uma vez, é uma questão subjetiva.

Comparativo: Os Vampiros pela Companhia das Letras e pela Tinta da China

O que é mais objetivo é a questão da mudança de formato que, na nova edição, passou a ser mais pequeno, como podem ver na imagem acima. Se isto me fez torcer o nariz à partida, tenho boas notícias para os que possam estar cépticos perante esta alteração: é que o tamanho das vinhetas no interior do livro é exatamente o mesmo. 

Ou seja, a mancha de impressão não foi diminuída. O que foi diminuído foram as margens à volta das vinhetas. Mesmo que me possam dizer que, desta forma, talvez as ilustrações não "respirem" tão bem, a verdade é que acaba por ser uma coisa que, do meu ponto de vista, não afeta praticamente nada a leitura. E, claro!, prefiro esta opção ao ter-se diminuído as ilustrações para manter a mesma margem. 

Bem pensado, portanto, como podem ver abaixo.

Comparativo: Os Vampiros pela Companhia das Letras e pela Tinta da China

Em termos de qualidade de papel, de impressão e de encadernação, se há mudanças entre as duas edições, não as percecionei. Papel brilhante de boa qualidade, capa dura baça e fita de tecido marcadora - que passa da cor preta para a cor vermelha na nova edição. Tudo se mantém com boa qualidade.

A contracapa também foi alterada como podem ver abaixo. Mais uma vez, prefiro a edição original embora também ache que a nova versão está bem conseguida do ponto de vista gráfico e comercial.

Comparativo: Os Vampiros pela Companhia das Letras e pela Tinta da China

Por fim, convém dar conta da maior alteração entre as duas versões e que oferece à nova edição uma grande mais valia: o novo dossier sobre os acontecimentos históricos do ultramar e que também inclui esboços preparatórios de Juan Cavia e fotografias da época!

Está uma verdadeira delícia e considero que enriquece muito a leitura da obra.

Ora vejam:

Comparativo: Os Vampiros pela Companhia das Letras e pela Tinta da China

Comparativo: Os Vampiros pela Companhia das Letras e pela Tinta da China

Comparativo: Os Vampiros pela Companhia das Letras e pela Tinta da China

Comparativo: Os Vampiros pela Companhia das Letras e pela Tinta da China

Comparativo: Os Vampiros pela Companhia das Letras e pela Tinta da China


Em suma, se o objeto-livro da edição da Tinta da China me parece, por uma questão de gosto pessoal, mais bonito, a verdade é que esta nova edição da Companhia das Letras se torna, devido ao seu muito interessante e bem-vindo dossier de extras, mais apelativa. 

Quer para aqueles que já leram ou compraram a primeira edição, quer para os novos leitores que poderão agora ler uma das melhores obras da banda desenhada portuguesa.

Obviamente, recomenda-se vivamente!

terça-feira, 14 de dezembro de 2021

Um olhar sobre a Comic Con 2021

Um olhar sobre a Comic Con 2021

Um olhar sobre a Comic Con 2021
Depois de um ano de hiato, causado pela pandemia de covid-19, a Comic Con voltou a acontecer durante o passado fim-de-semana, entre 9 e 12 de Dezembro. O que é sempre algo louvável!

A grande novidade desta edição dizia respeito à alteração do espaço onde o evento decorria. Depois da Exponor e do passeio marítimo de Algés, desta vez o espaço foi a Altice Arena, no Parque das Nações, em Lisboa, bem como toda a área circundante ao local, que ia até ao Pavilhão de Portugal. O evento foi, por isso, híbrido na forma, com iniciativas a acontecer dentro e fora do Pavilhão Atlântico. Devo dizer que, de um modo geral, este parece-me ser o melhor local que, até agora, este evento teve.

Um olhar sobre a Comic Con 2021
É fácil de lá chegar, por transporte próprio ou público, há estacionamento com relativa facilidade (embora seja bastante caro) e o espaço físico oferece valências que nas edições anteriores do evento não eram possíveis. Nomeadamente, o impressionante auditório principal, que ocupa metade da Altice Arena. De um modo geral, a Organização soube tirar proveito do espaço, há que dizer. Na outra metade do pavilhão temos as várias marcas, quase todas associadas a canais de televisão, onde são feitas aquilo a que hoje em dia, pomposamente, se chamam “as ativações de marca.” São, no fundo, stands de canais televisivos onde se promovem séries e programas de televisão tentando, de alguma forma, criar algum tipo de experiência com o público. Circulando até à Sala Tejo, encontramos a área comercial, onde é vendido todo o tipo de merchandising relacionado com pop culture. Nesse mesmo espaço, está também a área para autógrafos de autores de bd. No andar de cima, há uma zona para as crianças brincarem e um pequeno auditório destinado às apresentações de autores de literatura e de banda desenhada. Acedendo à rua, pela Sala Tejo, encontrávamos o acesso para um auditório intermédio em dimensão e a restante área outdoor, onde estava uma pequena tenda dedicada ao cosplay e outra, bastante maior, dedicada ao gaming. Entre essas duas tendas havia um espaço de restauração, com vários pontos de venda de street food e, mais adiante, estavam mais alguns locais de “ativações de marca”, com a presença de um stand (muito bem conseguido) dedicado à série Walking Dead e outro espaço, com enormes artefactos insufláveis, dedicado ao Disney Plus. Na entrada do Pavilhão Atlântico havia a zona Artist’s Alley, onde ilustradores expunham o seu trabalho. 

Um olhar sobre a Comic Con 2021
Na sexta-feira estavam poucas pessoas. No sábado o espaço encheu-se bem mais. Ainda assim, achei que estava bom para se circular sem grandes problemas e com filas não tão grandes como vi, noutras edições, no Passeio Marítimo de Algés. Em tempos de covid, é assinalável o esforço glorioso que a organização há-de ter feito para ter um evento a decorrer sem (grandes) problemas.

Portanto, olhando para o todo que foi a Comic Con, acho que a Organização está de parabéns pelo trabalho feito. E a mudança para o Parque das Nações parece-me boa.

Mas depois há a questão da banda desenhada…

Um olhar sobre a Comic Con 2021
Em primeiro lugar, o nome do evento não corresponde ao que aí se trata. Isto não é uma convenção ou uma conferência dedicada a comics. Ponto final, parágrafo. Talvez o nome mais justo para o evento pudesse ser Pop Culture Con. Aí, talvez os fãs de banda desenhada, e de comics em particular, não se sentissem tão defraudados com o nome do evento. Mas também compreendo que o nome há-de ter tido uma razão óbvia. Por ventura, quando este evento foi lançado, pela primeira vez, nos Estados Unidos, havia um maior enfoque nos comics.

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E, com efeito, se pensarmos bem, isto acontece em muitos outros eventos. Que dizer, por exemplo, do Rock in Rio, que não se passa no Rio de Janeiro - mas em Lisboa - e que de música rock, quando temos a bamboleante Ivete Sangalo aos saltos no palco, não tem nada? Se calhar dever-se-ia chamar Pop in Lisboa, não? Mas claro, o branding da coisa não seria tão forte. Também a Comic Con dever-se-ia chamar Pop Culture Con. Mas é o que temos. E também não será pelo nome de um evento que devemos sentirmo-nos defraudados.

Começando até pelo melhor, há que dizer que o cartaz de presenças de autores do universo da banda desenhada era muito interessante. Provavelmente, de forma global, até é capaz de ter sido o melhor line-up de sempre: Matthieu Bonhomme (O Homem que Matou Lucky Luke), Miguelanxo Prado (Traço de Giz), Peter Van Dongen (Blake e Mortimer), Paco Roca (Rugas, A Casa), Ralph Meyer (Undertaker), Michele Benevento (Tex), Mike Grell (Green Arrow), Álvaro Martínez Bueno (DC Comics), Juan Cavia (Balada para Sophie) e os portugueses Filipe Melo e Paulo Monteiro.

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Infelizmente, alguns destes nomes acabaram por não comparecer no evento. Foi o caso de Matthieu Bonhomme e de Paco Roca. Dois nomes muito queridos dos leitores portugueses, diga-se. No meu caso, lamentei especialmente o cancelamento de Paco Roca, visto que era eu que iria conduzir o painel dedicado à sua obra. Contudo, vivemos em tempos complexos devido à covid-19, e aos constrangimentos consequentes, e são coisas que acontecem. E, claro, não podemos “apontar armas” à organização nesta questão. Por muito que as coisas estivessem combinadas, a última palavra é sempre dos autores. O Paco Roca, por exemplo, encontrava-se doente e não pôde comparecer. É chato, mas acontece.

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No entanto, há algumas coisas que podemos apontar à organização. E a principal delas é que, a meu ver, a Organização encara a banda desenhada como algo suplementar. Quase de bónus. Do género: “’bora lá arranjar um cantinho para esta malta da banda desenhada (público e profissionais) achar que a bd também está representada na Comic Con”. Não me entendam como injusto ou ingrato nesta questão. Já o disse acima, e assinalo novamente, que em matéria de cartaz, e especialmente para os amantes de banda desenhada de origem franco-belga, como é o meu caso, a Organização fez um excelente trabalho este ano. Todavia, onde me parece que a Comic Con deveria fazer alterações é em todo o resto relacionado com a banda desenhada, que não diz respeito ao cartaz de convidados. Do que falo, concretamente?

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Ora bem, em primeiro lugar, julgo que a banda desenhada merece um espaço só para si. Nesta edição do evento, e tal como também já disse mais acima, os dois únicos espaços dedicados à banda desenhada, eram as mesas destinadas aos autógrafos e o auditório onde decorriam os painéis com os autores. Nota para a honrosa presença do Clube Tex Portugal, que tinha um stand no evento. Mas, tirando isso, a Organização não providenciou um espaço dedicado à bd. Havia, isso sim, a introdução da bd noutros espaços. Portanto, vamos lá ser sinceros e deixarmo-nos de rodeios: com aquilo que a Organização desenvolve em termos de bd no evento, a verdadeira razão para um amante de banda desenhada ir à Comic Con é para tentar sacar uns autógrafos dos autores de que gosta e, na melhor das hipóteses, para assistir a uma apresentação. É manifestamente pouco. Faz-me pensar na possibilidade de existência de um evento chamado Vegans Con, onde o espaço comercial são charcutarias e talhos e onde os pratos disponíveis para degustação são chanfana e baby ribs. Vá lá, organização, um pouco mais de esforço, por favor.

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Tal como o cosplay ou o gaming têm tendas dedicadas a essas áreas, parece-me que seria justo que a banda desenhada tivesse um espaço dedicado à 9ª arte. Até poderia ser a tenda mais miserável do evento. Nós não nos importamos com isso. Convinha é que essa tenda tivesse, para além do espaço dos autógrafos e do pequeno auditório, um espaço comercial que representasse – verdadeiramente - o setor da banda desenhada. Como é possível imaginar-se, sequer, um evento que diz dedicar-se à banda desenhada e onde não se pode comprar banda desenhada? Os três únicos espaços onde consegui ver alguma – mas pouca - banda desenhada à venda foram os da Casa da BD, da FNAC e da E Pop Culture Store. Muito pouco. Migalhas. Onde estão a Kingpin Books? A Dr. Kartoon? E os espaços das próprias editoras? Onde estavam os livros de editoras importantes da banda desenhada como a Arte de Autor, a Ala dos Livros, a ASA, a Seita, a Gradiva, a Escorpião Azul, a Polvo e todas as outras? É simples a resposta: não estavam. Tirando um ou outro livro dos autores que estiveram presentes no evento.

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Mas, para além do espaço comercial, nesta suposta tenda dedicada à banda desenhada, há também outra coisa que deveria estar presente: um espaço de exposição de obras de banda desenhada. Para termos uma ideia concreta desta minha sugestão, até podemos olhar para aquilo que foi feito com o stand de promoção à série Walking Dead. Num pequeno espaço, a rondar os 54 ou os 72 metros quadrados, fez-se uma coisa muito bem feita. Um "mini-museu", com artefactos dos walkers que já se passearam pela série. Simples, não dispendioso e um dos melhores espaços de todo o evento. Não se poderia fazer algo assim para um espaço de exposição dedicado à banda desenhada, com algumas pranchas dos autores que estão presentes no evento?

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Não pensem que estou a ser megalómano ou a chutar ideias para o ar que não podem ser realizadas por uma questão de espaço ou de orçamento. Não me digam que é uma coisa assim tão impossível ter-se uma tenda/ uma sala/ um espaço dedicado à banda desenhada, que serve para tudo o que tem a ver com banda desenhada aí decorrer: os autógrafos, as apresentações, o espaço comercial e o espaço de exposição.

Poderão dizer-me: “Ah, mas o público que vai por causa da banda desenhada é marginal e não vale a aposta na banda desenhada, por parte da Organização”. A essas pessoas eu respondo: “as pessoas que vão ao evento por causa da banda desenhada são poucas porque não há uma aposta na bd por parte da organização”. E andamos aqui às voltas. A apontar o dedo uns aos outros.

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Note-se ainda que o público consumidor de banda desenhada tem, em média, muito maior poder de compra do que a grande maioria do público que se desloca à Comic Con e que compra um crachá ou, na loucura, um funko. E quer isto dizer que a Organização, não se esforçando para agarrar esse público da bd, está ela própria a perder uma bela oportunidade comercial.

Sei também que os preços praticados pela Organização para a venda de espaço no evento foram muito elevados e completamente incomportáveis para o mercado de bd em Portugal. Mais uma vez, a Organização poderá dizer: “Vêem, não vale a pena chatearmo-nos muito com a banda desenhada porque as lojas ou editoras nem sequer cá vêm vender as suas coisas”. Ao que eu responderia, novamente: “se não há uma aposta da Organização na BD e, ainda por cima, os preços pelo aluguer do espaço são enormes, é claro que as lojas e editoras não vão cometer a loucura de ir à Comic Con”. Uma coisa gera a outra. E tem que partir, SEMPRE, da Organização a aposta na banda desenhada. O resto vem por arrasto.

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Outra coisa ainda que destaco: o das apresentações. Estive na apresentação de Peter Van Dogen e creio que toda a assistência tinha 6(!) pessoas. E 4 dessas pessoas correspondiam a uma família de um casal com dois filhos adolescentes que estiveram sempre a entrar e a sair do auditório. Ou seja, na verdade, eram 4 pessoas a assistir a uma apresentação. Um autor consagrado faz uma viagem para fazer uns desenhos e falar para 4 pessoas... A sério? Infelizmente isto não é algo que apenas aconteça na Comic Con. É triste chamarmos artistas internacionais aos nossos eventos para falarmos das suas obras e, depois, ninguém estar nestas apresentações. Acho que temos que fazer algo para mudar isto.

Uma das causas para que o auditório estivesse sempre vazio era que estavam a decorrer, ao mesmo tempo, sessões de autógrafos. Ou seja, os fãs de bd ou estavam nas filas para os autógrafos ou estavam no auditório. Não se pode estar em dois sítios, ao mesmo tempo. A não ser que o auditório estivesse perto dos autógrafos como, aliás, já propus na tal tenda dedicada à banda desenhada. Dessa forma, talvez fosse possível estar-se numa fila de autógrafos e a assistir ou a ouvir, ao mesmo tempo, as apresentações.

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Em conversa com o meu amigo Carlos Cunha, do JuveBêdê, ele disse-me algo que faz todo o sentido e que subscrevo. As sessões de autógrafos deveriam acontecer depois de cada apresentação e deveria ser dada uma senha prioritária de autógrafo às pessoas que estavam nas apresentações. Na minha opinião, não faz sentido que a razão para estarmos com um autor seja apenas e só a de sacar um autógrafo. Acho que lhes damos – aos autores – a imagem errada da nossa admiração. Não quero com isto fazer juízos de valor, pois cada um sabe o que quer e ao que dá primazia, mas acho que se queremos o autógrafo de um artista de quem gostamos, não é pedir muito a nós mesmos que, em troca, assistamos à apresentação desses autores. Ou será? E este sistema do: “vieste à apresentação, toma lá uma senha prioritária de autógrafo” é muito mais justo para toda a gente, parece-me.

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Uma última nota sobre os prémios de bd da Comic Con que, lamentavelmente, deixaram de ser feitos este ano. Era uma iniciativa com um prémio monetário e que, por esse motivo, era bastante relevante para os autores vencedores. É com pena que vejo o cancelamento destes prémios embora eu não esteja bem por dentro sobre as razões que levaram a que isto acontecesse. E, portanto, não direi mais além disto: é pena que isto deixe de existir.

Em suma, se é bom que a Comic Con exista e que seja um evento de larga dimensão? Sem dúvida que sim! Se é bom que a banda desenhada consiga, de alguma forma, estar representada neste evento? Sim, é algo bom. Se uma verdadeira aposta da Organização na banda desenhada – que dá nome ao evento, convém sempre relembrar – pode - e deve! - acontecer para que haja mais autores, lojas e, acima de tudo, público de banda desenhada? Obviamente que sim! É um no-brainer, como dizem os ingleses. Para que nós, público de banda desenhada, não nos sintamos como um vegetariano que vai a um evento chamado Vegan Con, onde se fala mais de carne do que de vegetais. Pelo menos, é essa a minha "new hope".

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