segunda-feira, 31 de agosto de 2020

Lançamento: Clássicos da Literatura em BD




A editora Levoir anunciou recentemente que irá lançar, juntamente com a RTP, a coleção Clássicos da Literatura em BD

No total, e segundo nota da editora, serão "14 livros de autores consagrados, que retratam diferentes épocas e lugares, convidando ao leitor a viajar e imaginar outros mundos, e no final de cada livro é apresentado um dossier com o percurso e a obra do autor assim como o enquadramento histórico". 

Os livros terão capa dura e chegarão às livrarias e bancas no início de Setembro, pelo preço de 10,90€. 

O Vinheta 2020 foi investigar a coleção original da Glénat, cujo primeiro álbum foi lançado em 2016 e que continua ainda a decorrer. No total, já foram publicados mais de 48 livros. 

A Levoir anunciou também que dois dos livros desta coleção serão dois clássicos da literatura portuguesa, nomeadamente, os Maias, de Eça de Queiroz e Amor de Perdição, de Camilo Castelo Branco.

Depois da editora Gradiva ter lançado, nos últimos dois anos, algumas coleções de temas clássicos  como a "Descobridores", a "Sabedoria dos Mitos" ou "Eles fizeram História" é agora a vez da Levoir enveredar por um caminho semelhante.

Estes são todos os volumes que compõem esta coleção:

1. A Volta ao Mundo em 80 dias, de Júlio Verne
2. Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carrol
3. A Odisseia, de Homero
4. Oliver Twist, de Charles Dickens
5. Os Maias, de Eça de Queiroz
6. As Aventuras de Tom Sawyer, de Mark Twain
7. A Ilha do Tesouro, de Robert Louis Stevenson
8. O Livro da Selva, de Rudyard Kipling
9. Dom Quixote, de Miguel de Cervantes
10. Notre-Dame de Paris, de Victor Hugo
11. Amor de Perdição, de Camilo Castelo Branco
12. Os Três Mosqueteiros, de Alexandre Dumas
13. Robinson Crusoe, de Daniel Defoe
14. O Último dos Moicanos, de James Fenimore Cooper

Entretanto, já são conhecidos algumas imagens promocionais e capas dos primeiros três livros, A Volta ao Mundo em 80 dias, Alice no País das Maravilhas e A Odisseia, que se partilham abaixo. Mais abaixo, partilham-se também algumas imagens promocionais das versões francesas dos outros livros.

















Eis algumas imagens promocionais das edições francesas dos outros livros:








Análise: No Caderno da Tangerina e Tangerina




No Caderno da Tangerina e Tangerina, de Rita Alfaiate

A obra No Caderno da Tangerina foi o primeiro álbum de banda desenhada de Rita Alfaiate, sendo um trabalho resultante da parte prática da dissertação do mestrado da autora. Passados dois anos, em 2019, a autora regressou à mesma narrativa, com Tangerina, conseguindo aprofundar muito bem, e de um ângulo muito interessante, os eventos do primeiro livro.

E ainda que estes dois livros tenham sido lançados com o intervalo temporal de, praticamente, dois anos entre si, e mesmo admitindo que ambas as obras dão para ler perfeitamente bem de forma isolada, devo dizer que a leitura conjunta de ambas as obras é fortemente recomendável. Felizmente, tive a oportunidade de os ler de seguida, um a seguir ao outro, e posso afirmar que essa será a melhor forma de mergulhar neste universo de Rita Alfaiate, sendo um daqueles casos clássicos em que 1+1 não são dois. São três. A soma de ambas as narrativas é algo verdadeiramente interessante. Porque ambos os livros andam à volta da mesma história e das mesmas personagens mas apresentam diferentes pontos de vista para o mesmo argumento. E que bom, isso é!


No primeiro livro, a história centra-se em Spike e na forma, infrutífera como ele tenta estabelecer uma relação de amizade com a sua nova colega de escola, Tangerina. Porém, a sua nova colega de carteira, parece ser alguém diferente dos demais colegas de Spike, pois está sempre agarrada ao seu caderno, onde faz desenhos de horríveis criaturas. E eventualmente, esses monstros passam do caderno de Tangerina para a realidade(?), com Spike a observá-los pelos sítios onde passa. O final é inconclusivo, deixando-nos a pensar se tudo aquilo que nos foi dado, não passa de um mero sonho da personagem Spike. Será Tangerina real, sequer? Não sei até que ponto a autora Rita Alfaiate já tinha a ideia de como haveria de fechar esta história num segundo livro, ou não, mas a verdade é que o fez de forma muito bem conseguida.

Em Tangerina, o livro centra-se na personagem com o mesmo nome. Ou seja, a perspetiva é a oposta em relação ao primeiro livro. Nesse experenciámos a história vista pelo lado de Spike. No segundo livro, a história é vista pelo lado de Tangerina. Se no primeiro livro, a aura negra da história parecia residir na rapariga Tangerina, no segundo livro vemos a coisa do outro lado do espelho e as revelações são bastante chocantes até. O que é ótimo do ponto de vista de argumento.


Parece-me que há aqui um exercício muito interessante por parte da autora que nos convida a mergulhar nele. É que se ficamos com uma ideia concreta quando lemos o primeiro livro… essa ideia muda (drasticamente) após a leitura da segunda obra. Aplicando isto à realidade, não estará a autora a dizer-nos que para uma mesma história há várias verdades? Várias forma de olhar para a mesma coisa?

Em termos de arte, No Caderno da Tangerina apresenta um desenho claramente marcado pelo manga, revelando uma autora com um traço muito confiante nesse estilo. Os detalhes da caracterização dos ambientes, especialmente os espaços fechados, são quase inexistentes, com as personagens a receberem o grande destaque da autora. Curiosamente, no segundo livro, este estilo de ilustração manga é menos óbvio, com a autora a demarcar-se da ilustração mais clichet do género. Compreende-se a decisão, mesmo tendo em conta que as suas ilustrações no primeiro livro também sejam muito boas. Mas, claro, a autora certamente pretendeu evoluir o seu traço em busca de um estilo de ilustração mais pessoal. E, admita-se, conseguiu. 

É pois justo afirmar que enquanto ilustradora, Rita Alfaiate é mais uma boa promessa para o género em Portugal. Fica-se com vontade de conhecer mais trabalhos da autora.


A editora Escorpião Azul merece aqui uma nota mais que positiva pela sua contínua e constante aposta nos autores portugueses de banda desenhada. Como sugestão, acho que talvez fosse interessante que no futuro a editora equacionasse editar No Caderno da Tangerina e Tangerina num só volume. E em capa dura, se possível. Seria um livro deveras interessante para esta tal leitura completa da obra que recomendo. 

Em conclusão, esta é uma obra muito pertinente, com um cunho muito pessoal, onde Rita Alfaiate parece afirmar-se no universo da banda desenhada nacional. Uma história que vale a pena conhecer. Recomendam-se os dois livros para melhor e mais dinâmica imersão nesta história fabricada pela autora portuguesa.

Uma artista a seguir, sem dúvida.


NOTA FINAL (1/10):
8.0



Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020


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Fichas técnicas
No caderno da Tangerina
Autora: Rita Alfaiate
Editora: Escorpião Azul
Páginas: 98, a preto e branco
Encadernamento: Capa mole
Lançamento: Junho de 2017



Tangerina
Autora: Rita Alfaiate
Editora: Escorpião Azul
Páginas: 80, a preto e branco
Encadernação: capa mole
Lançamento: Maio de 2019

sexta-feira, 28 de agosto de 2020

Lançamento: O Expresso do Amanhã II - O Explorador e A Travessia





Amanhã chega às bancas o segundo livro da Coleção de Novelas Gráficas, da Levoir e do Jornal Público, que foi iniciada no sábado passado.
Trata-se do segundo volume d' O Expresso do Amanhã, que reúne os segundo e terceiros capítulos da trilogia. Refira-se que o primeiro volume, foi lançado no sábado passado.

Ambos os livros receberão uma análise aqui no VINHETA 2020 no início da próxima semana.

Fiquem com a nota de imprensa da editora e com as imagens promocionais.




O Expresso do Amanhã II - O Explorador e A Travessia, de Jean-Marc Rochette e Benjamin Legrand

Dezasseis anos depois do fim da publicação do que seria o primeiro volume de O Expresso do Amanhã, Jean-Marc Rochette e Benjamin Legrand continuam a explorar o universo de O Expresso do Amanhã em O Explorador e A Travessia, segundo e terceiros capítulos da trilogia, que serão editados a 29 de Agosto pela Levoir e o Público.

Este volume prossegue a exploração do universo distópico criado por Jacques Lob, em que os últimos sobreviventes da humanidade percorrem um planeta gelado num comboio que não pode parar.

Em O Explorador e A Travessia os autores preocupam-se menos com os aspectos socio-económicos e filosóficos, do que com a acção. Os eventos de O Expresso do Amanhã II são efetivamente absorvidos pela nova narrativa. O espaço confinado, deixa de existir e muitas possibilidades são abertas quanto o explorador Puig Vallès faz descobertas e indagações que não devia, tornando-se, de maneira parecida com Proloff antes dele, adorado pelo povo e odiado pela elite que, por sua vez, é obrigado a trazê-lo para uma posição de poder para tornar possível o seu controle. Os eventos que se seguem são repletos de ação, inclusive com a revelação de uma seita perigosa de cosmonitas que defende, que não estão a viajar num comboio, ao redor do planeta, mas sim numa nave espacial.


O sonho de Jacques Lob sobreviveu-lhe e cresceu muito para além das suas expectativas, pois como refere Jean-Marc Rochette: “O Expresso do Amanhã é neste momento a BD francesa mais conhecida no mundo. O Tintin não é francês e o Astérix vende sobretudo em França e na Alemanha, enquanto que O Expresso do Amanhã está disponível em 167 países (168, contando com Portugal). É delirante!”

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Ficha Técnica
O Expresso do Amanhã II - O Explorador e A Travessia
Autores: Jean-Marc Rochette e Benjamin Legrand
Editora: Levoir
Páginas: 176, a cores
Encadernação: Capa dura
PVP: 10,90€



quinta-feira, 27 de agosto de 2020

Vencedor do Passatempo "Os Filhos de El Topo: 2"




Já temos o vencedor para o passatempo/giveaway do Vinheta 2020 que tinha o livro Os Filhos de El Topo: 2 para oferecer!

Desta vez, ultrapassámos as 200 participações, feitas através do facebook e do instagram

Foi feito um sorteio através de um site para o efeito (Sorteador.com.br) que, aleatoriamente, escolheu o seguinte participante:


Tiago Silva


Muitos parabéns! Este Os Filhos de El Topo: 2, lançado em Portugal pela Arte de Autor, já é teu!

Quanto a todos os que desta vez não ganharam, resta-me agradecer pelas participações. 

Se concorreste e não ganhaste desta vez, não desanimes porque o Vinheta 2020 terá muitos mais passatempos nos próximos tempos.

Só tens que ir passando no blog e acompanhando as redes sociais do mesmo, para saberes que prémios haverão para oferecer aos leitores deste espaço.

Até já! 




quarta-feira, 26 de agosto de 2020

Análise: Stumptown Vol. 1




Stumptown Vol. 1, de Greg Rucka e Matthew Southworth

Este primeiro volume da série Stumptown é mais um lançamento na linha de alguns romances noir – a fazer lembrar, com as devidas diferenças no estilo e na forma, Criminal, The Fade Out ou O Cemitério dos Esquecidos, também lançados pela G. Floy Studio – que faz com que a editora portuguesa tenha um catálogo cada vez melhor e mais maduro, que vale a pena conhecer.

A série Stumptown, com argumento de Greg Rucka e ilustrações de Matthew Southworth, chegou a receber a adaptação para uma série de televisão – que em Portugal passa na Fox Life – protagonizada pela atriz Cobie Smulders, da série How I Met Your Mother, que também participou em inúmeros filmes de super-heróis como The Avengers, Capitão América, ou o mais recente filme de Homem-Aranha. O facto da série televisiva Stumptown ter tido bastante sucesso e ter sido anunciado em Maio último que a mesma iria receber uma segunda temporada, atesta o bom sentido de oportunidade da G.Floy, que lança a série de bd no mercado português, com excelente timing. É também assinalável que esta seja a série que marca a estreia no catálogo da G. Floy de Greg Rucka.


Stumptown
é, na verdade, a alcunha dada à cidade de Portland, no Oregon, e é um policial noir contemporâneo, de estilo hard-boiled, que nos conta a história de Dex Parios, uma detetive privada viciada no jogo.

E, de facto, é esse vício ao jogo que acende o rastilho para que a história deste primeiro volume – entitulado a O Caso da Rapariga que Levou o Champô (mas deixou o carro) – se desenrole. Tudo começa quando uma maré de azar leva Dex Parios a contrair uma dívida de vários milhares de dólares no casino das Tribos Confederadas da Costa do Vento. Ficando a nossa protagonista sem capacidade de pagar a multa, Sue-Lynne, a directora do casino, sabendo das qualidades de Dex enquanto investigadora, sugere-lhe que passe a investigar o desaparecimento misterioso da neta de Sue-Lynne. Se a encontrar, a dívida de Dex perante o casino é eliminada. Não tendo grandes alternativas, a detetive privada aceita a proposta e começa a investigar. Mas logo percebemos que esta será uma demanda que mergulhará a protagonista numa teia de crime, que a coloca em grande perigo de vida. 


Não é de admirar que Greg Rucka seja unanimemente considerado como um mestre em ficção policial, já que o autor consegue montar bem a história, deixando o leitor agarrado à mesma. Não é uma história com um ritmo muito acelerado – como é comum em alguns policiais – e, admito, por vezes até achei que o ritmo estava um pouco lento demais. No entanto, o autor sabe dosear os bons momentos, oferecendo-nos uma investigação envolvente e que nos deixa a lançar as nossas próprias perguntas e a lançar suspeições a várias personagens. A ideia de começar o livro contando a história ao contrário em termos temporais, ou seja, do momento mais recente para o momento mais longínquo no tempo, é algo que aqui também funciona muito bem, para irmos conhecendo a protagonista bissexual que vive com o seu irmão, que tem necessidades especiais.

Dex Parios apresenta um singular e subtil sentido de humor que lhe dá carisma. A construção da personagem de Parios está muito bem conseguida, tornando-a numa mulher forte e com carácter mas muito real e credível. Na verdade, a história é ficcional mas poderia muito bem ser baseada em factos verídicos, tal é a verossimilhança das características de personalidade de Dex Parios. Diria até, que esse é o maior trunfo desta obra: o de conseguir criar uma personagem marcante. Não é apenas "mais uma detetive". E talvez por isso, seja uma leitura madura, mais para adultos do que para jovens. Podíamos talvez dizer que esta é uma história que tem algumas parecenças com Jessica Jones – também publicada em Portugal pela G. Floy – embora, claro está, Stumptown seja mais terra-a-terra e a protagonista não tenha super-poderes.


Em termos de arte ilustrativa, Matthew Southworth entrega-nos um bom trabalho, com um traço rabiscado e marcado com personalidade, que encaixa muito bem no tom da obra. A concepção dos ambientes e das personagens está muito bem conseguida. Há no entanto, algo que a meu ver não resulta tão bem. E que tem a ver com a aplicação das cores. Enquanto lia o livro, pensava que as mesmas não estavam a puxar pela qualidade das ilustrações. E pensei: "será que os desenhos de Stumptown não funcionariam melhor se fossem apenas a preto e branco?". Ora, qual não é o meu espanto quando, no final do livro, há uma pequena história bónus a preto e branco e que me parece visualmente muito mais apelativa do que a história principal? É curioso que o próprio volume tenha respondido de forma inequívoca à minha suspeição. Atente-se numa coisa: não é que as cores – a cargo de Lee Loughridge, Rico Renzi e do próprio Matthew Southworth - estraguem a obra. Não o fazem, de todo. Possivelmente até poderão existir alguns leitores que apreciem as cores da obra. Mas para mim, as cores simplesmente, não estão ao nível das ilustrações e da própria história. Há pranchas muito bonitas, sim. Mas há outras onde as cores me distraíram da história, pela negativa.

Assinalo ainda outro ponto negativo em relação à ilustração. Mesmo sendo verdade, como já referi, que a arte de Matthew Southworth é apelativa para os meus olhos, houve uma coisa que dificultou a fluidez na minha leitura. É que o desenho de algumas personagens está demasiado próximo entre si, o que não permite a clara distinção entre personagens. E isso está (mais) patente nas personagens de Isabella e Charlotte – mas não só. Felizmente, é um livro que não conta com uma grande quantidade de personagens diferentes. Se assim fosse, penso que esta incapacidade de diferenciar melhor as diferentes personagens poderia ter um maior peso negativo na obra.


Quanto à edição da G. Floy só posso repetir-me em relação ao que tenho dito a análises a outros livros do catálogo da editora: aqui impera a qualidade. Bom papel - baço e de gramagem generosa -, capa mais dura do que o habitual nas comuns "capas duras", e extras verdadeiramente apelativos para o leitor. Vou confessar uma coisa: penso que por vezes as editoras colocam extras que pouco ou nenhum interesse têm para o leitor. Parece que estão ali só para que se possa dizer: "atenção, este volume tem extras!". Aqui, não é o caso. Em Stumptown Vol. 1 os extras são verdadeiramente interessantes e oferecem real valor acrescentado à obra. Este livro traz os designs de Stumptown utilizados em t-shirts, posters que foram feitos para apresentações da série em eventos e, a cereja no topo do bolo, é-nos dada com o mini-comic de oito páginas, que foi originalmente impresso no formato de um cartão de visita, e que era acompanhado por uma lupa(!) para poder ser lido. Um autêntico mimo e que, ainda por cima, conforme já referi, veio atestar aquilo que já mencionei acima: esta série em preto e branco seria visualmente mais apelativa. 

Em suma, Stumptown é mais uma boa série adulta, totalmente direcionada para fãs de policiais, com personagens carismáticas, que a G. Floy acrescenta ao seu excelente catálogo. No final, e sabendo que existem mais volumes da série, fica-se com a vontade de continuar a ler os números seguintes. Resta esperar que a G. Floy continue a publicar os próximos Stumptown com a assiduidade e periodicidade com que publica outras séries.


NOTA FINAL (1/10)
8.5


Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020 


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Ficha técnica
Stumptown Vol. 1: O Caso da Rapariga que Levou o Champô (mas deixou o carro)
Autores: Greg Rucka e Matthew Southworth
Editora: G. Floy
Páginas: 160, a cores
Encadernação: capa dura
Lançamento: Junho de 2020

terça-feira, 25 de agosto de 2020

Análise: Operação Overlord (Coleção Completa)



Operação Overlord, de Michaël Le Galli, Bruno Falba, Davide Fabbri e Christian Dalla Vecchia

A Operação Overlord foi a mais recente coleção de banda desenhada lançada pela ASA, em parceria com o jornal Público. Quando o Vinheta 2020 anunciou em primeira mão que a editora portuguesa iria lançar esta série, levantou-se um clima de entusiasmo por parte dos leitores de banda desenhada. Mas, agora que a série chegou ao fim e, depois de cuidadosamente lida, o sentimento é de alguma desilusão perante este lançamento.

A ASA seguiu a fórmula de Airbourne 44, da autoria de Philippe Jarbinet, que foi uma série que a editora lançou em 2017 e que tinha como cenário, os acontecimentos da Segunda Guerra Mundial. Também esta Operação Overlord se passa durante a mesma guerra. Mas ao contrário da primeira coleção, marcada por um desenho de extrema qualidade, munido de um enredo e uma narrativa bem consistentes, Operação Overlord desilude em todas essas vertentes.

E é uma pena, porque a ideia base da série até foi bem congeminada. 

A história desta coleção remete-nos para a grande ofensiva que os Aliados fizeram a partir da Normandia, com o intuito máximo de vencer a Guerra, libertando a Europa do domínio nazi. Foi uma operação de uma magnitude sem precedentes, já que implicava o desembarque de mais de 160.000 soldados em cinco praias do Canal da Mancha. Sendo, portanto, uma operação tão grandiosa em termos de diferentes frentes e acontecimentos que contribuíram para o sucesso das tropas dos Aliados, a série Operação Overlord tenta cobrir os eventos mais importantes que sucederam durante os primeiros dias de Junho de 1944. Assim, entre tomar de assalto a cidade de Sainte-Mère-Église, o desembarque em Omaha Beach, o desmantelamento da bateria de Merville, o assalto a Ouistreham, o assalto a Pointe du Hoc e, finalmente, os acontecimentos vividos por Hitler no Berghof – o seu Refúgio –, esta série tenta dar aos leitores uma visão global desta incrível operação estratégico-militar.

E de certa forma, consegue fazê-lo com sucesso. Os amantes de banda desenhada histórica, de cariz bélico, dificilmente resistirão esta coleção, estou certo.

As narrativas que nos são dadas saltitam entre os relatos históricos e subnarrativas ficcionais que os acompanham. Em cada um dos livros, conhecemos personagens diferentes que nos mostram como pessoas de origens tão díspares acabaram neste enorme cenário de guerra. Estas histórias paralelas têm o objetivo de tornar a leitura mais acessível, para que as páginas dos livros não sejam unicamente marcadas por cenários de guerra. 

Já em termos de arte, a série que é desenhada por Davide Fabbri e Christian Dalla Vecchia, mostra-se muitas vezes audaz, com a utilização de grandes imagens, que impressionam pela magnitude dos acontecimentos retratados. As cores são utilizadas de forma mais moderna e, mesmo sendo esta coleção de estilo franco-belga, a aplicação de cores remete-nos para alguns lançamentos americanos. Por vezes, funcionam perfeitamente. Outras vezes, as mesmas não conseguem colmatar a falta de detalhe de certas ilustrações. 

E isto leva-me àquele que é o grande problema desta coleção: a inconsistência, resultante de uma certa falta de rigor. O que, por conseguinte, leva a que Operação Overlord, em última análise, revele falta de personalidade. E este problema é refletido não só na arte, como no argumento. Se o Tomo 1 anda um pouco aos tropeções em termos narrativos, ora tentando ser um livro histórico, que nos dá informações sobre os factos que aconteceram, ora contando-nos, ao mesmo tempo, as histórias (demasiado) pouco desenvolvidas de 5 soldados americanos; o Tomo 2, Omaha Beach, por oposição, é de longe o melhor da série, apresentando muito mais assertividade no argumento. E a razão para tal, é que Omaha Beach é talvez o livro em que a parte ficcional ficou mais de fora e onde o retrato dos acontecimentos ficou mais bem retratado. 

Estarei, então, a dizer que a parte ficcional não deveria existir? Nem por sombras. Acho, até, que as subnarrativas ficcionais utilizadas para contar acontecimentos históricos, sejam eles bélicos ou não, costumam ser sempre uma mais-valia para que o leitor mergulhe na história e se identifique com os seus protagonistas, que acabam por humanizar e particularizar o indivíduo que vivenciou acontecimentos de grande magnitude. Não obstante, em Operação Overlord, essa utilização de histórias paralelas para emoldurar os acontecimentos históricos, é sempre parcamente explorada pelos argumentistas (Michael Le Galli no primeiro tomo e Bruno Falba nos restantes cinco volumes). E é por esse motivo que o melhor livro da série é o segundo volume. Porque é mais straight to the point, não se perdendo em subnarrativas ocas que pouco acrescentam à narrativa global.

Também em termos de arte visual, a tal inconsistência é clara quando temos desenhos verdadeiramente fascinantes e, se for preciso, na página seguinte, temos um desenho rabiscado meio à pressa, em que as expressões das personagens parecem feitas em cima de um guardanapo de café. Ilustrações onde as cores tentam salvar a arte mas em que um olhar atento, compreende sem grande dificuldade, que aquele desenho foi feito à pressa. Falta o tal rigor. Nos tomos 4 e 5 então, a arte desce ainda mais níveis de qualidade, parecendo até ter sido desenhada por outra pessoa. O que, insisto, parece ser uma manifesta falta de tempo e/ou de inspiração dos autores. 

Um ponto que interessa referir ainda, é que os ilustradores da história não conseguem diferenciar suficientemente bem as suas personagens. São demasiado parecidas entre si, o que leva a uma clara falta de fluidez na leitura, se tivermos em conta que, na maioria das vezes, nos são dadas cenas de ação ou diálogos com personagens vestindo o uniforme de soldado. É algo mais marcante nuns álbuns do que noutros mas, de forma geral, está presente ao longo de toda a série e acaba por ser uma das maiores fraquezas da mesma.

Olhando agora, de forma muito breve, para cada um dos tomos, o volume 1, Sainte-Mère-Église (cuja análise mais detalhada pode ser encontrada aqui) conta-nos a história de como a tomada de assalto da cidade Sainte-Mère-Église era determinante para as aspirações dos Aliados. E vamos acompanhando a história através de cinco soldados, de origens diferentes, que vieram parar a esta guerra, de formas muito distintas entre si. Como já mencionei, essas cinco histórias paralelas são demasiado fugazes e esquecíveis. Teria sido mais benéfico se, em vez das cinco histórias, os autores tivessem optado por uma ou duas subnarrativas e a(s) tivesse(m) explorado mais convenientemente.

O tomo 2, Omaha Beach, é conforme já amplamente sublinhado, o melhor da série. Desta vez, somos remetidos para aquele que será, certamente, o desembarque bélico mais conhecido na história da civilização, em Omaha Beach, que originou igualmente, uma sangrenta batalha entre alemães e americanos, com milhares de mortes. Os autores fazem uma coisa que considero muito positiva, que é mostrarem-nos não só o lado americano, como também o lado alemão, revelando que - expectavelmente! - o comum do cidadão que tinha que se alistar no exército, quase nunca tinha qualquer ódio pelo exército adversário. Em termos narrativos, o livro também faz uma outra coisa muito interessante. É que a primeira parte do mesmo – sensivelmente metade da história – mostra-nos a preparação da operação, revelando-nos dificuldades inerentes a esta empreitada bélica e contextualizando muito bem os acontecimentos. E à semelhança do que, muitas vezes, é feito no cinema, esta demonstração da operação, aumenta o interesse e ansiedade(?) do leitor em relação aos acontecimentos que se avizinham. Depois, quando o desembarque é iniciado, temos ação total em muitas páginas, ora mostrando o lado americano, ora mostrando o lado alemão.

E se o tomo 2 é o mais bem conseguido da série, o terceiro tomo, A Bateria de Merville - que, aliás, tem uma certa continuação narrativa no sexto e último tomo -, apresenta algumas ideias interessantes. Também neste volume concreto, o desenho parece feito com mais cuidado e rigor. Aqui o objetivo militar é o desmantelamento da bateria de Merville, peça fundamental para o exército alemão. Neste caso, a tal utilização de histórias ficcionais, paralelas aos acontecimentos históricos é a mais bem conseguida de toda a série. Não chega a ser perfeita mas é interessante, mudando o cenário dos acontecimentos da guerra para a cidade londrina. Aqui acompanhamos Adrien Bellefontaine, voluntário canadiano e artista nos tempos livres, que se vê forçado a deixar a sua amada em Londres. É aqui que a componente de "romance" mais aparece na série. Embora surja de forma algo vaga e insuficientemente explorada, julgo ser justo admitir que é uma lufada de ar fresco positiva. 

Que infelizmente não é repetida no tomo 4, Comando Kieffer, onde nos é contada a história do único comando francês no desembarque da Normandia. Aqui, quer no argumento, quer na arte, a desinspiração ainda é mais relevante, com uma lamentável desconexão dos autores em relação ao que estão a produzir. Parece um daqueles exemplos em que um álbum já está encomendado pela editora e os autores se limitam a "cumprir calendário". O mais fraco da série.

No tomo 5, Pointe du Hoc, a desinspiração parece em par com o álbum anterior. Também aqui as histórias paralelas recebem pouco esforço narrativo, focando-se o álbum em cenas de ação de guerra que parecem desfilar, perante os olhos do leitor, sem grande fundamento ou (bom) encadeamento. Destaque negativo para as ilustrações que, neste álbum, e um pouco incompreensivelmente, parecem mudar no estilo de traço e na própria aplicação de cores. Não é que sejam desenhos maus… mas são desenhos que revelam inconsistência em relação aos álbuns anteriores. Se tivessem sido outros autores a desenvolver este volume, ainda seria (talvez) compreensível. Assim, parece apenas falta de inspiração. Todavia, também é justo assinalar que, a meu ver, este tomo 5 será aquele que tem a melhor capa. Muito bem conseguida.

Finalmente, o tomo 6, Uma Noite no Berghof, merece destaque pela positiva. Depois de dois volumes pouco inspirados que nos deram mais do mesmo, mas diminuindo (ainda mais) o rigor dos três primeiros álbuns, o sexto e último volume da série consegue, pelo menos, dar-nos algo novo e refrescante do ponto de vista do argumento. Aqui quase que saímos dos cenários de guerra na totalidade, sendo este um álbum muito mais político do que militar. Coloca-nos no Berghof, o refúgio de Adolf Hitler, mostrando-nos como foram vividos estes acontecimentos dos primeiros dias de Junho de 1944 e como, os alemães, e acima de tudo Hitler, acabaram vencidos mais pelo poder estratégico dos Aliados do que, propriamente, pela força militar. Mostrando-nos um Hitler expectavelmente petulante e confiante em si mesmo, este álbum tem o dom de nos revelar um outro lado dos eventos amplamente conhecidos. Mesmo assim, o argumento dá alguns tropeções em si mesmo, ao querer demonstrar de forma por vezes mal explanada, as reações de outros militares de alta patente do exército alemão. Julgo também que o fim, não sendo mau, poderia ter sido mais bem trabalhado de forma a servir de redenção a Operação Overlord.



Acima de tudo, esta é uma série que parece querer fazer mais do que consegue. Dar um passo maior do que a perna. Ao querer ser uma série de eventos ficcionais e, ao mesmo tempo, de carácter histórico, fica algures a meio caminho, denotando dificuldades na construção de um bom argumento e não conseguindo fazer verdadeiramente bem nada daquilo a que se propõe. Mas também não é justo dizer que faz mal tudo aquilo que tenta fazer. Há coisas interessantes, quer na arte, quer nos intuitos do argumento. Infelizmente, o facto de ficar a "meio caminho", deixa-nos com a ideia que esta série é apenas isso: mediana. Não é má mas está longe de ser boa. Diria que é uma banda desenhada recomendada apenas a amantes do género. Esses, certamente apreciarão a série, aceitando as fraquezas da mesma. Para os leitores não tanto do género histórico de guerra, será mesmo o Tomo 2: Omaha Beach aquele que (mais) se recomenda para conhecimento da série.


Nota final do Livro 1 - Sainte-Mère-Église: 7.8
Nota final do Livro 2 - Omaha Beach: 8.5
Nota final do Livro 3 - A Bateria de Merville: 8.3
Nota final do Livro 4 - Comando Kiefer: 6.9
Nota final do Livro 5 - Pointe du Hoc: 7.0
Nota final do Livro 6 - Um Noite no Berghof: 8.2



NOTA FINAL DA SÉRIE (1/10):

7.7




Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020 



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Fichas técnicas
Operação Overlord Vol: 1 - Sainte-Mère-Église
Autores: Michaël Le Galli e Davide Fabbri
Editora: ASA
Páginas: 48, a cores 
Encadernação: capa dura
Lançamento: Julho de 2020

Operação Overlord Vol: 2 - Omaha Beach
Autores: Bruno Falba, Davide Fabbri e Christian Dalla Vecchia
Editora: ASA
Páginas: 48, a cores 
Encadernação: capa dura
Lançamento: Julho de 2020

Operação Overlord Vol: 3 - A Bateria de Merville
Autores: Bruno Falba e Davide Fabbri 
Editora: ASA
Páginas: 48, a cores 
Encadernação: capa dura
Lançamento: Julho de 2020

Operação Overlord Vol: 4 - Comando Kieffer
Autores: Bruno Falba e Davide Fabbri
Editora: ASA
Páginas: 48, a cores 
Encadernação: capa dura
Lançamento: Agosto de 2020

Operação Overlord Vol: 5 - Pointe du Hoc
Autores: Bruno Falba, Davide Fabbri e Christian Dalla Vecchia
Editora: ASA
Páginas: 48, a cores 
Encadernação: capa dura
Lançamento: Agosto de 2020

Operação Overlord Vol: 6 - Uma Noite no Berghof
Autores: Bruno Falba, Davide Fabbri e Christian Dalla Vecchia
Editora: ASA
Páginas: 48, a cores 
Encadernação: capa dura
Lançamento: Agosto de 2020