terça-feira, 14 de abril de 2020

Análise: Potter's Field: O Cemitério dos Esquecidos




Potter's Field: O Cemitério dos Esquecidos, de Mark Waid e Paul Azaceta

Potter's Field: O Cemitério dos Esquecidos é uma interessante aposta da editora portuguesa G. Floy para todos os que gostam de um bom policial noir. Pisca o olho a obras como Sin City ou Criminal traçando, ainda assim, a sua própria identidade.

A história sendo negra e pesada, coloca-nos na cidade de New York, dando-nos a conhecer o protagonista John Doe, uma personagem misteriosa que ocupa a sua vida a encontrar os nomes daqueles que foram mortos e posteriormente enterrados, anonimamente, em Potter's Field, o cemitério destinado a todos os que a justiça esqueceu.

Mark Waid, o autor de Kingdom Come, e Paul Azaceta, autor de Outcast, igualmente publicado pela G. Floy, oferecem-nos este thriller noir, com um ritmo a mid-tempo, que nos convida a embarcar num conto adulto, marcado por vários bons momentos que, a meu ver, ficam um furo abaixo de serem verdadeiramente inesquecíveis para o género.

A história que nos é dada é deveras interessante e agarra-nos desde o início. De facto, a forma como o livro arranca é soberba. Em pouco mais de 4 páginas Mark Waid apresenta-nos John Doe, revelando apenas o essencial para nos mostrar uma personagem original e cativante. Não sabemos muito mas sabemos algo que nos deixa presos a John Doe. E uma coisa que acaba por funcionar muito bem, é que, embora a narrativa, a priori, nos pareça levar por uma teia de perguntas sem resposta - para que Doe consiga encontrar todos aqueles mortos, sem nome e apenas identificados com o número da sua campa no cemitério - as perguntas que mais habitam a mente do leitor nem são bem essas. Mas antes: quem é este John Doe? Quais as suas reais motivações? Sabemos que não tem identidade, nem tem história passada. Também não deixa impressões digitais. Tem bastantes contactos de pessoas que o ajudam na sua demanda mas que não se conhecem uns aos outros. Quem é, afinal, John Doe?

Tudo aquilo que um autor de banda desenhada pode almejar é criar uma história/um herói que seja marcante para o leitor. E para o fazer, uma forma é assentar a narrativa ou as personagens numa premissa interessante ou original. Algo que ninguém se tenha lembrado de fazer até então. E, de certa forma, julgo ser esse o maior trunfo deste Potter's Field: O Cemitério dos Esquecidos. Nesse sentido, termos um protagonista cuja atividade e motivação é algo novo e que se baseia “apenas” em restituir o nome e identidade a todos aqueles que foram enterrados de forma anónima, é verdadeiramente “fora da caixa”. A motivação do protagonista parece quase um capricho, de tão peculiar que é. E embora seja algo que parte do eticamente correto, por vezes, pode parecer: “bem... se alguém já está morto, porquê mover montanhas para encontrar o seu nome?”. Mas é justamente aí que reside a piada, a originalidade, deste livro. Já há muitos heróis a lutarem pelos vivos que estão em perigo, face a alguma força do mal. Mas em relação àqueles que foram assassinados e cujas investigações criminais não foram a lado nenhum, deixando essas vítimas anónimas, naquilo a que poderíamos chamar uma vala comum, ninguém se preocupa. Exceto John Doe. E só por esta premissa original, já valeria a pena conhecer este livro. Acredito que tenha sido isso que fez o Mark Waid pensar: “Bem... já tenho tema para escrever um livro”.

Para além disso, a história tem um ritmo interessante em termos narrativos mas, da segunda parte do livro até ao final, parece-me que o desenvolvimento narrativo e consequente ação parece ter sido relativamente forçado ou acelerado. O ritmo acaba pois, por ser bastante mais rápido, o que também faz com que a história passe a ser um pouco mais cliché. Diria que este livro talvez carecesse de mais tempo (leia-se páginas) para melhor preparar o leitor para a apoteose(?) narrativa final. É uma daquelas obras em que se só lermos as primeiras páginas, vamos ficar completamente entusiasmados com a mesma. Mas a verdade é que vai perdendo algum fulgor à medida que a história se aproxima do fim.    

Quanto à arte, julgo que o estilo de Azaceta é um daqueles tipos de ilustração que a maioria das pessoas, ou gosta, ou odeia. No meu caso, admito, não acontece nem uma, nem outra coisa. Admito que há páginas neste livro que são bonitas de se observar (e para isso, muito contribui a bonita aplicação de cores) mas, por vezes, também há páginas que me parecem demasiado escuras e imperceptíveis. O traço muito grosso de Azaceta acaba por não conseguir alcançar o detalhe que considero necessário para uma boa imersão na história. E especialmente nas sequências de ação – que ainda são algumas – a arte ilustrativa fica um pouco aquém porque não se torna muito claro o que está a acontecer. Mas uma coisa, tenho que reconhecer na arte de Azaceta: tem o seu cunho de originalidade, o que dá ao autor aquilo que tantos ilustradores procuram e não encontam: o seu estilo signature. Azaceta tem um daqueles estilos de ilustração que é facilmente reconhecível assim que abrimos um livro. Mesmo que o seu nome não viesse na capa do livro, bastar-nos-ia folheá-lo para concluir: “isto são as ilustrações do Azaceta”. E isso, merece-me o melhor dos respeitos pela sua arte mesmo que, como dizem os ingleses, não seja my cup of tea.

Concluindo, Potter's Field: O Cemitério dos Esquecidos, não é um livro perfeito ou inesquecível. Mas resulta duma ideia bastante original e interessante, que faz com que seja uma obra indispensável para todos os que apreciam um bom thriller noir


NOTA FINAL (1/10):
7.5

-/-

Ficha técnica
Potter’s Field: O Cemitério dos Esquecidos
Autores: Mark Waid e Paul Azaceta
Editora: G.Floy
Páginas: 104, a cores
Encadernação: Capa dura

Sem comentários:

Enviar um comentário