quarta-feira, 29 de abril de 2020

Análise: Os Cavaleiros de Heliópolis: Rubedo e Citrinitas (2º Álbum Duplo)





Os Cavaleiros de Heliópolis: Rubedo e Citrinitas, de Jodorowsky e Jérémy

Quando, em 2019, a Editora Arte de Autor nos presenteou com o lançamento do primeiro volume de Os Cavaleiros de Heliópolis, da autoria de Jodorowsky e Jérémy, que continha os dois primeiros tomos desta série, Nigredo e Albedo, depressa considerei esse livro como o terceiro melhor álbum de 2019.

Recentemente, e apesar do período conturbado que vivemos, a Arte de Autor, lançou o segundo livro, que reúne os tomos III e IV, Rubedo, a Obra ao Vermelho e Citrinitas, a Obra ao Amarelo, respetivamente, e que, portanto, deixa os portugueses com esta série completa. Que maravilha de trabalho, por parte da Editora que, em pouco mais de um ano, completa em português uma série de autores conceituados da banda desenhada. E, se não me engano, Jéremy – esse mago da ilustração! – ainda nem sequer estava publicado em Portugal.

Falar de Os Cavaleiros de Heliópolis sem falar da qualidade da edição por parte da Editora, também é quase impossível. Estes livros enquanto objeto, são dos livros mais bonitos que uma estante de bd pode ter. As capas têm um textura macia e agradável, que as imagens na internet não conseguem demonstrar. É necessário passar-se as mãos pela capa para se perceber do que falo. Além disso, há ainda a questão de ser um álbum duplo. Confesso que gosto bastante da opção por álbuns duplos que as editoras, e em especial a Arte de Autor, têm vindo a adotar. E acho que resultam especialmente bem na banda desenhada franco-belga, em que cada número de uma série não costuma ir além das 62 páginas, fazendo com que os livros se leiam muito depressa. Com álbuns duplos, o prazer é portanto redobrado e a leitura – e consequente imersão numa obra – parece sair melhorada com esta opção dos álbuns duplos. Já para não falar que, mesmo que os preços destes livros sejam normalmente acima dos 20€, a verdade é que, se fizermos as contas, até não saem nada caros, tendo em consideração que têm o dobro das páginas.

Incidindo agora neste segundo livro, posso dizer que a história a partir do ponto onde o primeiro livro termina. O primeiro tomo Nigredo (o meu preferido) já nos tinha apresentado a origem e background da personagem protagonista Asiamar e o segundo tomo, Albedo, deixou-nos a meio da missão de Asiamar, que incluía a figura histórica de Napoleão Bonaparte. O terceiro tomo, Rubedo, que abre este segundo livro, continua e termina a história com Napoleão, sendo que o quarto e último tomo, Citrinitas, nos leva até Londres, aos tempos de Jack, o Estripador.

E isto é algo que aprecio muito na série: o facto de nos fazer viajar no tempo. Fazendo-me lembrar, até, a série de videojogos Assassin's Creed, que também nos faz viajar na barra cronológica, levando-nos ao encontro de personagens históricas que marcaram os períodos dourados das civilizações egípcias, gregas, romanas, entre outras. Em termos narrativos, esta opção temporal abre imensas possibilidades e, nesse sentido, Os Cavaleiros de Heliópolis são pois, uma série carregada de elementos históricos, onde personagens como Napoleão Bonaparte, Luís XIV, Nostradamus, Imhotep, entre outros, aparecem. No entanto, considero que não devemos classificar a série como sendo “histórica” porque, à boa maneira do autor Jodorowsky, as voltas são-nos trocadas várias vezes e o autor faz uma interpretação totalmente livre dos factos históricos, tal como Quentin Tarantino fez, por exemplo, no seu aclamado filme Inglorious Basterds.

Acima de tudo, esta é uma história de cariz esotérico, onde o protagonista Asiamar, sendo hermafrodita e beneficiando de todas as possibilidades que essa característica lhe confere, continua a sua caminhada para a obtenção de imortalidade e para a ingressão num restrito grupo de imortais, uma irmandade provida de poderes sobrenaturais, com base em conhecimentos de alquimia, que procura salvar o mundo de líderes que são uma ameaça para a humanidade. 

A narrativa do autor é interessante porque é um pouco imprevisível. Não sabemos bem que destino será dado às personagens e à história e isso é revigorante para o leitor. Não obstante, acho que o autor por vezes toma decisões narrativas demasiado disruptivas para a história e (até) pouco justificáveis. Goste-se ou não, é o seu estilo e há que aceitá-lo, mesmo que certas opções pudessem, a meu ver, ter uma base mais sólida e coerente. É um "pau de dois bicos", como já referi: oferece imprevisibilidade à história mas fá-lo sacrificando, várias vezes, a coerência e, por vezes, até a lógica. No entanto, face a outras obras, devo admitir que Jodorowsky até está relativamente contido nestes Cavaleiros de Heliópolis. Este segundo livro tem algumas excentricidades narrativas, mas, ainda assim, mantém a maioria das coisas boas que marcaram o primeiro livro. Uma coisa é certa: Jodorowsky é one of a kind enquanto autor e, nesse sentido, merece o respeito de todos os amantes de banda desenhada.

Se a narrativa do mestre das histórias originais Jodorowsky, nos prende, a arte de Jérémy agarra-nos – para sempre – a estes Cavaleiros de Heliópolis. Aliás, faço até uma pequena nota para que as editoras portuguesas tenham em atenção a espetacular série Barracuda, também do autor Jéremy que, infelizmente, ainda não está publicada em português. O desenho de Jérémy roça a perfeição. É detalhado, realista e com uma utilização de perspetivas de “câmara” dinâmicas e arrojadas. A fisionomia e anatomia das personagens é tratada com todo o cuidado e perfeição. Às tantas, as personagens são tão bem desenhadas que até uma personagem “feia” acaba por ser “bonita” devido a ser tão bem desenhada. Jéremy assume-se, pois, como um autor completo: cenas de romance, de ação, de caracterização de ambientes, de cenários da natureza ou de uma arquitectura requintada, planificação dinâmica, caracterização das personagens... tudo é feito com extrema qualidade e elegância. O difícil mesmo é arranjar algo para criticar – se é que é possível fazê-lo. Com todo o respeito por Jodorowsky, que tantos fãs tem em todo o mundo, é Jérémy quem mais brilha nesta série. É ele a estrela da companhia com o seu trabalho incrível e impressionante nesta série. Uma nota para as cores, asseguradas por Felideus, que também são de elevada qualidade e que dão a esta série uma beleza acrescida.

Em suma, olho para a série Os Cavaleiros de Heliópolis como olho para uma qualquer coisa de qualidade premium, seja um hotel de 5 estrelas, um iate, um restaurante com estrelas Michelin ou um Rolls-Royce. E faço-o porque considero que, tal como estes exemplos, esta série de banda desenhada parece ser luxuosa em todos os aspetos: tem uma arte visual espetacular a todos os níveis possíveis (desenho, cor, dinâmica, ritmo); tem uma história que considero “fora da caixa” e que, por isso, é extremamente original; tem ilustrações de capa (e contracapa!) magníficas e, em cima disto tudo, ainda tem uma edição por parte da editora Arte de Autor do mais luxuoso possível. É caso para perguntar, exclamando com alguma indignação: “Tu, oh amante de banda desenhada franco-belga que me lês... já compraste esta coleção? Então estás à espera de quê?”.
Imprescíndível. E mais um dos lançamentos do ano.


NOTA FINAL (1/10):
9.1

Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020

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Ficha técnica
Os Cavaleiros de Heliópolis: Rubedo e Citrinitas
Autores: Jodorowsky e Jérémy
Editora: Arte de Autor
Páginas: 112, a cores
Encadernação: Capa dura

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