Amadeo – A Vida e Obra entre Amarante
e Paris, de Jorge Pinto e Eduardo Viana
Amadeo – A Vida e Obra entre Amarante
e Paris, lançado pelas Edições Desassossego (uma chancela da Saída
de Emergência), com argumento de Jorge Pinto e arte de Eduardo
Viana, é um daqueles livros que merece a atenção não só dos
leitores portugueses de banda desenhada, como também de todos os que
têm curiosidade em saber mais sobre a vida de Amadeo de Souza
Cardoso, um artista incontornável da pintura portuguesa. E a verdade
é que, mesmo sendo este um livro de banda desenhada, é justo
afirmar que o retrato do pintor fica extremamente bem representado,
permitindo aos leitores uma entrada no mundo e vida do artista.
Lançado em 2018, no ano em que se
celebrou o centenário da morte de Amadeo de Souza Cardoso, esta obra
relata-nos a história do artista, funcionando como uma biografia em
banda desenhada, que nos revela como o pintor português nascido em
Manhufe, Amarante, acabou por se tornar num participante ativo no
movimento artístico da vanguarda modernista parisiense. Há pois uma
dicotomia latente entre o provincianismo de Amarante que, por um
lado, habita Amadeo de Souza Cardoso e o cosmopolitismo da cidade de
Paris, que também se torna por demais excitante para o pintor.
Esta oposição interna no âmago de
Amadeo – que também é soberbamente bem representada na fantástica
capa do livro que a torna, a meu ver, numa das melhores, senão mesmo
a melhor, capa de livros portugueses de banda desenhada - habita
também a narrativa, brilhantemente arquitetada pelo autor do
argumento, Jorge Pinto. Assim, ao lermos esta história, encontramos
a tal dualidade que caracterizava Amadeo que, por um lado, parecia
sentir-se amarrado quando estava em Amarante e aspirava pelo contacto
com a realidade artística parisiense; mas que, e paradoxalmente,
quando se encontrava a viver na cidade de Paris, também sentia um
vazio por estar longe da sua cidade berço. Qual António Variações
no seu tema Estou Além, Amadeo parecia querer “sentir ao chegar/
vontade de partir/ p'ra outro lugar”.
Outra coisa muito interessante na vida
de Amadeo, e que este livro capta muito bem, é que, em termos
artísticos, o pintor sempre pareceu procurar algo mais, como se
almejasse encontrar a sua própria identidade artística. É por isso
que a sua obra é bastante heterogénea em termos de estilo, tendo o
pintor recusado a pertença a qualquer uma das escolas artísticas. E
mesmo tendo-se movimentado num círculo de grandes nomes da pintura
mundial, como Modigliani, Brancusi, Chagall , Henri Doucet, o casal
Delaunay, entre outros, Amadeo parece nunca ter tido o merecido
reconhecimento. Pelo menos em termos mundiais porque nacionalmente,
parece-me que o seu nome e a sua obra são sobejamente aclamados.
Amadeo – A Vida e Obra entre Amarante
e Paris é um livro de fácil leitura, de uma objetividade narrativa
bem-vinda, mas que está longe de ser vazio em conteúdo. Ao invés,
dá-nos tudo aquilo que precisamos de saber para ter um retrato
verossímil da vida do autor. O autor Jorge Pinto soube sintetizar de
forma inteligente, os momentos mais relevantes da vida desta figura
incontornável das artes plásticas portuguesas, em menos de 100 páginas. Não fica a saber a pouco mas também não fica
demasiado extenso ou rebuscado: tem a dimensão certa e lê-se de
uma ponta à outra, sempre com vontade de chegar ao fim.
O livro é todo ele muito direto, muito
factual, permitindo-se apenas, do ponto de vista narrativo, uma certa
divagação, caracterizada por algumas vinhetas em fundo preto, que
nos vão mostrando Amadeo numa caminhada onírica, que parece
remeter-nos para o próprio percurso do pintor, em busca da sua luz
interior, da sua inspiração e da sua criação. Uma divagação que
dá profundidade e corta o ritmo factual da restante história, o que
acaba por ser uma adição bem-vinda. Igualmente bem-vindas são a
utilização do texto de algumas cartas reais que Amadeo escreveu,
bem como a introdução de algumas obras de Amadeo dentro da própria
banda desenhada, que oferecem dinâmica à componente gráfica deste
livro. De facto, se o trabalho de Jorge Pinto é bem conseguido neste
livro, o trabalho de Eduardo Viana também consegue surpreender pela
positiva.
A arte aqui presente assume-se com uma
caracterização das personagens de estilo simplista e por vezes
quase caricatural, assentuando apenas os aspetos mais proeminentes da
fisionomia de cada personagem. No caso do protagonista da obra,
Amadeo é caracterizado por ter um queixo bastande demarcado e uns
lábios grossos que são, aliás, o que também mais sobressaía na
sua face. Já quanto a Almada Negreiros, que também aparece na
história, é a sua testa com entradas, o seu rosto oval e o seu cabelo
encaracolado que recebem o destaque do ilustrador. O estilo de Eduardo
Viana, embora tendo personalidade própria, vai beber às influências
do espanhol Paco Roca e até mesmo ao trabalho de Hergé,
apresentando um estilo de linha clara, caracterizado pelo uso de
linhas
fortes, com a mesma espessura e importância entre si, e que são
coloridas com cores fortes. Um estilo que, nos dias que correm, já é
pouco ou nada utilizado em Portugal e que merece pois, a minha
valorização.
Por vezes, gostaria que os cenários –
especialmente os espaços interiores – tivessem mais detalhe para
não parecerem tão nus e para que houvesse uma maior imersão do
leitor. Mas também compreendo que eventualmente o autor tenha
pretendido manter o foco do leitor na personagem e no que a mesma
está a dizer. E embora em termos de gestos das personagens, o traço
de Eduardo Viana por vezes possa parecer algo estático, a verdade é
que a sua ilustração de cenários, especialmente exteriores, é
surpreendente e um prazer para o olho atento. Nesse sentido, quer seja em
termos mais urbanísticos, através da caracterização de edifícios
citadinos, quer na componente mais naturista, com uma excelente
ilustração de paisagens mais campestres, Amadeo é um livro bonito
para observar. Há uma certa honestidade e ingenuidade nos desenhos
de Eduardo Viana, especialmente das personagens, que acaba por nos
remeter para um imaginário ternurento.
Em jeito de conclusão, Amadeo – A
Vida e Obra entre Amarante e Paris, criado por esta dupla estreante
na banda desenhada, é um livro deveras interessante, historicamente
consistente, com uma arte que é uma lufada de ar fresco para a banda desenhada nacional e que merece ser lido. Resta-nos consumir este primeiro
reduto e aguardar por mais lançamentos de ambos os autores.
Obra recomendada, sem dúvida.
NOTA FINAL (1/10):
8.2
-/-
Ficha técnica
Amadeo – A Vida e Obra entre Amarante
e Paris
Autores: Jorge Pinto e Eduardo
Viana
Editora: Desassossego
Páginas: 96, a cores
Encadernação: Capa dura
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