sexta-feira, 3 de abril de 2020

Análise: Amadeo – A Vida e Obra entre Amarante e Paris


Amadeo – A Vida e Obra entre Amarante e Paris


Amadeo – A Vida e Obra entre Amarante e Paris
Amadeo – A Vida e Obra entre Amarante e Paris, de Jorge Pinto e Eduardo Viana

Amadeo – A Vida e Obra entre Amarante e Paris, lançado pelas Edições Desassossego (uma chancela da Saída de Emergência), com argumento de Jorge Pinto e arte de Eduardo Viana, é um daqueles livros que merece a atenção não só dos leitores portugueses de banda desenhada, como também de todos os que têm curiosidade em saber mais sobre a vida de Amadeo de Souza Cardoso, um artista incontornável da pintura portuguesa. E a verdade é que, mesmo sendo este um livro de banda desenhada, é justo afirmar que o retrato do pintor fica extremamente bem representado, permitindo aos leitores uma entrada no mundo e vida do artista.

Lançado em 2018, no ano em que se celebrou o centenário da morte de Amadeo de Souza Cardoso, esta obra relata-nos a história do artista, funcionando como uma biografia em banda desenhada, que nos revela como o pintor português nascido em Manhufe, Amarante, acabou por se tornar num participante ativo no movimento artístico da vanguarda modernista parisiense. Há pois uma dicotomia latente entre o provincianismo de Amarante que, por um lado, habita Amadeo de Souza Cardoso e o cosmopolitismo da cidade de Paris, que também se torna por demais excitante para o pintor.

Amadeo – A Vida e Obra entre Amarante e Paris
Esta oposição interna no âmago de Amadeo – que também é soberbamente bem representada na fantástica capa do livro que a torna, a meu ver, numa das melhores, senão mesmo a melhor, capa de livros portugueses de banda desenhada - habita também a narrativa, brilhantemente arquitetada pelo autor do argumento, Jorge Pinto. Assim, ao lermos esta história, encontramos a tal dualidade que caracterizava Amadeo que, por um lado, parecia sentir-se amarrado quando estava em Amarante e aspirava pelo contacto com a realidade artística parisiense; mas que, e paradoxalmente, quando se encontrava a viver na cidade de Paris, também sentia um vazio por estar longe da sua cidade berço. Qual António Variações no seu tema Estou Além, Amadeo parecia querer “sentir ao chegar/ vontade de partir/ p'ra outro lugar”.

Outra coisa muito interessante na vida de Amadeo, e que este livro capta muito bem, é que, em termos artísticos, o pintor sempre pareceu procurar algo mais, como se almejasse encontrar a sua própria identidade artística. É por isso que a sua obra é bastante heterogénea em termos de estilo, tendo o pintor recusado a pertença a qualquer uma das escolas artísticas. E mesmo tendo-se movimentado num círculo de grandes nomes da pintura mundial, como Modigliani, Brancusi, Chagall , Henri Doucet, o casal Delaunay, entre outros, Amadeo parece nunca ter tido o merecido reconhecimento. Pelo menos em termos mundiais porque nacionalmente, parece-me que o seu nome e a sua obra são sobejamente aclamados.

Amadeo – A Vida e Obra entre Amarante e Paris
Amadeo – A Vida e Obra entre Amarante e Paris é um livro de fácil leitura, de uma objetividade narrativa bem-vinda, mas que está longe de ser vazio em conteúdo. Ao invés, dá-nos tudo aquilo que precisamos de saber para ter um retrato verossímil da vida do autor. O autor Jorge Pinto soube sintetizar de forma inteligente, os momentos mais relevantes da vida desta figura incontornável das artes plásticas portuguesas, em menos de 100 páginas. Não fica a saber a pouco mas também não fica demasiado extenso ou rebuscado: tem a dimensão certa e lê-se de uma ponta à outra, sempre com vontade de chegar ao fim.

O livro é todo ele muito direto, muito factual, permitindo-se apenas, do ponto de vista narrativo, uma certa divagação, caracterizada por algumas vinhetas em fundo preto, que nos vão mostrando Amadeo numa caminhada onírica, que parece remeter-nos para o próprio percurso do pintor, em busca da sua luz interior, da sua inspiração e da sua criação. Uma divagação que dá profundidade e corta o ritmo factual da restante história, o que acaba por ser uma adição bem-vinda. Igualmente bem-vindas são a utilização do texto de algumas cartas reais que Amadeo escreveu, bem como a introdução de algumas obras de Amadeo dentro da própria banda desenhada, que oferecem dinâmica à componente gráfica deste livro. De facto, se o trabalho de Jorge Pinto é bem conseguido neste livro, o trabalho de Eduardo Viana também consegue surpreender pela positiva.

A arte aqui presente assume-se com uma caracterização das personagens de estilo simplista e por vezes quase caricatural, assentuando apenas os aspetos mais proeminentes da fisionomia de cada personagem. No caso do protagonista da obra, Amadeo é caracterizado por ter um queixo bastande demarcado e uns lábios grossos que são, aliás, o que também mais sobressaía na sua face. Já quanto a Almada Negreiros, que também aparece na história, é a sua testa com entradas, o seu rosto oval e o seu cabelo encaracolado que recebem o destaque do ilustrador. O estilo de Eduardo Viana, embora tendo personalidade própria, vai beber às influências do espanhol Paco Roca e até mesmo ao trabalho de Hergé, apresentando um estilo de linha clara, caracterizado pelo uso de linhas fortes, com a mesma espessura e importância entre si, e que são coloridas com cores fortes. Um estilo que, nos dias que correm, já é pouco ou nada utilizado em Portugal e que merece pois, a minha valorização.

Amadeo – A Vida e Obra entre Amarante e Paris
Por vezes, gostaria que os cenários – especialmente os espaços interiores – tivessem mais detalhe para não parecerem tão nus e para que houvesse uma maior imersão do leitor. Mas também compreendo que eventualmente o autor tenha pretendido manter o foco do leitor na personagem e no que a mesma está a dizer. E embora em termos de gestos das personagens, o traço de Eduardo Viana por vezes possa parecer algo estático, a verdade é que a sua ilustração de cenários, especialmente exteriores, é surpreendente e um prazer para o olho atento. Nesse sentido, quer seja em termos mais urbanísticos, através da caracterização de edifícios citadinos, quer na componente mais naturista, com uma excelente ilustração de paisagens mais campestres, Amadeo é um livro bonito para observar. Há uma certa honestidade e ingenuidade nos desenhos de Eduardo Viana, especialmente das personagens, que acaba por nos remeter para um imaginário ternurento.

Em jeito de conclusão, Amadeo – A Vida e Obra entre Amarante e Paris, criado por esta dupla estreante na banda desenhada, é um livro deveras interessante, historicamente consistente, com uma arte que é uma lufada de ar fresco para a banda desenhada nacional e que merece ser lido. Resta-nos consumir este primeiro reduto e aguardar por mais lançamentos de ambos os autores.

Obra recomendada, sem dúvida.


NOTA FINAL (1/10):
8.2


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Ficha técnica
Amadeo – A Vida e Obra entre Amarante e Paris
Autores: Jorge Pinto e Eduardo Viana
Editora: Desassossego
Páginas: 96, a cores
Encadernação: Capa dura

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