A Vingança do Conde Skarbek arrebatou-me da primeira à última página e digo-vos com franqueza: se este não for o melhor livro do ano, estará certamente entre o pequeno e exclusivo grupo das melhores bandas desenhadas lançadas por cá, em 2022! Não é maravilhoso, é perfeito!
Eis uma fantástica surpresa que a Arte de Autor nos traz e que merece que todos nós, amantes de banda desenhada, lhe ofereçamos uma oportunidade. Os beneficiados dessa escolha serão os leitores, estou certo!
A Vingança do Conde Skarbek, da autoria de Yves Sente e Grzegorz Rosinski, conta-nos a história mirabolante de Louis Paulus que, depois de exilado, regressa com uma outra identidade e um título – o de Conde – para se vingar de todos aqueles que o atraiçoaram e humilharam. Onde é que já todos lemos isto? Bem… em O Conde de Monte Cristo, de Alexandre Dumas, lembram-se? Esse clássico da literatura mundial que figura até – e curiosamente – entre os meus livros favoritos do género. Aliás, mesmo sem conhecer este A Vingança do Conde Skarbek, o simples nome da obra remeteu-me logo para O Conde de Monte Cristo. Basta falarem-me de “vingança” e de “conde” que eu pensarei automaticamente nessa magnum opus da literatura. Mas devo dizer-vos que apesar das semelhanças com a obra original de Dumas, sensivelmente a meio da obra, A Vingança do Conde Skarbek afasta-se da obra de Alexandre Dumas e trilha o seu próprio caminho. O que não deixa de ser engraçado e curioso é que o próprio Yves Sente está bem ciente disso e até brinca com a questão, insinuando que não foi ele que se inspirou em Dumas, mas sim, Dumas que se inspirou na história de Skarbek para escrever o seu Monte Cristo. Adorei a ousadia e destreza narrativa do autor nesta questão!
Mas voltemos à história. Esta situa-se na Paris do século XIX. Depois de regressar do seu exílio, escondendo a sua identidade de Louis Paulus - que havia sido um célebre e idolatrado pintor -, o Conde Skarbek vai tentar vingar-se de um famoso negociante de arte, Northbrook, que o atraiçoou e, basicamente, destruiu a sua vida artística e amorosa. Algo como foi feito a Edmond Dantès, se bem se recordam. Para tal, o Conde Skarbek pede ajuda à sua antiga musa, a muito sensual ruiva Magdalene. Com uma jogada inteligente jurídica é interposto um processo de tribunal contra Northbrook, levando este a sentar-se no banco dos réus. E quando é chamado para prestar o seu depoimento, o Conde vai-nos relatando, assim, a sua história. E não é uma história qualquer. É verdadeiramente carregada de eventos, viagens, fugas, traições e mentiras que deixam os presentes no tribunal – e nós, leitores, também – completamente absortos nesta história. Aos poucos, vamos conhecendo o que realmente se passou através do relato inspirado do Conde. Há ainda muitos volte-faces, que vão alterar a forma como olhamos para a história e para as personagens, que estão muito bem engendrados por Yves Sente. A verdade é que fiquei fã do autor enquanto argumentista e agora até já tenho um interesse acrescido nos álbuns de Spirou, que o mesmo assina. Mas isso é outro tema. Sobre a história, que também me lembrou o igualmente fantástico O Burlão nas Índias, de Ayroles e Guarnido, pela forma como o autor brinca e engana o leitor, bem como por outros motivos, posso dizer que este é um álbum muito bem pensado e muito bem congeminado por Yves Sente.
Portanto, se Grzegorz Rosinski não precisa de grandes apresentações pelo seu fantástico trabalho na série Thorgal que lhe granjeou respeito e admiração por todos(?) os amantes de banda desenhada, Yves Sente não era para mim – pelo menos até agora – um sinónimo de qualidade. Não me entendam mal. Não é que eu achasse que o autor era mau argumentista. Nada disso. No entanto, também não o achava “nada por aí além”. Os seus trabalhos que eu já havia lido (Blake e Mortimer, O Guardião ou XIII) não sendo propriamente maus, também não me deixaram maravilhado do ponto de vista do argumento. Mas, afinal, o autor tinha (tem?) cartas na manga para nos entregar um belíssimo argumento. Porque, sim, se as ilustrações deste A Vingança do Conde Skarbek são de nos deixar água na boca, o argumento (também) assume um papel preponderante em oferecer-nos um livro espetacular.
Com algum sentimento de culpa meu, por não conhecer (sequer!) esta obra que foi originalmente lançada pela Dargaud, em dois volumes, entre 2004 e 2005, devo dizer que só posso mesmo agradecer à Arte de Autor, na pessoa de Vanda Rodrigues, por esta fantástica aposta. É um daqueles livros que vem, chega e vence. Tudo bem feito, a roçar a perfeição, e onde nada falta para que a obra, no seu todo, seja inesquecível para quem a lê.
Sendo um álbum que assenta muito no mundo da arte plástica, mais concretamente da pintura, a forma como o mesmo é ilustrado por Rosinski não poderia ser melhor. Com um estilo de desenho derivado da pintura de corrente impressionista, cada página, cada vinheta, cada desenho, cada pose, cada expressão é uma pequena obra de arte. Se, aliás, despíssemos as vinhetas das legendas que as acompanham, acho que teríamos um enorme conjunto de ilustrações prontas a figurar num museu de pintura. É um trabalho sublime, que não pára de nos surpreender até à última página do álbum e em que fica claro que Rosinski é um dos maiores mestres da banda desenhada europeia. A qualidade do seu trabalho chega a ser “ridícula” por ser tão boa. Por outras palavras, não é de todo habitual que um álbum de banda desenhada seja ilustrado com um virtuosismo tão grande.
O livro é belo ao nível do tratamento e conceção das personagens, que são desenhadas com grande personalidade e com expressões faciais perfeitas. Mas também é belo ao nível cénico. Destaque para a bela representação da Paris do século XIX, para a ilha paradisíaca e para o ambiente naval que também pontua a história.
Outra coisa que me fez ficar muito agradado foi a capacidade do autor para dar dinâmica aos movimentos das personagens. Noutros exemplos, em que outros autores tentam um estilo muito próximo ao da pintura clássica, é frequente que os desenhos fiquem algo estáticos, não havendo uma boa sensação de movimento nas cenas de ação. Mas isso não acontece aqui, pois até nas cenas de guerra e de ação a dinâmica das ilustrações é muito bem conseguida.
As cores e a forma como as mesmas são aplicadas diretamente pelo autor, através de camadas, à boa forma da pintura, também ajudam a arte de Rosinski a tornar-se mais épica, mais séria, mais relevante.
Esta edição integral da obra inclui ainda um caderno de extras eróticos que é composto por esboços elaborados originalmente para as cenas de cariz sexual explícito, que acabaram por não ser incluídas na obra, devido à opção autoral de Rosinski. Portanto, já seria uma boa notícia que este material extra fosse incluído. Mas a edição vai ainda mais longe. É que, aparte ser um material extra que nos mostra o processo de esboço de Rosinski tem, também, neste caso, o proveito de complementar a própria leitura. Até porque junto a cada esboço foi inserida, em pequena dimensão, a página aonde essa cena erótica deveria ter sido originalmente incluída, para que o leitor não se perca e consiga encontrar o exato momento onde teriam lugar as várias cenas sexuais. Diga-se que estas cenas não são necessárias para bem acompanharmos a história, mas é inegável que a complementam, aprofundando alguns momentos intensos. Uns belos, outros traumáticos. Há, por isso, duas formas de lermos este livro. Ou o lemos de uma ponta à outra, desprezando as cenas eróticas e só as procurando no final. Ou, então, vamos espreitando as cenas eróticas no final do livro à medida que vamos chegando à parte aonde era suposto as mesmas aconteceram. Desta forma, a imersão é ainda maior e, portanto, é a forma de leitura que recomendo para os meus leitores.
A restante edição da Arte de Autor também merece todo o tipo de louvores. Apresentando capa dura, com a textura aveludada a que a editora já nos habituou em alguns dos seus livros, tem também um ótimo papel, encadernação e impressão. Um destaque deve também ser dado ao belo grafismo da obra - que saiu das mãos de Mário Freitas. O editor/autor é conhecido pelo seu perfecionismo e atenção ao detalhe. E, pelo menos na parte da importância de um bom grafismo para tornar a obra ainda mais bela, não poderia estar mais de acordo com a sua visão. Dei-me ao trabalho de ir ver as duas edições integrais francesas da obra (uma inclui o caderno erótico de extras e a outra não) e dei-me conta que, de facto, a edição portuguesa é mesmo a mais bonita de todas elas. O que até me remete para aquilo que, há uns dias, escrevi na análise de A Bomba, quando disse que há algumas edições portuguesas que até suplantam a qualidade das edições originais francesas. Ainda sobre o grafismo de A Vingança do Conde Skarbek, gosto especialmente do que foi feito na contracapa da obra. É, por isso, mas não só, um excelente trabalho também a esse nível de design.
Por fim, e olhando para o todo, repito um pouco o que já fui dizendo acima. A Vingança do Conde Skarbek, a par de Monstros, de Barry Windsor-Smith, ou do último volume de Armazém Central, de Loisel e Tripp, está entre o melhor que já li este ano! Um forte candidato a livro do ano que tem mesmo de ser (re)conhecido por todos os que gostam: de uma boa história, que nos cativa da primeira à última página e que aparece carregada de volte-faces; de uma arte indiscutivelmente sublime, maravilhosa e espantosa de Rosinski; e por uma bela edição, definitiva e completa. Ainda não compraste este fantástico tesouro? Hoje é o dia! De nada.
NOTA FINAL (1/10):
10.0
Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020
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A Vingança do Conde Skarbek - Edição Integral
Autores: Yves Sente e Grzegorz Rosiński
Editora: Arte de Autor
Páginas: 128, a cores
Encadernação: Capa dura
Formato: 235 x 310 mm
Lançamento: Junho de 2022
Concordo em absoluto. Grande estória. Excelente leitura.
ResponderEliminarSim, um grande livro e uma fantástica surpresa!
EliminarEste lançamento passou-me um pouco ao lado, mas recentemente ao visitar a FNAC local, fiquei vidrado pela capa e pela qualidade do material, e estava á espera desta review para avançar para a compra, já que é um preço bastante considerável para se investir. Mas sendo assim vou ter mesmo de comprar em breve ahah um abraço.
ResponderEliminarCaro Bruno. Obrigado pelo comentário. Sim, este é um daqueles que recebe o meu carimbo de "compra obrigatória de 2022". Um abraço e boas leituras.
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