segunda-feira, 11 de julho de 2022

Análise: A Bomba

A Bomba - A História da Bomba Atómica, de Alcante, Laurent-Frédéric Bollée e Denis Rodier - Gradiva

A Bomba - A História da Bomba Atómica, de Alcante, Laurent-Frédéric Bollée e Denis Rodier - Gradiva
A Bomba - A História da Bomba Atómica, de Alcante, Laurent-Frédéric Bollée e Denis Rodier

Se o título dá pelo nome de A Bomba, também é justo dizer que quando soube que a Gradiva iria apostar nesta banda desenhada multipremiada, senti uma autêntica explosão de interesse e satisfação! O catálogo da editora portuguesa tem boas obras de banda desenhada, é certo, mas acho que é sempre louvável que as editoras arrisquem novas apostas editoriais e que saiam do círculo mais rotineiro em relação ao tipo de obras que costumam lançar. Pode não correr bem, é certo. Mas também pode correr bem no sentido em que se trata, afinal, da abertura de uma nova porta para um outro tipo de público. E este A Bomba, do trio Alcante, Bollée e Rodier, é exatamente isso. Uma nova aposta em banda desenhada para um público que procura algo mais profundo do que aquilo que as séries mais clássicas normalmente – mas nem sempre – nos procuram oferecer. E só por isso, já aplaudo a aposta da Gradiva. Mesmo que não seja isenta de várias fraquezas. Mas já lá irei.

A Bomba - A História da Bomba Atómica, de Alcante, Laurent-Frédéric Bollée e Denis Rodier - Gradiva
Originalmente lançada em 2020, esta é uma obra que rapidamente ficou conceituada, que vendeu mais de 140 000 exemplares só em França e que recebeu muito carinho da crítica e público. Como tal, já a tinha folheado várias vezes pois captou o meu interesse, desde o seu lançamento.

Trata-se de um livro enorme que, em mais de 450 páginas (sim, leram bem!) nos conta a história do desenvolvimento da bomba atómica. Como a mesma foi feita e pensada, com que fim, em que circunstâncias histórico-políticas, quem foram os players envolvidos no seu desenvolvimento, que acontecimentos estavam a decorrer em simultâneo… enfim, tudo aquilo que é necessário para fazer desta obra um autêntico tratado de história. O trabalho é feito com enorme detalhe e rigor histórico. Acho que, depois de feita a leitura de A Bomba, não só ficamos a saber imenso sobre o desenvolvimento da bomba atómica, como ficamos aptos a dominar uma conversa de café sobre o tema.

Acredito que fazer e projetar esta enorme obra, este tour de force, tenha custado aos seus autores um gigante trabalho de pesquisa e de preparação. Foi necessário pensar tudo ao detalhe. E isso já é, por si só, um verdadeiro feito. Não quero adiantar nesta minha análise muito sobre a história que nos é dada neste A Bomba porque, afinal de contas, é mesmo uma aula de história, baseada nos factos que, realmente aconteceram. Acho que se pensarmos numa qualquer pergunta aleatória sobre algo que envolva a bomba atómica, é bastante provável que encontremos resposta a essa questão após a leitura deste A Bomba. E isso é louvável. O desenvolvimento científico da bomba, a corrida ao armamento nuclear por parte de todos os países envolvidos na guerra, as facões anti e pró bomba atómica, a escolha do local para detonar a bomba, o lado americano, o lado alemão, o lado inglês, o lado russo, o lado japonês, enfim, todos os eventos que decorreram, entretanto, são aqui cuidadosa e profundamente demonstrados. É a história mundial e está muito bem servida pelos autores.

A Bomba - A História da Bomba Atómica, de Alcante, Laurent-Frédéric Bollée e Denis Rodier - Gradiva
E diga-se que alguns dos factos que nos são dados são tão inacreditáveis que, por vezes, é natural que ao lermos este livro fiquemos tristes e sem fé na humanidade. Porque em cada um dos lados do conflito sempre houve (sempre há e sempre haverá) interesses e comportamentos não-éticos, que vão para lá do admissível. E isso faz com que essa mensagem subliminar, quase involuntária, dos autores seja, por ventura, a grande lição a retirar de todo e qualquer conflito armado entre povos.

Por vezes, parte da história, bem como algumas observações, são-nos dadas por um curioso narrador: o próprio elemento Urânio. Algo que, a princípio, parece um bocado estranho e sem grande sentido mas que, à medida que vamos avançando na leitura da obra, começa a fazer mais sentido. Diria que é foi uma forma que os autores encontraram de dar mais dinâmica à forma como a história nos é dada. O que me leva, até, a outro ponto.

É que se não consigo parar de tecer elogios à masterclass de história que é este A Bomba, também tenho que ser sincero noutros pontos que considero menos positivos. Mesmo que sejam algo subjetivos, aceito. Em primeiro lugar, este não é um livro que se leia facilmente. Eu considero-me um leitor de banda desenhada que até devora livros com alguma rapidez e, mesmo assim, demorei duas semanas a acabar de ler esta obra. O que, para os meus standards, acreditem, é um tempo enorme para ler um livro de banda desenhada. Mesmo que, como é o caso, o livro tenha um grande volume de páginas. 

A Bomba - A História da Bomba Atómica, de Alcante, Laurent-Frédéric Bollée e Denis Rodier - Gradiva
Mas não é só o volume de páginas que justifica que este não seja um livro de fácil leitura. O texto, que por vezes é denso, como tem um rigor tão grande, citando toda e qualquer data possível, acaba por tornar a leitura, quanto a mim, pesada. Aliás, se posso dizer que há uma única coisa que não gostei em A Bomba é exatamente isso: que todo este rigor histórico que acompanha a obra, embora impressionante e louvável, também faça com que a leitura se torne demasiado factual, de uma forma quase académica. O que torna a experiência algo maçuda, por vezes, e difícil de acompanhar. Várias vezes dei comigo a voltar atrás na página para perceber quem era quem e o que estava a acontecer. Além de que achei a explicação do funcionamento da bomba demasiado técnica.

Diria, pois, que se houvesse espaço para uma parte mais romanceada da obra ou do percurso de algumas personagens, a leitura de A Bomba ter-se-ia tornado mais imersiva e impactante. E note-se que, com as personagens de Naoki Morimoto e a sua família, os autores até tentaram dar este cunho mais humanizado com o intuito de representar, neste caso, as vítimas japonesas da grande bomba. E é justamente por estes momentos da família Morimoto serem bons e estarem entre os mais fortes de toda a obra, que sinto que deveriam ser em maior número. Os adeptos das coisas tal como são e dadas de forma direta e sem complacências, decerto adorarão o cariz sintético da obra. Mas, quanto a mim, precisava de mais para que a leitura causasse (ainda) mais impacto. 

A Bomba - A História da Bomba Atómica, de Alcante, Laurent-Frédéric Bollée e Denis Rodier - Gradiva
Não obstante, e talvez cientes desta característica que aponto, os autores fizeram algo que foi muito bem pensado no fim da obra: um epílogo em que dedicaram uma página a cada uma das principais figuras que aparecem com o intuito de fazer uma sistematização do seu envolvimento na história/bomba. Uma grande mais valia, quanto a mim, e que é digna de menção, pois faz com que o final da leitura termine de forma mais inequívoca para o leitor.

Quanto às ilustrações, estamos perante um trabalho irrepreensível por parte de Denis Rodier que, com o seu traço realista, desenha com uma grande beleza e detalhe tudo de forma miraculosa. Seria de prever que um livro com tantas páginas recebesse, pelo menos em alguns casos, pouco detalhe nas ilustrações que apresenta em algumas vinhetas. Mas não é isso que aqui acontece. As personagens, os cenários, os veículos e tudo o que aqui nos é dado, apresentam um rigor meticuloso com os detalhes que é, no mínimo, impressionante. 

O estilo de desenho realista é clássico, relembrando alguma da banda desenhada dos anos 50/60 e que também tem sido replicado em obras recentes aqui analisadas como, por exemplo, Orwell, de Pierre Christin e Sébastien Verdier, ou mesmo CO.BR.A. – Operação Goa, dos portugueses Marco Calhorda e Daniel Maia. Um estilo de desenho que, quanto a mim, se adequa muito bem a livros com um pendor histórico. 

A Bomba - A História da Bomba Atómica, de Alcante, Laurent-Frédéric Bollée e Denis Rodier - Gradiva
Devo ainda destacar que uma das coisas que mais me agradou nos desenhos de Rodier é que, mesmo sendo verdade que, aparentemente, as pranchas e respetivas ilustrações pareçam clássicas na forma, verificamos que o autor tenta algo mais audaz, do ponto de vista da ilustração ou planificação, de espaços a espaços, premiando-nos com desenhos de maior dimensão ou de um cariz mais filosófico. Esses são os momentos onde Rodier mais brilha (e não é que não brilhe em todos os outros momentos, diga-se!).

Conforme já referido, a edição portuguesa da obra pertence à editora Gradiva que, contrariamente à edição original da obra, que era em capa dura e num só volume, optou por lançar a obra em dois volumes em capa mole. Ora, muito se tem falado desta opção, entretanto. E, sobretudo, comentários menos positivos têm sido proferidos um pouco por toda a internet. A minha opinião quanto a isto é simples e amplamente conhecida por aqueles que me lêem: eu acho que, tanto quanto possível, se deve tentar editar as obras da mesma forma como as mesmas são editadas ou, até mesmo, numa edição melhor. São, aliás, vários os exemplos em que isso até tem sido feito por cá. Por exemplo, estou a lembrar-me que os quatro livros da coleção Tex, da editora A Seita, até têm melhor qualidade de materiais e extras do que as edições originais. 

A Bomba - A História da Bomba Atómica, de Alcante, Laurent-Frédéric Bollée e Denis Rodier - Gradiva
Portanto, fico com pena que uma edição originalmente lançada em capa dura, receba uma capa mole, pois parece-me, de certo modo, um downgrade. E até porque, embora não tenha visto quase ninguém a queixar-se sobre isso, o que me parece pior nesta edição nem é a divisão da obra em dois volumes ou, sequer, a encadernação em capa mole. O que me parece pior é mesmo a qualidade do papel que tem uma espessura demasiado fina. Não saberei, por ignorância técnica da minha pessoa, se a grossura do livro ou a própria capa mole implicavam a opção por este papel, mas é, francamente, o menos bem conseguido de toda a edição.

Contudo, e olhando para o “copo meio cheio”, acho que também não se deve crucificar a editora por esta aposta. E até explico porquê: é que se a maneira de editar boa banda desenhada passar por lançá-la em edições de menor qualidade física (mas mantendo uma edição aceitável, pelo menos, como é o caso), então eu acho que isso é preferível a não ter, sequer, esse lançamento, não? Prefiro um Fiat Uno de 1989 (que ande) do que ter que andar a pé, imaginando que estou num BMW. Ou, se preferirem o ditado popular, "vale mais um pássaro na mão, do que dois a voar".

A Bomba - A História da Bomba Atómica, de Alcante, Laurent-Frédéric Bollée e Denis Rodier - Gradiva
Admito que adoro capas duras e em 95% das vezes recebem a minha preferência. Até o folheto da Domino’s Pizza, se fosse em capa dura, seria mais apetecível para a minha pessoa! Quanto mais um livro de banda desenhada! E quanto mais ainda uma obra desta envergadura! Mas quando oiço/leio pessoas a dizer que não vão comprar a obra pelo simples facto de ser em capa mole e em dois volumes, apetece-me dizer: “mas ligas assim tanto à forma, em detrimento do conteúdo?” Repito, para não parecer que me contradigo: eu valorizo a forma, eu valorizo as capas bonitas, eu valorizo a qualidade da edição, as encadernações em capa dura, o design das edições… tudo isso! E acho até que devemos valorizar! Não obstante, o mais importante num livro de banda desenhada será sempre o argumento e os desenhos, não? Os elementos exteriores a estes dois grandes vetores, quando bem feitos, serão sempre a cereja em cima do bolo. A sobremesa depois de uma bela refeição. A lingerie sexy antes de uma noite memorável. Tudo belos detalhes, mas acessórios face ao “prato principal”. Tal como capas duras em livros de banda desenhada.

A Bomba - A História da Bomba Atómica, de Alcante, Laurent-Frédéric Bollée e Denis Rodier - Gradiva
Portanto, quero com isto dizer que morro um bocadinho sempre que vejo alguém a dizer que não vai comprar esta obra da Gradiva por causa de ser em capa mole e estar dividida em dois volumes. Isso, perdoem-me, é tacanho. Compreendo e aceito que aqueles que também são colecionadores de boas edições, optem por comprar a obra na edição original. Mas dá-me vontade de rir que uma pessoa que não domine assim tão bem o francês, o espanhol ou outra língua qualquer vá comprar uma dessas edições só pela capa dura e robustez da edição. Isso é, lá está, valorizar a forma em detrimento do conteúdo. Quando se vai a Paris para ver a Torre Eiffel, ou a Barcelona para ver a Sagrada Família, eu aplaudo. Agora, quando se vai a Paris ou a Barcelona para comer ou ver algo que há em Portugal – com melhor ou pior qualidade - faz-me um bocado de comichão. Mas, lá está, quem sou eu? Cada um saberá de si.

Pela parte que me toca, e tendo em conta que A Bomba está, pelo menos até agora, entre as melhores bandas desenhadas lançadas por cá em 2022, diria que a sua leitura é altamente recomendável e que é uma grande obra em todos os sentidos. A Gradiva, mesmo não tendo feito a melhor opção em termos de edição da obra, está de parabéns por esta aposta. Isso - a aposta em boa banda desenhada - será sempre o mais importante! Se, numa próxima aposta deste gabarito, a edição for feita com melhor qualidade, será melhor ainda e sairão todos a ganhar. Por agora, algo fica por fazer: ler este A Bomba!


NOTA FINAL (1/10):
9.5



Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020



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A Bomba - A História da Bomba Atómica, de Alcante, Laurent-Frédéric Bollée e Denis Rodier - Gradiva

Fichas técnicas
A Bomba - A História da Bomba Atómica - Vol. 1 - No princípio era o nada
Autores: Alcante, Laurent-Frédéric Bollée e Denis Rodier
Editora: Gradiva
Páginas: 216, a preto e branco
Encadernação: Capa mole
Formato: 21 x 28,5 cm
Lançamento: Junho de 2022

A Bomba - A História da Bomba Atómica, de Alcante, Laurent-Frédéric Bollée e Denis Rodier - Gradiva

A Bomba - A História da Bomba Atómica - Vol. 2 - A Sombra
Autores: Alcante, Laurent-Frédéric Bollée e Denis Rodier
Editora: Gradiva
Páginas: 264, a preto e branco
Encadernação: Capa mole
Formato: 21 x 28,5 cm
Lançamento: Junho de 2022

4 comentários:

  1. Por uma vez, estou totalmente de acordo contigo, até na nota. Também daria um 19!

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  2. Thanks for this nice chronicle :-) All best, Didier Alcante

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    1. Dear Didier Alcante! You're welcome! And thank you so much for your comment. Congratulations for "La Bombe". Keep up the good work. :)

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