quinta-feira, 30 de junho de 2022

À Conversa Com: Arte de Autor - Novidades para o 2º Semestre de 2022

À Conversa Com: Arte de Autor - Novidades para o 2º Semestre de 2022 - Vanda Rodrigues


Agora que estamos à beira de entrar no segundo semestre de 2022, é tempo de escutarmos as editoras, de modo a que fiquemos a saber quais são os seus planos relativamente a novos lançamentos de banda desenhada para os próximos seis meses.

E a primeira editora com que falei é mesmo a Arte de Autor que, através de Vanda Rodrigues, nos permite um vislumbre em relação ao que ainda aí vem, bem como nos fala um pouco acerca do que tem sido o primeiro semestre para a editora.

Uma conversa a não perder, mais abaixo.


Entrevista



1. Agora que voltámos a uma certa normalidade, semelhante à que vivíamos em 2019, sentes que isso está a ter um impacto positivo em relação às vendas da editora?

A aparente normalidade é neste momento uma grande incerteza. Não temos números que nos permitam ainda tirar conclusões, mas sentimos o poder de compra dos portugueses a diminuir e os valores de produção dos livros a aumentar, o que nos obriga a ponderar todas as decisões.


2. Dos livros já lançados pela Arte de Autor neste primeiro trimestre, já se destaca, em termos de aclamação do público e crítica, ou em termos de vendas, algum livro que tenham lançado?

Neste momento destaca-se o Branco em Redor que superou as nossas expectativas, pois tem estado a ter uma melhor aceitação do público e de críticas do que prevíamos.


3. O ritmo de lançamentos da Arte de Autor tem sido bastante bom neste primeiro semestre. Assim, por alto, diria que lançaram sete novos livros. Podemos contar com um número semelhante de lançamentos para o segundo semestre de 2022?

Até este momento lançámos 9 livros e no próximo semestre contamos publicar 6, o que está em linha com o nosso plano, além das edições em conjunto com A Seita.


4. Neste primeiro semestre, a Arte de Autor, para além de continuar algumas das séries que já tinha em andamento, lançou Mausart que é destinado a um público mais infantil - embora quanto a mim, possa e deva ser lido por um público maduro, também. Como surgiu esta aposta? E podemos esperar uma aposta continuada, por parte da Arte de Autor, em livros destinados a um público mais jovem? Em caso positivo, já há alguma nova obra que possa ser anunciada?

Não conhecia o trabalho de Gradimir Smudja e ao ver o livro Mausart fiquei deslumbrada e pensei que tinha de o publicar. Só depois li Mausart e Mausart em Veneza e a decisão manteve-se. O livro não foi publicado por se destinar a um público infantil e ser essa uma nova aposta, mas sim pelas belíssimas ilustrações. Sempre que acharmos que um livro é bom iremos publicá-lo independentemente do público-alvo a que se destina.


5. Uma pergunta relativa a Armazém Central, uma das séries de bd da minha vida. A adesão à série, por parte do público, tem estado a ser boa?

A série Armazém Central tem sido uma surpresa. Depois da publicação do volume 4-5 , avançámos com a publicação dos volumes 1 e 2-3, que se traduziu numa boa aposta. A publicação e adesão do público fez com que a série tenha sido publicada em 18 meses. A maior dúvida surgiu na publicação do último volume, pois foi muito ponderada a decisão de incluir o álbum fotográfico ou publicá-lo em separado, mas achamos termos feito a opção mais correcta.


6. E, já agora, o término desta série, que ainda tem alguns volumes, abrirá espaço para a Arte de Autor apostar numa nova série de dimensão semelhante? Podes anunciar qual?

Face à conjuntura internacional estamos a adiar decisões para o final do ano sobre iniciar novas séries, visto que temos praticamente todas as séries fechadas ou em linha com a publicação em França, excepção para o livro 4 de Spaghetti Bros que será publicado no 1º trimestre 2023 e nessa altura já teremos novidades a anunciar.


7. Nesse sentido, pergunto: que obras tem a Arte de Autor agendadas para lançar durante o segundo semestre de 2022?

Contamos editar este semestre:

Edgar P. Jacobs – O sonhador de Apocalipses, a chegar às livrarias no final da próxima semana.


Bug 3, de Enki Bilial, será lançado em Agosto;


Para o último trimestre teremos:

Corto Maltese 12 – Mü, de Hugo Pratt, que fecha a colecção a preto e branco de Hugo Pratt




Os filhos de El Topo #3, de Alejandro Jodorowsky e José Ladrönn- fecha a colecção


Castelo dos Animais #3 – A noite dos justos, de Delep e Dorison (ainda sem capa)


Corto Maltese #16 – Nocturno Berlinense, de Juan Díaz Canales e Rubén Pellejero (ainda sem capa)


8. Em relação à parceria com a editora, A Seita, a Arte de Autor apenas lançou, neste primeiro semestre, o segundo e último volume de O Combate Quotidiano, de Manu Larcenet. Sei que as vendas do primeiro volume estavam um pouco aquém das vossas expetativas. Sentes que, com o lançamento do segundo volume, as vendas de ambos os livros vão ser mais exponenciadas?

O Combate Quotidiano 2 teve um boa aceitação nas vendas directas e traduziu-se numa série de vendas dos 2 volumes. Não temos ainda números sobre as vendas em livrarias.


9. Ainda relativamente à parceria com A Seita podes adiantar que lançamentos ainda teremos neste segundo semestre de 2022?

Os lançamentos em parceria com A Seita para este semestre são 4 e já estão anunciados. 

O Fado Ilustrado, de Jorge Miguel; 


Noir Burlesque de Marini; 


Naturezas Mortas, de Zidrou e Oriol; 


e Le Chevalier à la Licorne, de Stéphane Piatzszek e Guillermo González Escalada.


10. Em termos da tua opinião pessoal, qual é o teu livro preferido daqueles que foram lançados por vós no primeiro semestre? E qual o teu preferido daqueles que serão lançados no segundo semestre deste ano?

O meu livro preferido editado este semestre é Notre-Dame-des-Lacs, da série Armazém Central, que fecha com chave de ouro uma série sobre a vida, a mudança e o respeito pelos outros. No próximo semestre será seguramente O Castelo dos Animais 3 – A noite dos justos. O único senão é termos que esperar pelo volume 4 para completar esta fabulosa colecção.



Ala dos Livros brinda-nos com uma nova aposta!



E como se não bastasse a fantástica notícia de que o primeiro volume de Blacksad se prepara para ser reeditado pela Ala dos Livros, ainda há mais uma bela novidade em termos de lançamentos!

A editora portuguesa irá lançar, também durante o mês de Julho, a obra O Mergulho, da autoria dos espanhóis Séverine Vidal e Vitor Pinel.

Vou ser sincero: não conheço, nem sequer ouvi falar, sobre esta obra. Mas, depois de alguma investigação, bem como confiando na qualidade das apostas da Ala dos Livros, posso dizer que estou muito curioso e empolgado com este livro. 

Trata a questão da terceira idade com delicadeza e ternura.
Já vimos este tema a ser abordado por outros autores espanhóis como, por exemplo, em Rugas, de Paco Roca; em Presas Fáceis, de Miguelanxo Prado, ou em Como Viaja a Água, de Juan Díaz Canales. Todos estes livros, cada um à sua maneira, me deram grande prazer ler, pois a temática da velhice - essa última fase antes de deixarmos este mundo - está cheia de significados profundos e comoventes.

Além de que, olhando para as ilustrações de Pinel, fico com água na boca para mergulhar neste O Megulho.

O livro deverá chegar às livrarias em Julho mas, por agora, já está em pré-venda no site da editora.

Abaixo, deixo-vos com as habituais imagens promocionais e com a sinopse da obra.
O Mergulho, de Séverine Vidal e Vitor Pinel

Yvonne, de 80 anos, fecha pela última vez as portadas de sua casa e muda-se para uma residência para a terceira idade, pondo um ponto final a quarenta anos de vida passados naquela casa.

A mudança é dura para esta mulher livre e independente, sobretudo porque continua activa e muito lúcida. E Yvonne tem dificuldade em adaptar-se a essa nova vida, que a aproxima dolorosamente da morte…

No entanto, e contra todas as expectativas, faz novos amigos e inclusive apaixona-se. Mas a velhice não lhe dá tréguas e a memória começa a falhar. Presa no turbilhão inelutável da vida, a octogenária decide oferecer-se uma última digressão encantada.

Publicado entre nós pela Ala dos Livros, a obra “O Mergulho” é um relato actual e comovente, impregnado de amor e de nostalgia, que conta com a assinatura de uma das mais prestigiadas escritoras francesas da actualidade.


-/-

Ficha técnica
O Mergulho
Autores: Séverine Vidal e Vitor Pinel
Editora: Ala dos Livros
Páginas: 80, a cores
Encadernação: Capa dura
Formato: 220 x 295 mm
PVP: 22,00€

Blacksad está de volta!!! E não é numa edição qualquer!...


Oh que maravilha de notícia logo pela manhã! Blacksad está mesmo de volta!!!

Já era conhecido há algum tempo que a Ala dos Livros, depois até de ter publicado o mais recente volume da série, Blacksad #6 - Então, tudo cai. Primeira Parte, iria reeditar todos os volumes da série e que são cada vez mais difíceis de encontrar à venda.

E agora é tempo de começarmos logo pelo primeiro deles, Algures entre as Sombras, que foi a génese deste fantástico policial noir em que as personagens são antropomorfizadas.

Há muito que este primeiro volume não se encontrava à venda em lado nenhum. E é um livro elementar em qualquer coleção que se preze de banda desenhada. Bem, na verdade, considero toda a série como obrigatória!
Mas, além de Blacksad ser uma obra magnífica, devo destacar que esta edição será de uma qualidade superior! Até porque conta com um dossier de extras com nada mais, nada menos, do que 24 páginas que recolhem o suplemento A História das Aguarelas. Isto, por si só, já faria desta coleção obrigatória, pois todos sabemos o quão sublimes são os esboços e os estudos preparatórios de Juano Guarnido. Mas, não ficamos por aí, o livro ainda é fornecido com lombada em tecido e outros acabamentos de luxo!

Sei que o editor Ricardo M. Pereira, muito batalhou para conseguir chegar a uma edição desta qualidade.

Meus amigos... isto é para reservar já!

O livro deverá chegar às livrarias a partir de Julho!

Blacksad #1 - Algures Entre as Sombras, de Juan Díaz Canales e Juanjo Guarnido

À data da sua publicação inicial em França, em Outubro de 2000, John Blacksad apresentava uma diferença notável face a outros policiais congéneres: era o herói de uma história protagonizada, na íntegra, por personagens antropomórficos.

Por detrás desta obra, encontravam-se dois autores espanhóis que até então se tinham dedicado apenas ao desenho de animação: Juan Díaz Canales e Juan Guarnido. Blacksad era, para ambos, a sua estreia no mundo da banda desenhada.
E que estreia: para além do acolhimento entusiástico do público e da crítica, o álbum inaugural daquela que viria a tornar-se uma das séries mais aclamadas da BD franco-belga, foi de imediato distinguido com vários prémios a nível internacional, nomeadamente como Mejor Obra y Autor Revelación na 19ª edição do Salón del Cómic de Barcelona, sendo ainda nomeado na categoria Coup de Coeur no Festival Internacional de Banda Desenhada de Angoulême.

John Blacksad é o herói desta história totalmente nova. O cenário é uma cidade grande que lembra muito a Nova York dos anos 1950. Todas as criaturas que vivem nesta cidade são animais. E John Blacksad, o detective particular - um gato preto com focinho branco -, terá de investigar o assassínio de uma actriz que fora outrora sua amante...
A história, que Juan Diaz Canales construiu como um thriller, é habilmente transposta para o desenho por Juanjo Guarnido em vinhetas aguareladas.

Trata-se de uma técnica que Guarnido desenvolveu no Disney Studios em Montreuil.

As aguarelas que serviram de base à concepção dos livros da série Blacksad foram a seu tempo reunidas em diversas obras que, até à data, se encontravam inéditas em Portugal.

Surgem agora, sob a forma de suplemento de 24 páginas, numa Edição Especial com lombada em tecido, pela Ala dos Livros que assim inicia a reedição desta série.

-/-
Ficha técnica
Blacksad #1 - Algures Entre as Sombras
Autores: Juan Díaz Canales e Juanjo Guarnido
Editora: Ala dos Livros
Páginas: 80, a cores
Encadernação: Capa dura com lombada a tecido
Formato: 235 x 310 mm
PVP: 25,00€


quarta-feira, 29 de junho de 2022

Análise: Mattéo - Quinta Época


Mattéo - Quinta Época, de Jean-Pierre Gibrat

Recentemente, a editora Ala dos Livros publicou o último livro – até à data – da série Mattéo, da autoria de Jean-Pierre Gibrat. Trata-se do quinto tomo, Quinta Época, que fecha o segundo ciclo da série. O primeiro ciclo é constituído pelos Tomos 1 e 2 (publicados em Portugal pela extinta Vitamina BD) e o segundo ciclo é constituído pelos tomos 3, 4 e 5 e tem sido publicado pela Ala dos Livros. Embora convenha dizer que é suposto a história ser uma só, já que conta a vida de Mattéo, que vai marcando presença em momentos e conflitos históricos relevantes como a Primeira Guerra Mundial, a Revolução Soviética e a Guerra Civil Espanhola, até chegar, inevitavelmente, até à Segunda Guerra Mundial. O autor prepara-se para editar, em França, no último trimestre deste ano, o sexto volume da série.

Neste Mattéo – Quinta Época, Gibrat continua a dar-nos a história e vivências da personagem Mattéo, naquele ritmo mais pausado, que foi introduzido na série a partir do terceiro tomo. Aliás, para aqueles que apenas conhecem os dois primeiros tomos da série, com uma ação agitada e com um enredo mais dinâmico e surpreendente, há que dizer (avisar?) que, a partir do terceiro tomo, a série mudou exponencialmente. Especialmente no ritmo de narração, mais lento, mas também no próprio enredo que se foi desenvolvendo. Como tal, e sabendo já disto, posso dizer que este Mattéo #5, sendo fiel a esse ritmo mais pausado, volta a trazer alguns pontos relevantes para a história no seu todo.

Com a Guerra Civil Espanhola como pano de fundo, Mattéo e os seus companheiros estão estacionados de forma algo estática, sem que muito aconteça, na aldeia de Alcetia, em Espanha. No entanto, depois de Amélie ter sido capturada pelos nacionalistas, Mattéo está disposto a tudo fazer para conseguir libertá-la.

Entretanto, Anechka parece não ter grande empatia com Amélie e acaba por fazer algumas coisas à sua maneira, pondo a missão de resgate preparada por Mattéo em sério risco. Em simultâneo, Mattéo está instalado em casa do maior latifundiário da região, um nacionalista radical, o que leva o autor Gibrat a bem explorar esta relação entre estes dois homens que será, por ventura, um dos pontos mais altos deste quinto tomo da série. É que, sendo aparentemente antagónicos, com o gradual desenvolvimento da relação entre ambos, verificamos que talvez eles tenham mais em comum do que aquilo que gostariam de admitir. Muito interessante este paradoxo que Gibrat aqui explora.

A história torna-se, portanto, mais impactante do que no tomo anterior. Gibrat soube guardar para este quinto volume um bom conjunto de acontecimentos e revelações que, certamente, não vão deixar os leitores indiferentes. O ritmo da narrativa é lento, como já disse. Mas essa característica acaba por permitir algo ao autor: é que, quando achamos que nada de especial vai acontecer, eis que surge algo, de um momento para o outro, que nos surpreende.

Diria que tenho apenas uma certa queixa em relação a uma vertente narrativa da obra. Por vezes, Gibrat passa de um momento para o outro, sem que nada assim o fizesse prever. Não estou bem a falar de plot twists que, logicamente, se alicerçam nesse mesmo t"ruque" narrativo. Não. Estou a referir-me à introdução de certos momentos avulsos, de uma forma repentina e algo aleatória. Portanto, não me parece tanto que seja com o intuito de criar volte-faces na narrativa – esses até são colocados no sítio certo da história. Assim, das duas, uma: ou o autor quis contar alguma coisa de forma apressada para poupar páginas ou, no exato sentido oposto, quis encher a história com um acontecimento, não tão relevante assim, utilizando a chamada técnica de “filler”, por vezes utilizada em banda desenhada, especialmente quando há um número de páginas pré-definidas para o livro.

A “voz do narrador”, isto é, os comentários de Mattéo na primeira pessoa que, lamentavelmente, quase não existiu no tomo 3, mas que foi recuperada no tomo 4, volta a marcar presença nesta Quinta Época. É um pormenor que muito ajuda para contar-nos bem a história e os seus desenvolvimentos, e onde Gibrat é habilidoso em passar-nos os pensamentos, carregados de cinismo e ironia, que Mattéo vai desenvolvendo. É uma das coisas que muito aprecio nesta série.

Outra característica que estou a apreciar também é que, de livro para livro, a personagem de Mattéo parece estar a endurecer o seu carácter e a ficar  cada vez mais sorumbática e negativa, embora esta mudança seja, compreensivelmente, o resultado de tudo o que este homem já passou. Seja como for, serve para mostrar que o autor Gibrat está a saber trabalhar e evoluir o seu protagonista – mais em termos de personalidade do que em termos de desenho já que, tendo em conta que se passaram muitos anos desde o primeiro tomo até esta parte, o desenho da personagem parece ter envelhecido pouco ou nada.

Quanto às ilustrações de Gibrat, posso repetir-me, dizendo que estamos perante um autor que debita talento, charme, personalidade própria e beleza nos desenhos que nos oferece. Para quem já está familiarizado com as ilustrações do autor – não só na série Mattéo como, também, em O Voo do Corvo, Destino Adiado ou em Pinóquia – posso assegurar que este Mattéo – Quinta Época continua a fornecer-nos a mesma qualidade. Com um traço realista, com belas mulheres (embora algo semelhantes entre si), com boa e subtil capacidade de ilustrar cenários e ambientes e, ainda, com belíssimas cores a aguarela, Gibrat é um autêntico virtuoso da ilustração.

Portanto, e recuperando as minhas palavras acerca de Mattéo – Terceira Época, “considero a qualidade do desenho [de Gibrat] verdadeiramente impressionante, com uma elegância de traço poucas vezes encontrada em livros de banda desenhada.

É verdade que em planos médios de corpo, ou seja, naquelas ilustrações em que as personagens estão um pouco mais ao longe do ponto de vista do leitor, o detalhe é manifestamente inferior ao detalhe aplicado a planos de cara, quando as personagens estão mais próximas. Mesmo assim, e até pela técnica de cor aplicada pelo autor, diria que é apenas uma pequena fraqueza que se aceita e que acaba por ser natural. 

Nota ainda para a sublime capa do livro!

Quanto à edição da Ala dos Livros, está tudo bem feito e em linha com o lançamento dos álbuns anteriores: capa dura, excelente papel, boa encadernação e boa impressão. Nada de negativo a declarar.

Em jeito de conclusão, posso dizer que este Mattéo – Quinta Época, mesmo tendo um ritmo de narração que não se coíbe de ser demarcadamente lento, traz novas e imprevisíveis revelações à trama, que surpreenderão os leitores mais incautos. Por outro lado, é mais um livro para que nos possamos deleitar com as magníficas, belas e singulares ilustrações de Jean-Pierre Gibrat.


NOTA FINAL (1/10):
8.7


Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020


-/-


Ficha técnica
Mattéo - Quinta Época - (Setembro de 1936 – Janeiro de 1939)
Autor: Jean-Pierre Gibrat
Editora: Ala dos Livros
Páginas: 64, a cores
Encadernação: Capa dura
Lançamento: Abril de 2022






-/-

Mais abaixo, deixo o convite para a leitura das análises aos álbuns anteriores da série:






Escorpião Azul lança mais um álbum de Andrea Ferraris!




Depois da bela surpresa que foi Churubusco, do autor Andrea Ferraris, também lançado pela Escorpião Azul, a editora lança agora mais um livro que conta com os desenhos do autor. Só que, desta vez, não se trata de uma obra a solo já que este A Cicratiz tem co-autoria de Renato Chiocca.

É um livro que, juntamente com Churubusco, recebeu uma exposição dedicada na última edição do Festival Internacional de Banda Desenhada de Beja, tendo os dois autores marcado presença no evento.

Este livro é espelho da crescente aposta da editora portuguesa em banda desenhada italiana pois, já este ano, também lançou Urlo - Grito no Escuro, de Gloria Ciaponni e Luca Conca. 

Abaixo, deixo-vos com a sinopse da obra e com algumas imagens promocionais.

A Cicatriz, de Andrea Ferraris e Renato Chiocca

“A Cicatriz” é uma reportagem gráfica sobre a dura realidade que existe em ambos os lados da fronteira entre o México e os Estados Unidos. Três mil e duzentos quilómetros de um Muro que divide a sociedade, criando uma ferida profunda em torno

da qual vão alternando a escuridão, a luz, a violência e a humanidade. Andrea Ferraris e Renato Chiocca viajaram para Tucson e Nogales para documentar as histórias dos que vivem na sombra desse Muro: uma zona de guerra em terra de ninguém. O que eles viram e ouviram foi capturado nesta novela gráfica.

-/-

Ficha técnica
A Cicatriz
Autores: Andrea Ferraris e Renato Chiocca
Editora: Escorpião Azul
Páginas: 48, a preto e branco
Encadernação: Capa mole
Formato: 17x24 cms
PVP: 12,00 €

U-Boot, a nova série da ASA e do Público, é lançada hoje!



Hoje já pode ser comprado, juntamente com o jornal Público, o primeiro volume da nova série da ASA, que dá pelo nome de U-boot e que é da autoria de Jean-Yves Delitte.

No total são quatro volumes que compõem esta mini-série que nos coloca a par de uma conspiração que envolve um submarino da Segunda Guerra Mundial e, ao mesmo tempo, transporta-nos até ao futuro. Mais concretamente, até ao ano de 2059.

Abaixo, deixo-vos com a sinopse deste primeiro álbum e com algumas imagens promocionais.


U-Boot #1 - Doutor Mengel

Em 1945, quando o III Reich está prestes a render-se, um U-Boot alemão parte da Europa através do oceano Atlântico em direcção à América do Sul. 

A bordo, o capitão é abordado pelo seu imediato: o jovem mecânico electricista Herbert acaba de ser encontrado morto na casa das máquinas, desmembrado e com profundas feridas no corpo. Aterrorizado por um cenário tão atroz, o capitão associa-o ao embarque de um oficial das SS de nome Himmel, e das misteriosas caixas que este trouxe consigo para bordo... 

Em Maio de 1951, uma expedição de cartógrafos ingleses desloca-se a pé ao longo do rio Amazonas até encontrar os destroços de um U-Boot naufragado... Um dos homens desce ao interior do submarino com uma tocha na mão, encontrando um homem hirsuto a dormir, com todo o ar de estar ali abrigado há meses... 

Em Junho de 2059, o estudante italiano de economia Pietro Campinello liga ao seu professor através do seu tablet, muito excitado com a descoberta que acaba de fazer nos arquivos da biblioteca de Veneza sobre o grupo Maher.

Antes que possam revelar ao mundo o “escândalo do século”, são ambos assassinados por uma jovem que, a seguir, lança a um canal quase sem água os dossiers digitais do estudante...


-/-

Ficha técnica
U-Boot #1 - Doutor Mengel
Autor: Jean-Yves Delitte
Editora: ASA
Páginas: 48, a cores
Encadernação: Capa dura
Formato: 240 x 320 mm
PVP: 10,90€
Data de Lançamento: 29 de Junho

terça-feira, 28 de junho de 2022

Está de volta a coleção Clássicos da Literatura em BD!


A partir de hoje já está disponível o primeiro volume da nova coleção Clássicos da Literatura em BD, da Levoir e da RTP! Bem, na verdade, este não será bem o "primeiro" volume, uma vez que esta coleção procura ser uma continuação da coleção do ano passado. Portanto, este novo livro é, concretamente, o 15º volume da série.

Trata-se da adaptação de 20.000 Léguas Submarinas, do famoso autor Júlio Verne. A adaptação para banda desenhada é feita por Fabrizio Lo Bianco e por Francesco Lo Storto

Mais abaixo, deixo-vos a nota de imprensa da editora e algumas imagens promocionais da obra.


20.000 Léguas Submarinas, de Fabrizio Lo Bianco e Francesco Lo Storto

20 000 Léguas Submarinas foi publicado pela primeira vez em 1871. O autor francês Júlio Verne, considerado um dos pais da ficção científica, conta a história das descobertas do Professor Pierre Aronnax e dos seus companheiros, do seu criado Conseil e do exímio arpoador Ned Land a bordo do submarino Nautilus pertencente ao enigmático capitão Nemo.

Em 1866, quando navios de diversas partes do mundo começaram a naufragar e a sofrer misteriosas avarias, governantes e homens de ciência mobilizaram-se para identificar, localizar e deter o misterioso monstro marinho responsável por tais ataques. Procuravam algo descrito como “comprido, fusiforme, fosforescente em certas ocasiões, infinitamente maior e mais veloz que uma baleia”.
Mas a missão não correu conforme os planos, e a besta desconhecida destroçou a fragata que fora em sua captura e onde viajavam o Professor Aronnax, Conseil e Ned, conseguindo sobreviver ao ataque, mas são capturados pelo “monstro”. Neste momento eles descobrem que na verdade não existe nenhuma criatura, mas sim um gigante submarino, Nautilus, com uma tecnologia que jamais tinha sido vista no mundo. A bordo estão o misterioso Capitão Nemo e os seus companheiros. Nemo recebe os três sobreviventes como parte da sua tripulação, com a condição de que eles nunca mais voltassem para casa, pois o capitão não quer que o seu segredo seja revelado. Sem ter muitas opções, os três homens aceitam o acordo, esperando que em algum momento exista uma possibilidade de fuga ou que o Nautilus seja capturado. E é desta forma que os três começam a navegar pelo mundo submarino, conhecendo lugares e criaturas incríveis, que nunca imaginaram existir.
O livro está dividido em duas partes a primeira em banda desenhada tem adaptação e argumento de Fabrizio Lo Bianco e desenhos de Francesco Lo Storto. E na segunda há um dossier onde se apresenta o percurso e a obra do autor em questão, numa cronologia cheia de curiosidades e histórias.

-/-

Ficha técnica
20.000 Léguas Submarinas
Autores: Fabrizio Lo Bianco e Francesco Lo Storto
Adaptado a partir da obra original de: Júlio Verne
Editora: Levoir
Páginas: 64, a cores
Encadernação: Capa dura
Formato – 210 x 285 mm
PVP: 13,90€

segunda-feira, 27 de junho de 2022

Análise: Pele de Homem

Pele de Homem, de Hubert e Zanzim - A Seita

Pele de Homem, de Hubert e Zanzim - A Seita
Pele de Homem, de Hubert e Zanzim

Quando conheci Praga, embora soubesse, de antemão, que a cidade tinha muitas belezas para ver e visitar, fiquei muito surpreendido por estar diante de uma cidade que considerei tão bem cuidada, com uma atmosfera tão bonita e própria, e com uma beleza arquitetónica tão gratificante. Não estava à espera de algo tão bom e, talvez por isso, fiquei maravilhado. O mesmo aconteceu-me quando visitei Bordéus no ano passado. Até já lá tinha estado em criança, mas não tinha grandes memórias. E a razão da escolha deste destino foi apenas uma: o fantástico preço de bilhete de avião e hotel que encontrei para uma escapadela num fim de semana a dois, com a minha mulher. Portanto, a expetativa também não era muito elevada. Refiro-me ao destino da viagem e não à minha companhia, entenda-se! No entanto, achei a cidade muito, muito, muito bonita, com uma boa oferta de coisas para ver e fazer, tendo-me levado a adorar lá estar. Porquê? Bem, porque não esperava algo tão bom. Por outro lado, também já me aconteceu o contrário. Desde que sou criança que oiço os maiores elogios à cidade de Amesterdão. É das cidades preferidas de tanta gente que conheço. Portanto, a minha expetativa era muito alta perante esta cidade. Quando lá fui pela primeira vez, posso dizer que fiquei algo desapontado e que pensei: “é esta a cidade que tanta gente fala como sendo das mais bonitas da Europa? Estão a gozar comigo?”. Nada tenho contra Amesterdão que, naturalmente tem as suas belezas e é uma cidade aprazível, que até acabei por visitar noutras vezes após a primeira visita. Mas, lá está, como a minha expetativa era altíssima, quando finalmente conheci a cidade, não achei nada por aí além.

Pele de Homem, de Hubert e Zanzim - A Seita
Portanto, todo este meu parágrafo de cariz turístico que, bem sei, se afasta do tema do Vinheta 2020, serve apenas para dizer que, por vezes, quando as expetativas são muito altas, sentimos uma certa sensação de desilusão, não é? E quando as expetativas não estão tão elevadas, às vezes, a sensação é oposta e ficamos radiantes com algo que nos surpreende pela positiva. Felizmente, noutros casos ainda, a expetativa é elevada e o resultado em nós, é igualmente elevado. Exemplo (ainda turístico): tinha grandes expetativas com Nova Iorque, Paris ou Londres e não me senti minimamente defraudado ou dececionado com estas cidades que até superaram as minhas (altas) expetativas.

Assim e centrando-me, finalmente, em Pele de Homem, a aclamada banda desenhada que tem “papado” tudo o que é prémio de bd e conquistado a crítica e público, posso dizer que depois de feita a leitura, considero a obra como a minha “Amesterdão da Banda Desenhada”. História muito interessante e original, boa ilustração, mas… “só” isso. Estava à espera de algo (mais) grandioso, que mudasse (mais) a minha vida, ou que me fizesse refletir (mais), de forma profunda, sobre variados temas da sexualidade e das relações humanas. Mas não é bem isso. Pele de Homem sabe entreter, de forma leve e divertida, mas de uma maneira curta, superficial e, em várias vezes, contraditória nas questões que levanta.

Pele de Homem, de Hubert e Zanzim - A Seita
Mas comecemos pelo muito bom que se pode dizer de Pele de Homem, esse livro lançado originalmente pelos autores Hubert e Zanzim. Assim que o livro foi lançado, rapidamente conquistou a crítica e os leitores, tendo sido, se não estou em erro, a obra mais premiada de 2020 e rapidamente considerada como “uma das obras-primas aclamadas da banda desenhada contemporânea”. Uau! Como não ficar com altas expetativas perante uma obra assim? Bem sei que isto dos prémios a criações artísticas tem muito que se lhe diga e, muitas vezes, também há muita “politiquice” na atribuição de prémios. Não obstante, parece haver um certo consenso em relação à qualidade da obra.

Foi, por isso, com um espírito ávido e super interessado que mergulhei nesta leitura. E, no início, não posso dizer que não fiquei maravilhado, pois a premissa da obra é verdadeiramente genial. Situada no período renascentista, conta-nos a história de Bianca, uma jovem italiana que foi prometida a Giovanni, num casamento arranjado entre as famílias de ambos. Mas Bianca começa por levantar uma questão comum, mas completamente legítima, que é a seguinte: “não deveriam as pessoas conhecer-se primeiro, antes de se casarem?”. Se esta questão terá já sido muitas vezes trazida para a mesa das reflexões da humanidade, surge-nos, pela mente do argumentista Hubert, uma possibilidade verdadeiramente original para tentar ajudar a protagonista Bianca na obtenção da sua resposta. É que, há um poderoso segredo na família da jovem: as mulheres da sua família detêm na sua posse uma pele de homem, chamada Lorenzo, que, quando vestida, transforma a mulher que a veste num homem, sem que ninguém descubra de que se trata de uma mulher que está por debaixo daquele corpo. No fundo, é como se fosse um fato completo que, depois de vestido, faz a mulher ser um verdadeiro homem.

Pele de Homem, de Hubert e Zanzim - A Seita
Ora, com este fantástico poder, o primeiro pensamento de Bianca é apenas um. Se ela se transformar em homem, poderá aproximar-se do seu noivo prometido, Giovanni, e assim conhecer melhor o homem que está destinado a ser o seu marido. Descobrir os seus gostos, a sua maneira de ser, a maneira como ocupa o tempo, com quem se relaciona, entre outras coisas. E parte, então, para essa demanda, vestindo a pele de Lorenzo.

Até aqui eu estava maravilhado com Pele de Homem pois este “superpoder”, de vestir a pele de uma pessoa do outro sexo, parece-me uma daquelas premissas riquíssimas e muito férteis do ponto de vista do argumento, que poderia dar uma série de banda desenhada com milhentos volumes e formas. Tomara que alguém da Marvel ou da DC se tivesse lembrado de um conceito tão original nas últimas décadas! É que a ideia de se ser, anónima e eficazmente, uma pessoa do outro sexo, sem que se seja apanhado, abre espaço para inúmeras ideias que possamos ter. Eu, no meu caso, se tivesse uma pele que me transformasse em mulher, já me estou a imaginar a ir equipar-me para o balneário feminino do Fitness Hut para ver melhores imagens do que aquelas que, lamentavelmente, acabo por ter que ver no balneário masculino. Mas bem, piadolas à parte, o conceito é mesmo rico e dá para pegarmos nele para o mais diverso tipo de histórias: desde histórias tristes, filosóficas, romanceadas, humorísticas, etc. O céu (da criatividade) seria o limite.

Pele de Homem, de Hubert e Zanzim - A Seita
É, portanto, na premissa que Hubert - o argumentista que, tristemente cometeu suicídio ainda antes desta obra ser lançada - consegue o seu maior feito. Embora, a história também arranque bem. Com algum humor e levantamento de algumas boas questões iniciais, é quase viciante ver o desenvolvimento da relação dos noivos Giovanni e Bianca, ocultada pela pele masculina de Lorenzo.

Rapidamente Bianca descobre que Giovanni é homossexual e que se sente atraído por Lorenzo. Se isso até poderia ser expetável, o que é mais surpreendente é que apesar da homossexualidade de Giovanni e da aparente impossibilidade de relacionamento entre ambos, também Bianca se começa a apaixonar por Giovanni e a sentir desejos por ele. Estão a ver a triangulação amorosa que para aqui vai? Recapitulemos: Giovanni está noivo de Bianca, mas está é verdadeiramente apaixonado por Lorenzo que é, nada mais, nada menos, que Bianca, “mascarada” de homem. E o melhor de tudo é que Giovanni nem desconfia que Lorenzo é, na realidade, Bianca!

Pele de Homem, de Hubert e Zanzim - A Seita
Com esta trama impactante a um nível que bem poderíamos considerar queirosiano, rapidamente a minha mente congeminou que estaríamos na possibilidade de um livro marcante para toda a vida. Poderemos amar, então, a pessoa, independentemente do seu género ou sexo? Estaria Hubert a ir narrativamente por esse caminho sinuoso, mas propenso a uma mensagem maior do que a vida?

Nem por isso. A verdade é que Pele de Homem se foca muito mais no amor carnal e na propensão para o desejo sexual – naquilo e naqueles(as) que nos excitam - do que noutra coisa qualquer. E não vai por esse caminho maior que pensei. Nada há de errado nisso pois é o autor que manda na sua história – e não um miserável como eu, que só está para aqui a opinar. De qualquer forma, a verdade é que esta opção do autor arrasta a história consigo para lugares comuns e para uma certa mundanidade.

Entretanto, Bianca vai mantendo o segredo da sua identidade ao seu noivo, levando este a achar que Lorenzo é apenas um homem por quem está apaixonado e com quem tentará manter uma relação extraconjugal. Mas reparem: se Pele de Homem procura derrubar preconceitos, não deixa de ser verdade que não está isento dos mesmos. E é aqui que “a porca torce o rabo”.

Pele de Homem levanta questões universais e atuais como a relevância do género e da sexualidade, e a aceitação e compaixão que temos – ou não – em relação às pessoas que optam por viver a vida de uma forma diferente ao “socialmente aceite”. Todavia, poderia ter havido um maior desenvolvimento das questões levantadas, por parte do autor. Elas são bem trazidas à mesa, é certo, mas por vezes pareceu-me que seria mais esse o exercício aleatório do autor do que, propriamente, o aprofundamento real desses temas. E, naturalmente, há questões que ficam sem resposta e que acabam por ser contraditórias.

É que, se se procura apelar e incentivar à aceitação das pessoas que vivem a vida da maneira que consideram benéfica para si mesmas, não será uma enorme (gritante!) contradição colocar Bianca a vergar-se perante os fetiches e gostos do seu noivo? Não estávamos a falar na relevância de cada um viver a sua vida do jeito que quer e procurando o que lhe traz felicidade? E acreditarão os autores que isso se consegue com a negação do Eu?

Pele de Homem, de Hubert e Zanzim - A Seita
Passo a explicar: se, num livro que se apresenta como feminista, colocamos uma mulher a abdicar das suas características inerentes por causa de uma relação em que a mesma não será amada da exata forma que é, então estamos, mais uma vez, a colocar de lado os interesses da mulher. Voltemos atrás: Bianca quer ser amada pelo seu marido Giovanni e até começa a sentir-se atraída por ele. No entanto, sendo Giovanni homossexual, não se sente minimamente atraído por ela. Exceto quando ela se transforma num homem, Lorenzo – embora Giovanni não saiba que ambos são a mesma pessoa. Ora, para que o seu marido se sinta atraído por ela, Bianca não se importa de abdicar de ser quem é para se transformar naquilo que o homem quer. Como se isso fosse um meio que justifica um fim. Lá estamos nós na famigerada objetificação da mulher. Em lado algum, esta postura me parece benéfica para a mulher. Daqui a pouco, estamos a dizer que uma mulher, para receber o carinho de um homem, tem que aceitar levar uns socos de vez em quando, é isso? Bem, talvez eu esteja a exagerar mas a tónica é a mesma. E é por isso que me parece que a lógica feminista de Pele de Homem sai totalmente vilipendiada. Se esta dualidade foi propositada pela parte de Hubert, acho que pode ser considerada como um jogo narrativo interessante, mas que tem o custo de tornar a história mais dúbia e a mensagem mais negativa do que positiva. Para o lado das mulheres. Ou, então, o autor nem se deu conta de algo que me parece tão claro. Porque, convenhamos, se uma mulher (ou um homem) tem que ser algo que não quer ser para, dessa forma, sentir e receber o amor de alguém, então já estamos a ir pelo mal caminho da coisa, digo eu. E, note-se, nunca é dito ou revelado que a protagonista quer ser homem. É sempre dito que Bianca não se importa de ser homem para receber o amor do homem que ama. E essa pequena (grande) nuance faz toda a diferença.

Pele de Homem, de Hubert e Zanzim - A Seita
Se, por acaso, Giovanni, mesmo sendo homossexual, se apaixonasse por Bianca quando descobrisse que Lorenzo, afinal de contas, era Bianca, então aí estaríamos a um nível mais profundo da questão do género e da sexualidade. Mas nada disso acontece. Giovanni não quer saber de Bianca e apenas deseja Lorenzo porque este é um homem. Não interessa a pessoa que Lorenzo é. Nem a pessoa que Bianca é.

E, depois, consequentemente, este beco narrativo em que Hubert se colocou, traz-nos uma resolução final da história que é, também ela, algo desencantada e pueril, acabando por ser o exato oposto daquilo que Pele de Homem parecia preconizar nas suas primeiras páginas. E lá se vai, uma vez mais, a aura feminista da obra.

No entanto, há que dizer algo sobre Pele de Homem: é que, pelo menos, nem que seja pelas inconsistências do argumento e da trama da obra, é um livro que nos coloca a refletir, a pensar e a trocar opiniões sobre o mesmo. E, claro, isso - além de tratar um dos temas da moda - também será uma forte causa para o enorme hype do livro.

Como outros pontos positivos a destacar do trabalho de Hubert, sublinho ainda a forma escorreita e simples como a história nos é narrada. E aí, o autor sabe ser exímio. É fácil começar a ler esta obra e difícil de pousar o livro, até que finalizemos a sua leitura.

Pode parecer que estou só a “malhar” em Pele de Homem. Mas não o faço só porque sim – e a nota final vai comprovar que considero este um bom livro, ainda assim. Se aponto as tais inconsistências nos intuitos da obra e no desenvolvimento da narrativa é porque, realmente, afastam, quanto a mim, a obra de ser mais “obra-prima”. E, claro, a enorme expetativa que tinha em relação a Pele de Homem também não ajudou. E isso, reconheço, até pode ser culpa minha. Mas é inevitável que tenhamos (mais ou menos) expetativas em relação às obras que lemos. Como a quaisquer outras coisas da vida. Incluindo, cidades que visitamos.

Pele de Homem, de Hubert e Zanzim - A Seita
Olhando para as ilustrações de Zanzim, posso dizer que temos um trabalho delicado e belo, que casa muito bem com a história que nos é dada. O estilo é bastante simplista e naïf, com o traço expressivo e caricatural do autor a presentear-nos com personagens que me fizeram lembrar o estilo de autores como Christophe Blain ou Joann Sfar. Embora, naturalmente, Zanzim tenha o seu próprio estilo e personalidade, claro está. Alguns cenários são um pouco mais despidos do que aquilo que eu gostaria, mas acho que, mesmo assim, são agradáveis à vista e eficientes na maneira como sabem bem contar a história de Hubert.

O autor oferece-nos uma planificação dinâmica e muito eficaz, que torna a leitura fácil e fluída. Merece um destaque a bela forma, graficamente simples, mas muito bem conseguida, com que o autor divide o mesmo espaço cénico, normalmente utilizando perspetivas isométricas, para colocar as mesmas personagens em momentos diferentes, dando-nos uma noção de movimento bem conseguida. As páginas de corte entre capítulos, também nos dão sempre belas ilustrações que embelezam, ainda mais, a excelente vertente visual de Pele de Homem. Se é um estilo de ilustração demasiado próprio e que pode não agradar a alguns leitores mais convencionais, a verdade é que estas ilustrações são parte da beleza e originalidade da obra e que merecem as minhas vénias.

Quanto à edição da editora A Seita, nada de negativo pode ser dito. Capa dura, papel baço de boa qualidade, que encaixa bem no estilo dos desenhos e cores da obra, boa encadernação e boa impressão. Gostaria que o livro pudesse contar com alguns extras mas isso não aconteceu neste caso. Deixo ainda uma palavra de apreço à editora portuguesa por não ter perdido muito tempo na edição desta obra que tanta tinta tem feito correr. É bom que as editoras estejam atentas ao que se passa lá fora e que “apanhem o comboio” das edições importantes, de forma a que o público português possa acompanhar o que de melhor e/ou mais relevante vai sendo editado no estrangeiro.

Em suma, não se deixem levar pelo facto de, quanto a mim, Pele de Homem não ser perfeito, nem uma obra-prima. Não tenho dúvidas de que é um bom livro e que vale a pena conhecer. A premissa é verdadeiramente original e o tema não podia ser mais atual. Não considero, porém, que seja um livro tão bom como alguns leitores, críticos e editores têm apregoado por cá e no estrangeiro. Naturalmente – e insisto - é bom. Mas de uma forma mais genérica e superficial do que aquilo que eu esperava, acabando por ser mais - e perdoem-me o jargão futebolístico - um remate ao lado do que um tiro certeiro. Ainda assim, um dos livros mais marcantes e que, certamente, mais dará que falar aos leitores portugueses de banda desenhada, que talvez até, no final, considerem que o remate acabou por dar em golo.


NOTA FINAL (1/10):
8.6


Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens dos álbuns. www.instagram.com/vinheta_2020



-/-


Pele de Homem, de Hubert e Zanzim - A Seita

Ficha técnica
Pele de Homem
Autores: Zanzim e Hubert
Editora: A Seita
Páginas: 160, a cores
Encadernação: Capa dura
Formato: 21 x 28 cms
Lançamento: Junho de 2022