Quando há cerca de um ano a Ala dos Livros lançou o terceiro álbum da série Mattéo, da autoria de Jean-Pierre Gibrat, eu não poderia ter ficado mais feliz. Sou um grande admirador deste autor, adorando algumas das suas obras como Destino Adiado, O Voo do Corvo ou mesmo o, muitas vezes esquecido, Pinóquia. Portanto, tendo em conta que, de Mattéo, apenas tinham sido publicados dois números em Portugal – pela extinta editora Vitamina BD - saber que a Ala dos Livros voltava a agarrar nesta série foi uma ótima notícia para mim.
E tal como escrevi na altura do lançamento de Mattéo – Terceira Época, considero “a qualidade do desenho [de Gibrat] verdadeiramente impressionante, com uma elegância de traço poucas vezes encontrada em livros de banda desenhada. Aliás, se me pedissem para, por alguma razão do foro da ficção científica - fosse ela um ataque nuclear ou uma operação de raptos levada a cabo por aliens -, colocar num bunker aqueles que considero os melhores ilustradores de banda desenhada do mundo, fazendo com que o seu talento continuasse a viver junto de nós, é bastante provável que Gibrat figurasse nesse número ultra-exclusivo de ilustradores que eu colocaria no abrigo. A sua arte é ímpar, sofisticada e clássica ao mesmo tempo, e apresenta um estilo muito próprio. Às vezes diz-se: “goste-se ou não”. No caso de Gibrat, parece-me que a única expressão válida, em relação à sua arte é: “goste-se ou goste-se”. É possível não gostar de tamanha obra de arte da ilustração?”
Não mudo uma linha ao que escrevi nessa altura. De facto, há um charme e um carisma nos desenhos de Gibrat que tornam a sua arte facilmente apelativa a qualquer fã de banda desenhada, diria. Há algumas vozes que dizem – com alguma razão – que as personagens de Gibrat são, todas elas, muito parecidas entre si. No entanto, e mesmo admitindo que isso é verdade e que as personagens acusam muitas semelhanças visuais entre si, especialmente as femininas, os desenhos são de uma beleza tal que não deixam de nos cativar. E, desde que o autor saiba utilizar elementos diferenciadores para que as suas personagens não se confundam entre si, alterando e prejudicando a normal fluidez da narrativa, então, esta característica do autor não merece, a meu ver, críticas negativas. Parece-me mais uma opção criativa do que uma incapacidade técnica.
Até porque, tecnicamente o trabalho de Gibrat é exímio ao nível da caracterização realista das suas personagens – e das suas expressões e linguagem corporal - ou da caracterização cénica, com veículos, edifícios e florestas a serem representados de forma magnífica. Portanto, para os leitores deste texto que já conhecem e gostam dos desenhos de Gibrat, posso dizer que não se sentirão defraudados neste livro. Continua espetacular! E, por isso, não há neste Mattéo – Quarta Época muitas coisas a assinalar que são diferentes daquilo a que o autor já nos habitou nesse cômputo, excetuando um maior predomínio de vinhetas de grandes dimensões que vão aparecendo no livro. Umas ocupam meia página e outras chegam mesmo a ocupar uma página inteira. Tendo em conta, lá está!, a qualidade da arte ilustrativa do autor, é com bom olhos que vejo esta nova aposta. De resto, e relativamente à arte, não há nada que enganar! É Gibrat, afinal de contas! Portanto esperem um traço muito realista e virtuoso que sabe cativar o leitor da primeira à última página.
Falemos agora na história deste quarto volume. Relembro que a história desta série acompanha a Europa entre Guerras, passando pela Primeira Guerra Mundial, para a Revolução Russa, para a Revolução Espanhola e, finamente, para a Segunda Guerra Mundial. Continuando os acontecimentos que foram deixados em suspenso no anterior volume, Mattéo e os seus companheiros, Amélie e Robert, conseguem chegar a Barcelona com o intuito de apoiarem a jovem república espanhola. Mas a demanda não é fácil. Primeiro, são as armas que transportam que acabam por levantar suspeitas junto dos republicanos espanhóis e, depois, são as divergências que sucedem entre Mattéo e Robert sobre em que fileiras se deve o grupo alistar que geram frações na sua relação de amizade. Mattéo acaba por assumir o controlo de um grupo miliciano e, como não podia deixar de ser, aparece uma nova e (sempre) bela personagem feminina, Anechka, uma polaca antiga campeã olímpica, que se junta à milícia.
Há que dizer que a história está agora num ritmo muito mais calmo do que nos primeiros dois tomos da série. Já no anterior volume, em que Mattéo e os seus amigos passam um mês de férias na terra natal do protagonista, o ritmo da narrativa tinha sido muito mais pausado e, neste Mattéo – Quarta Época, embora se sucedam alguns acontecimentos de maior ação, estamos perante uma certa calmaria narrativa. Uma coisa que felizmente Gibrat parece ter ido repescar aos dois primeiros tomos e que, lamentavelmente, foi muito pouco utilizada no tomo anterior foi a “voz narrativa” de Mattéo, que nos vai contando, com sábia e mordaz ironia, os acontecimentos que se vão sucedendo. Antes deste Mattéo 4, reli todos os álbuns publicados em português até agora e, de facto, é magnífica a qualidade do texto de Gibrat nos primeiros dois tomos da série. A partir do número 3, os diálogos entre as personagens tornam-se mais políticos mas os comentários em voz off de Mattéo, quase se extinguem por completo. Felizmente, neste Mattéo – Quarta Época, parecem mais presentes. O que é bom.
Mesmo assim, há que admitir que o enredo é demasiado simples e linear. Tendo em conta que o Terceiro tomo pareceu ser uma preparação para eventos marcantes vindouros, acho que estava à espera de algo mais neste quarto volume. Não é que não seja um bom livro em termos de história mas é justo dizer que o autor já nos habitou a mais. Especialmente nos dois primeiros volumes ou mesmo no anterior que, mesmo sendo mais calmo em acontecimentos, permitiu um excelente desenvolvimento das personagens.
Em termos de edição, a Ala dos Livros oferece-nos um livro que vem com boa encadernação, bons acabamentos, bom papel e capa dura. Tudo feito com a qualidade que a editora nos tem habituado. Contudo, desta vez, há apenas uma coisa a lamentar: na lombada não aparece o título da obra “Mattéo”, mas apenas o subtítulo Quarta Época (Agosto – Setembro de 1936). Já averiguei que foi um erro que aconteceu na gráfica. Não é algo que “estrague” a edição mas, pensando no cariz colecionável que as boas séries têm, é uma pena que tenha acontecido e pede-se mais cuidado nas revisões futuras.
Em conclusão, há que dizer que, mais uma vez Gibrat não desilude no enorme virtuosismo e inspiração que destila nas páginas deste Mattéo. Há, ainda assim, que admitir que, dos quatro volumes da série que foram lançados em Portugal até esta parte, este talvez seja o volume onde os momentos vividos pelas personagens são menos impactantes para o leitor. Não obstante, sendo o menos forte é, ainda assim, um livro muito bom que agradará aos fãs portugueses de Gibrat. Que venha o próximo!
NOTA FINAL (1/10):
8.5
Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020
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Mattéo - Quarta Época (Agosto - Setembro de 1936)
Autor: Jean-Pierre Gibrat
Editora: Ala dos Livros
Páginas: 64, a cores
Encadernação: Capa dura
Lançamento: Junho de 2021
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