Quem é o leitor português que nunca leu um livro da Turma da Mónica? (sim, insisto em escrever “Mónica” e não “Mônica”). Serão muito poucos – ou nenhuns – aqueles que não se divertiram com os planos infalíveis (que sempre falhavam) do Cebolinha; o medo da água de Cascão; o apetite voraz da magrinha Magali; ou o pragmatismo em resolver uma situação “à coelhada”, por parte de Mónica.
Não sou exceção. Se, em criança, comecei as minhas leituras de banda desenhada a ler as revistas da Disney, a Turma da Mónica foi o passo que se seguiu. E posso mesmo dizer que, a certa altura, as aventuras desta irresistível turma brasileira até estavam entre as minhas escolhas preferidas. Portanto, sim, para mim, "Maurício de Sousa é o Walt Disney do Brasil", como muita gente diz. A quem estou grato pela obra universal e pela dádiva de tão memoráveis personagens.
Faço esta introdução para referir que este Turma da Mónica – Laços há muito estava na minha pilha de livros para ler. De há uns anos para cá os Estúdios Maurício de Sousa têm vindo a tentar reinventar-se na forma como produzem as histórias de Mónica e dos seus amigos, tentando chegar a novos públicos e a manter outros que, entretanto, foram crescendo em maturidade. E a chancela Graphic MSP foi apenas uma das formas pensadas para revisitar estas personagens marcantes.
Assim, apoiado num claro sentido nostálgico e da importância que estas personagens tiveram para as crianças que, hoje em dia, são adultos, o projeto Graphic MSP consiste em convidar artistas brasileiros consagrados para contar e ilustrar histórias das personagens clássicas do estúdio, com base na própria interpretação das mesmas, por parte dos autores e no próprio estilo gráfico destes. A coleção tem sido um autêntico sucesso no Brasil, já contando com 31 álbuns! Este Turma da Mónica – Laços foi o segundo álbum da série, publicado originalmente em 2013, e, entretanto, até já recebeu adaptação para o cinema.
Partindo então deste ponto, posso dizer que estamos perante um álbum belo e carregado de ternura que, dificilmente, não tocará o coração mais insensível que, algures no passado, já tenha lido uma história da Turma da Mónica. E esta nota merece especial menção: qualquer pessoa pode ler e enternecer-se com este livro. Mesmo aquelas que nunca tenham lido uma revista clássica da Turma da Mónica. No entanto, estou certo que toda a profundidade da história e das referências que dela advêm, só será mais bem alcançada por aqueles que cresceram a ler as histórias desta turma brasileira e que, neste Laços, têm tudo para poderem, nostalgicamente, mergulhar, uma vez mais, nesse passado saboroso da infância. Como que um laço com o nosso próprio passado. Ou não fosse o nome da história "Laços". Os da amizade. Os que as personagens criam entre si. E entre os seus animais de estimação. E os laços que criam connosco, leitores. Laços que, sendo ténues e sensíveis, cultivamos ao longo da nossa vida como se se tratassem de flores que não podemos deixar de regar. Assim é a amizade.
E é isso que os irmãos Vítor Cafaggi e Lu Cafaggi nos trazem em tão boa dose. A história base deste livro é bastante simples. O cão do Cebolinha, Floquinho, desaparece e é esse o ponto de ignição para que Cebolinha, Mónica, Cascão e Magali embarquem numa nova aventura em busca pelo famoso cão cuja cauda e a cabeça são dois tufos de pêlo iguais entre si. Mas claro que é nessa demanda que os autores Cafaggi vão sedimentando a sua relação - o seu "laço" - com o leitor.
A história começa por nos apresentar mais um “plano infalível” de Cebolinha que, naturalmente, tinha a Mónica como vítima e que, mais uma vez, correu mal. São então (re)introduzidas várias personagens da turma enquanto a fuga de Cascão e Cebolinha ocorre nas primeiras páginas da obra. É então que Cebolinha é confrontado com uma triste notícia: Floquinho desapareceu. Os amigos decidem, por isso, levar a cabo uma missão de descoberta e salvamento do cão de Cebolinha. Pelo caminho, sucedem vários pequenos episódios com os autores a saberem introduzir, de forma inteligente, várias temáticas próprias da infância como o bullying, a aventura e o desejo de acampar com os amigos, o medo, as histórias partilhadas à luz de uma fogueira. Tudo isto lugares-comuns, mas que, convenhamos, encaixam muito bem no tipo de história que nos é dada.
Outra coisa muito bem construída, e que me agradou, foi o generoso conjunto de referências que dão pistas e explicações sobre o porquê - ou o como - das personagens serem da forma que as conhecemos: o medo da chuva do Cascão; o facto de Magali estar constantemente a comer e, mesmo assim, ser muito magra; a troca dos R’s pelos L’s do Cebolinha; entre muitas outras referências. E até há espaço para uma homenagem ao próprio Maurício.
Sinceramente, das quatro personagens, apenas me parece que a Mónica acaba por ocupar um lugar de menos destaque na história. Se Cebolinha é o principal, Magali e Cascão oferecem momentos divertidos à história e Mónica acaba por ser a personagem que menos parece influenciar o enredo embora, naturalmente, esteja tão presente fisicamente como as restantes personagens.
Em termos de arte ilustrativa, os desenhos que aqui temos são simples, de traço linear, e dão um aspeto ternurento à história que, já por si, também é ternurenta. É um casamento perfeito.
Acho muito bem conseguida a adaptação das personagens ao seu próprio estilo gráfico, por parte dos autores. E considerando que as personagens de Mónica, Cascão e Magali funcionaram muito bem, não fiquei tão convencido com Cebolinha. Compreendo que aquele cabelo, com cinco traços apenas, não seja fácil de adaptar a outro estilo ilustrativo. Mesmo assim, a personagem fez-me lembrar em demasia o protagonista dos desenhos animados Ruca. Mas tirando este aspeto, menos positivo para os meu gosto, visualmente as personagens ficaram muito bem executadas, sendo que também merece destaque e louvor a excelente expressividade que todas as personagens têm, que nos passam as suas emoções sem margem para erros de interpretação.
A planificação é bastante dinâmica, com as pranchas a aparecerem com as mais diversas configurações e várias são as vezes em que partes do desenho saem das vinhetas onde estão inseridos. Algo simples mas que funciona bem e atribui à obra uma sensação de modernidade.
Em termos de cores, também é um livro muito bonito embora as cenas noturnas merecessem, a meu ver, um maior cuidado no tratamento da luz para que, dessa forma, tivessem melhor leitura. Destaque ainda para certas cenas em tons de sépia, que revelam episódios do passado, e que também têm um aspeto muito bonito. Se o argumento e os desenhos estão muito bonitos, não é menos verdade que a paleta de cores utilizada, atribui muita doce e suave beleza, em termos gráficos, a esta obra.
Quanto à edição, da Maurício de Sousa Editora e da Panini Comics, estamos perante um excelente trabalho. A capa é dura e o papel é brilhante e de boa gramagem. O próprio grafismo da edição também está muito bonito, com a capa e a contracapa a terem um aspeto muito apetecível e bem conseguido. A acrescentar a isso, temos um excelente caderno de extras com sete páginas que nos dão informações muito relevantes sobre a feitura desta obra. Desde o desenvolvimento dos primeiros esboços das personagens, até aos primeiros materiais promocionais de Laços, bem como uma introdução a cada uma das quatro personagens que aparecem nesta obra.
Concluindo, esta é uma obra muito bonita, carregada de emoção e ternura, e que se recomenda especialmente - mas não só! – a todos aqueles que cresceram a ler as histórias destas personagens maravilhosas. Os irmãos Cafaggi revelam um enorme respeito e admiração pelas personagens clássicas e conseguem um excelente livro. Recomendado, sem dúvida!
NOTA FINAL (1/10):
8.9
Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020
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Turma da Mónica – Laços
Autores: Vítor Cafaggi e Lu Cafaggi
Editora: Maurício de Sousa Editora e Panini Comics
Páginas: 82, a cores
Encadernação: Capa dura
Lançamento: Agosto de 2018
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