quinta-feira, 29 de julho de 2021

Análise: Deixa-me Entrar



Deixa-me Entrar, de Joana Afonso

Deixa-me Entrar foi o primeiro livro a solo de Joana Afonso, a autora portuguesa que ficou conhecida no universo da banda desenhada nacional com as obras O Baile (com Nuno Duarte) e Living Will (com André Oliveira).

E mal pegamos neste Deixa-me Entrar, aquilo que mais salta à vista, assim que folheamos o livro, é o seu estilo de ilustração muito personalizado, com características únicas, que facilmente funciona como cartão de visita de Joana Afonso. O seu signature style, vá.

Já na análise a Living Will eu falei deste assunto. Na altura escrevi que “esta jovem autora está num pequeno – pequeníssimo! – rol de autores portugueses que têm o seu estilo de ilustração tão claramente demarcado. Com tanta personalidade.” E, lá está, “mais do que dizer que Joana Afonso é uma excelente ilustradora – e é! – o que me parece mais louvável é o universo próprio, o tal signature style, que a sua criação tem. Poderão existir muitos ilustradores mais tecnicamente evoluídos do que Joana Afonso sem alguma vez conseguirem criar a sua própria imagem de marca. Mas a autora portuguesa já o conseguiu. E isso é digno de todos os louvores.”


E, portanto, quando estamos perante um estilo de ilustração como o de Joana Afonso o mais difícil será mesmo ficar-lhe indiferente. Ou gosta-se muito. Ou não se gosta nada. Eu sou, sem qualquer dúvida, daqueles que gosta muito. Portanto, quem já gosta do trabalho da autora noutras obras não ficará, certamente, desapontado com o que Joana Afonso nos dá em Deixa-me Entrar, em termos de ilustrações.

A arte é fiel àquilo que já conhecemos da autora. As personagens apresentam um aspeto muito caricatural, com cabeças, narizes, bocas e sobrancelhas bastante grandes e olhos muito pequenos. Por vezes parecem figuras grotescas mas, mesmo sendo assim, conseguem transmitir sentimentos e criar empatia com o leitor. Tenho vários amigos que me dizem acerca da raça de cão bulldog: “é tão feio que se torna giro”. Sem concordar com a afirmação, no caso dos cães, acho que essa frase se aplica bem às ilustrações de Joana Afonso. Sendo "feias" são incrivelmente "bonitas". A beleza do grotesco e das formas exageradas também um tipo de beleza em si mesma.


Quanto à história, Deixa-me Entrar, convida-nos a entrar numa história simples e sensível, do género slice of life, que nos conta a história de Alberto, um quarentão, que poderia citar António Variações, dizendo: “Não consigo dominar / Este estado de ansiedade / A pressa de chegar / P'ra nao chegar tarde / Não sei do que é que eu fujo / Será desta solidão? / Mas porque é que eu recuso / Quem quer dar-me a mão?”. De facto, Alberto sente-se desconfortável, a toda a hora e a todo o instante, com tudo o que o rodeia. Muda-se para Lisboa. Tem um novo trabalho. Evita grandes contactos inter-pessoais, mas acaba por conhecer a Dona Fernanda, que lhe aluga um quarto. A princípio, Alberto começa por evitá-la e por ficar desconfiado com ela. Mas, eventualmente, a Dona Fernanda acaba por encantar Alberto e os próprios leitores. Mas que sucederá então depois desse encantamento? Serão as nossas amarras a momentos felizes do passado – que já não voltam – suficientemente fortes para não nos permitirem continuar a navegar por novas águas desconhecidas? Joana Afonso sugere uma resposta a essa questão. Mas para saberem qual é ela, terão que ler Deixa-me Entrar.


Penso que o desenlace final poderia ser mais profundo ou menos expetável pois a mensagem derradeira acaba por ser algo clichet e claramente esperada muitas páginas antes de chegarmos ao fim do livro. Talvez aqui Joana Afonso pudesse ter arriscado mais. Não digo que deveria ter tido outra mensagem – quem sou eu para dizer qual é a mensagem que determinado autor deverá, ou não, querer passar? – mas considero que a forma como a mensagem é passada poderia ter sido mais bem doseada. Menos expetável e menos óbvia. E acho até que será esse o ponto que não faz este Deixa-me Entrar entrar, passo a redundância, para o tal panteão da melhor banda desenhada nacional. É bom, sem dúvida, e é um livro que se lê muito bem – e que se recomenda – mas, infelizmente, não é tão inolvidável assim.

Quanto à edição, da Polvo, apresenta capa mole com abas e um bom papel brilhante. Nada negativo à apontar. Uma nota, menos positiva, para a ilustração capa que me parece algo "preguiçosa", por parte da autora. Resulta da ilustração de uma vinheta que foi ampliada para ser capa. Tenho a certeza que Joana Afonso conseguiria fazer muito melhor.

Em suma, Deixa-me Entrar representa uma leitura simples, escorreita e com um tom - falsamente - leve que esconde significados mais profundos. Recomenda-se pela arte inconfundível de Joana Afonso que se estreou com nota positiva neste seu primeiro álbum a solo.


NOTA FINAL (1/10):
7.1



Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020



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Ficha técnica
Deixa-me Entrar
Autora: Joana Afonso
Editora: Polvo
Páginas: 64, a cores
Encadernação: Capa mole
Lançamento: Novembro de 2014

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