segunda-feira, 27 de junho de 2022

Análise: Pele de Homem

Pele de Homem, de Hubert e Zanzim - A Seita

Pele de Homem, de Hubert e Zanzim - A Seita
Pele de Homem, de Hubert e Zanzim

Quando conheci Praga, embora soubesse, de antemão, que a cidade tinha muitas belezas para ver e visitar, fiquei muito surpreendido por estar diante de uma cidade que considerei tão bem cuidada, com uma atmosfera tão bonita e própria, e com uma beleza arquitetónica tão gratificante. Não estava à espera de algo tão bom e, talvez por isso, fiquei maravilhado. O mesmo aconteceu-me quando visitei Bordéus no ano passado. Até já lá tinha estado em criança, mas não tinha grandes memórias. E a razão da escolha deste destino foi apenas uma: o fantástico preço de bilhete de avião e hotel que encontrei para uma escapadela num fim de semana a dois, com a minha mulher. Portanto, a expetativa também não era muito elevada. Refiro-me ao destino da viagem e não à minha companhia, entenda-se! No entanto, achei a cidade muito, muito, muito bonita, com uma boa oferta de coisas para ver e fazer, tendo-me levado a adorar lá estar. Porquê? Bem, porque não esperava algo tão bom. Por outro lado, também já me aconteceu o contrário. Desde que sou criança que oiço os maiores elogios à cidade de Amesterdão. É das cidades preferidas de tanta gente que conheço. Portanto, a minha expetativa era muito alta perante esta cidade. Quando lá fui pela primeira vez, posso dizer que fiquei algo desapontado e que pensei: “é esta a cidade que tanta gente fala como sendo das mais bonitas da Europa? Estão a gozar comigo?”. Nada tenho contra Amesterdão que, naturalmente tem as suas belezas e é uma cidade aprazível, que até acabei por visitar noutras vezes após a primeira visita. Mas, lá está, como a minha expetativa era altíssima, quando finalmente conheci a cidade, não achei nada por aí além.

Pele de Homem, de Hubert e Zanzim - A Seita
Portanto, todo este meu parágrafo de cariz turístico que, bem sei, se afasta do tema do Vinheta 2020, serve apenas para dizer que, por vezes, quando as expetativas são muito altas, sentimos uma certa sensação de desilusão, não é? E quando as expetativas não estão tão elevadas, às vezes, a sensação é oposta e ficamos radiantes com algo que nos surpreende pela positiva. Felizmente, noutros casos ainda, a expetativa é elevada e o resultado em nós, é igualmente elevado. Exemplo (ainda turístico): tinha grandes expetativas com Nova Iorque, Paris ou Londres e não me senti minimamente defraudado ou dececionado com estas cidades que até superaram as minhas (altas) expetativas.

Assim e centrando-me, finalmente, em Pele de Homem, a aclamada banda desenhada que tem “papado” tudo o que é prémio de bd e conquistado a crítica e público, posso dizer que depois de feita a leitura, considero a obra como a minha “Amesterdão da Banda Desenhada”. História muito interessante e original, boa ilustração, mas… “só” isso. Estava à espera de algo (mais) grandioso, que mudasse (mais) a minha vida, ou que me fizesse refletir (mais), de forma profunda, sobre variados temas da sexualidade e das relações humanas. Mas não é bem isso. Pele de Homem sabe entreter, de forma leve e divertida, mas de uma maneira curta, superficial e, em várias vezes, contraditória nas questões que levanta.

Pele de Homem, de Hubert e Zanzim - A Seita
Mas comecemos pelo muito bom que se pode dizer de Pele de Homem, esse livro lançado originalmente pelos autores Hubert e Zanzim. Assim que o livro foi lançado, rapidamente conquistou a crítica e os leitores, tendo sido, se não estou em erro, a obra mais premiada de 2020 e rapidamente considerada como “uma das obras-primas aclamadas da banda desenhada contemporânea”. Uau! Como não ficar com altas expetativas perante uma obra assim? Bem sei que isto dos prémios a criações artísticas tem muito que se lhe diga e, muitas vezes, também há muita “politiquice” na atribuição de prémios. Não obstante, parece haver um certo consenso em relação à qualidade da obra.

Foi, por isso, com um espírito ávido e super interessado que mergulhei nesta leitura. E, no início, não posso dizer que não fiquei maravilhado, pois a premissa da obra é verdadeiramente genial. Situada no período renascentista, conta-nos a história de Bianca, uma jovem italiana que foi prometida a Giovanni, num casamento arranjado entre as famílias de ambos. Mas Bianca começa por levantar uma questão comum, mas completamente legítima, que é a seguinte: “não deveriam as pessoas conhecer-se primeiro, antes de se casarem?”. Se esta questão terá já sido muitas vezes trazida para a mesa das reflexões da humanidade, surge-nos, pela mente do argumentista Hubert, uma possibilidade verdadeiramente original para tentar ajudar a protagonista Bianca na obtenção da sua resposta. É que, há um poderoso segredo na família da jovem: as mulheres da sua família detêm na sua posse uma pele de homem, chamada Lorenzo, que, quando vestida, transforma a mulher que a veste num homem, sem que ninguém descubra de que se trata de uma mulher que está por debaixo daquele corpo. No fundo, é como se fosse um fato completo que, depois de vestido, faz a mulher ser um verdadeiro homem.

Pele de Homem, de Hubert e Zanzim - A Seita
Ora, com este fantástico poder, o primeiro pensamento de Bianca é apenas um. Se ela se transformar em homem, poderá aproximar-se do seu noivo prometido, Giovanni, e assim conhecer melhor o homem que está destinado a ser o seu marido. Descobrir os seus gostos, a sua maneira de ser, a maneira como ocupa o tempo, com quem se relaciona, entre outras coisas. E parte, então, para essa demanda, vestindo a pele de Lorenzo.

Até aqui eu estava maravilhado com Pele de Homem pois este “superpoder”, de vestir a pele de uma pessoa do outro sexo, parece-me uma daquelas premissas riquíssimas e muito férteis do ponto de vista do argumento, que poderia dar uma série de banda desenhada com milhentos volumes e formas. Tomara que alguém da Marvel ou da DC se tivesse lembrado de um conceito tão original nas últimas décadas! É que a ideia de se ser, anónima e eficazmente, uma pessoa do outro sexo, sem que se seja apanhado, abre espaço para inúmeras ideias que possamos ter. Eu, no meu caso, se tivesse uma pele que me transformasse em mulher, já me estou a imaginar a ir equipar-me para o balneário feminino do Fitness Hut para ver melhores imagens do que aquelas que, lamentavelmente, acabo por ter que ver no balneário masculino. Mas bem, piadolas à parte, o conceito é mesmo rico e dá para pegarmos nele para o mais diverso tipo de histórias: desde histórias tristes, filosóficas, romanceadas, humorísticas, etc. O céu (da criatividade) seria o limite.

Pele de Homem, de Hubert e Zanzim - A Seita
É, portanto, na premissa que Hubert - o argumentista que, tristemente cometeu suicídio ainda antes desta obra ser lançada - consegue o seu maior feito. Embora, a história também arranque bem. Com algum humor e levantamento de algumas boas questões iniciais, é quase viciante ver o desenvolvimento da relação dos noivos Giovanni e Bianca, ocultada pela pele masculina de Lorenzo.

Rapidamente Bianca descobre que Giovanni é homossexual e que se sente atraído por Lorenzo. Se isso até poderia ser expetável, o que é mais surpreendente é que apesar da homossexualidade de Giovanni e da aparente impossibilidade de relacionamento entre ambos, também Bianca se começa a apaixonar por Giovanni e a sentir desejos por ele. Estão a ver a triangulação amorosa que para aqui vai? Recapitulemos: Giovanni está noivo de Bianca, mas está é verdadeiramente apaixonado por Lorenzo que é, nada mais, nada menos, que Bianca, “mascarada” de homem. E o melhor de tudo é que Giovanni nem desconfia que Lorenzo é, na realidade, Bianca!

Pele de Homem, de Hubert e Zanzim - A Seita
Com esta trama impactante a um nível que bem poderíamos considerar queirosiano, rapidamente a minha mente congeminou que estaríamos na possibilidade de um livro marcante para toda a vida. Poderemos amar, então, a pessoa, independentemente do seu género ou sexo? Estaria Hubert a ir narrativamente por esse caminho sinuoso, mas propenso a uma mensagem maior do que a vida?

Nem por isso. A verdade é que Pele de Homem se foca muito mais no amor carnal e na propensão para o desejo sexual – naquilo e naqueles(as) que nos excitam - do que noutra coisa qualquer. E não vai por esse caminho maior que pensei. Nada há de errado nisso pois é o autor que manda na sua história – e não um miserável como eu, que só está para aqui a opinar. De qualquer forma, a verdade é que esta opção do autor arrasta a história consigo para lugares comuns e para uma certa mundanidade.

Entretanto, Bianca vai mantendo o segredo da sua identidade ao seu noivo, levando este a achar que Lorenzo é apenas um homem por quem está apaixonado e com quem tentará manter uma relação extraconjugal. Mas reparem: se Pele de Homem procura derrubar preconceitos, não deixa de ser verdade que não está isento dos mesmos. E é aqui que “a porca torce o rabo”.

Pele de Homem levanta questões universais e atuais como a relevância do género e da sexualidade, e a aceitação e compaixão que temos – ou não – em relação às pessoas que optam por viver a vida de uma forma diferente ao “socialmente aceite”. Todavia, poderia ter havido um maior desenvolvimento das questões levantadas, por parte do autor. Elas são bem trazidas à mesa, é certo, mas por vezes pareceu-me que seria mais esse o exercício aleatório do autor do que, propriamente, o aprofundamento real desses temas. E, naturalmente, há questões que ficam sem resposta e que acabam por ser contraditórias.

É que, se se procura apelar e incentivar à aceitação das pessoas que vivem a vida da maneira que consideram benéfica para si mesmas, não será uma enorme (gritante!) contradição colocar Bianca a vergar-se perante os fetiches e gostos do seu noivo? Não estávamos a falar na relevância de cada um viver a sua vida do jeito que quer e procurando o que lhe traz felicidade? E acreditarão os autores que isso se consegue com a negação do Eu?

Pele de Homem, de Hubert e Zanzim - A Seita
Passo a explicar: se, num livro que se apresenta como feminista, colocamos uma mulher a abdicar das suas características inerentes por causa de uma relação em que a mesma não será amada da exata forma que é, então estamos, mais uma vez, a colocar de lado os interesses da mulher. Voltemos atrás: Bianca quer ser amada pelo seu marido Giovanni e até começa a sentir-se atraída por ele. No entanto, sendo Giovanni homossexual, não se sente minimamente atraído por ela. Exceto quando ela se transforma num homem, Lorenzo – embora Giovanni não saiba que ambos são a mesma pessoa. Ora, para que o seu marido se sinta atraído por ela, Bianca não se importa de abdicar de ser quem é para se transformar naquilo que o homem quer. Como se isso fosse um meio que justifica um fim. Lá estamos nós na famigerada objetificação da mulher. Em lado algum, esta postura me parece benéfica para a mulher. Daqui a pouco, estamos a dizer que uma mulher, para receber o carinho de um homem, tem que aceitar levar uns socos de vez em quando, é isso? Bem, talvez eu esteja a exagerar mas a tónica é a mesma. E é por isso que me parece que a lógica feminista de Pele de Homem sai totalmente vilipendiada. Se esta dualidade foi propositada pela parte de Hubert, acho que pode ser considerada como um jogo narrativo interessante, mas que tem o custo de tornar a história mais dúbia e a mensagem mais negativa do que positiva. Para o lado das mulheres. Ou, então, o autor nem se deu conta de algo que me parece tão claro. Porque, convenhamos, se uma mulher (ou um homem) tem que ser algo que não quer ser para, dessa forma, sentir e receber o amor de alguém, então já estamos a ir pelo mal caminho da coisa, digo eu. E, note-se, nunca é dito ou revelado que a protagonista quer ser homem. É sempre dito que Bianca não se importa de ser homem para receber o amor do homem que ama. E essa pequena (grande) nuance faz toda a diferença.

Pele de Homem, de Hubert e Zanzim - A Seita
Se, por acaso, Giovanni, mesmo sendo homossexual, se apaixonasse por Bianca quando descobrisse que Lorenzo, afinal de contas, era Bianca, então aí estaríamos a um nível mais profundo da questão do género e da sexualidade. Mas nada disso acontece. Giovanni não quer saber de Bianca e apenas deseja Lorenzo porque este é um homem. Não interessa a pessoa que Lorenzo é. Nem a pessoa que Bianca é.

E, depois, consequentemente, este beco narrativo em que Hubert se colocou, traz-nos uma resolução final da história que é, também ela, algo desencantada e pueril, acabando por ser o exato oposto daquilo que Pele de Homem parecia preconizar nas suas primeiras páginas. E lá se vai, uma vez mais, a aura feminista da obra.

No entanto, há que dizer algo sobre Pele de Homem: é que, pelo menos, nem que seja pelas inconsistências do argumento e da trama da obra, é um livro que nos coloca a refletir, a pensar e a trocar opiniões sobre o mesmo. E, claro, isso - além de tratar um dos temas da moda - também será uma forte causa para o enorme hype do livro.

Como outros pontos positivos a destacar do trabalho de Hubert, sublinho ainda a forma escorreita e simples como a história nos é narrada. E aí, o autor sabe ser exímio. É fácil começar a ler esta obra e difícil de pousar o livro, até que finalizemos a sua leitura.

Pode parecer que estou só a “malhar” em Pele de Homem. Mas não o faço só porque sim – e a nota final vai comprovar que considero este um bom livro, ainda assim. Se aponto as tais inconsistências nos intuitos da obra e no desenvolvimento da narrativa é porque, realmente, afastam, quanto a mim, a obra de ser mais “obra-prima”. E, claro, a enorme expetativa que tinha em relação a Pele de Homem também não ajudou. E isso, reconheço, até pode ser culpa minha. Mas é inevitável que tenhamos (mais ou menos) expetativas em relação às obras que lemos. Como a quaisquer outras coisas da vida. Incluindo, cidades que visitamos.

Pele de Homem, de Hubert e Zanzim - A Seita
Olhando para as ilustrações de Zanzim, posso dizer que temos um trabalho delicado e belo, que casa muito bem com a história que nos é dada. O estilo é bastante simplista e naïf, com o traço expressivo e caricatural do autor a presentear-nos com personagens que me fizeram lembrar o estilo de autores como Christophe Blain ou Joann Sfar. Embora, naturalmente, Zanzim tenha o seu próprio estilo e personalidade, claro está. Alguns cenários são um pouco mais despidos do que aquilo que eu gostaria, mas acho que, mesmo assim, são agradáveis à vista e eficientes na maneira como sabem bem contar a história de Hubert.

O autor oferece-nos uma planificação dinâmica e muito eficaz, que torna a leitura fácil e fluída. Merece um destaque a bela forma, graficamente simples, mas muito bem conseguida, com que o autor divide o mesmo espaço cénico, normalmente utilizando perspetivas isométricas, para colocar as mesmas personagens em momentos diferentes, dando-nos uma noção de movimento bem conseguida. As páginas de corte entre capítulos, também nos dão sempre belas ilustrações que embelezam, ainda mais, a excelente vertente visual de Pele de Homem. Se é um estilo de ilustração demasiado próprio e que pode não agradar a alguns leitores mais convencionais, a verdade é que estas ilustrações são parte da beleza e originalidade da obra e que merecem as minhas vénias.

Quanto à edição da editora A Seita, nada de negativo pode ser dito. Capa dura, papel baço de boa qualidade, que encaixa bem no estilo dos desenhos e cores da obra, boa encadernação e boa impressão. Gostaria que o livro pudesse contar com alguns extras mas isso não aconteceu neste caso. Deixo ainda uma palavra de apreço à editora portuguesa por não ter perdido muito tempo na edição desta obra que tanta tinta tem feito correr. É bom que as editoras estejam atentas ao que se passa lá fora e que “apanhem o comboio” das edições importantes, de forma a que o público português possa acompanhar o que de melhor e/ou mais relevante vai sendo editado no estrangeiro.

Em suma, não se deixem levar pelo facto de, quanto a mim, Pele de Homem não ser perfeito, nem uma obra-prima. Não tenho dúvidas de que é um bom livro e que vale a pena conhecer. A premissa é verdadeiramente original e o tema não podia ser mais atual. Não considero, porém, que seja um livro tão bom como alguns leitores, críticos e editores têm apregoado por cá e no estrangeiro. Naturalmente – e insisto - é bom. Mas de uma forma mais genérica e superficial do que aquilo que eu esperava, acabando por ser mais - e perdoem-me o jargão futebolístico - um remate ao lado do que um tiro certeiro. Ainda assim, um dos livros mais marcantes e que, certamente, mais dará que falar aos leitores portugueses de banda desenhada, que talvez até, no final, considerem que o remate acabou por dar em golo.


NOTA FINAL (1/10):
8.6


Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens dos álbuns. www.instagram.com/vinheta_2020



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Pele de Homem, de Hubert e Zanzim - A Seita

Ficha técnica
Pele de Homem
Autores: Zanzim e Hubert
Editora: A Seita
Páginas: 160, a cores
Encadernação: Capa dura
Formato: 21 x 28 cms
Lançamento: Junho de 2022

8 comentários:

  1. Boa análise Hugo. Apenas discordo da sua classificação relativa á arte - não considero o desenho "naif". O estilo é propositadamente estilizado e contido, com pouca texturas e elementos, e quase bidimensional, quiçá inspirado, parcialmente, na iconografia medieval e renascentista. Um dos (poucos) títulos a minha lista de edições nacionais (até agora...)

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    1. Obrigado, António. Eu acho que há uma aproximação ao estilo naïf mas também gosto dessa ideia de o traço ser inspirado na iconografia renascentista. Faz sentido para mim.

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  2. "Ora, para que o seu marido se sinta atraído por ela, Bianca não se importa de abdicar de ser quem é para se transformar naquilo que o homem quer. Como se isso fosse um meio que justifica um fim. Lá estamos nós na famigerada objetificação da mulher. Em lado algum, esta postura me parece benéfica para a mulher. Daqui a pouco, estamos a dizer que uma mulher, para receber o carinho de um homem, tem que aceitar levar uns socos de vez em quando, é isso?"

    Parece-me que esta análise não tem bem em conta o livro.

    O autor separa muito bem o que é a curiosidade da protagonista e o que é a vida das mulheres submissas ao marido, como está na frase. Existe uma trama, sobre a irmã da protagonista e dos casos de infidelidade do marido.
    O facto de uns serem visto de uma maneira e outros de outra.

    Aqui, na Pele de Homem o argumentista quer dar a uma mulher todo o leque de escolha. E ela começa por pensar que a escolha começa por tentar seduzir o marido a qualquer custo, até que desiste e percebe que tem de ser feliz. Isso é o arco da protagonista - a curiosidade passar a ser o elemento que a faz pensar que precisa do amor do marido até se estar a lixar para ele.

    A obra não é perfeita por mostra que a opção sexual total, só parece possível nas classes sociais mais altas. Mas isso até é explicado, porque parece ser uma crítica feroz ao ambiente religioso em que o argumentista viveu até se ter suicida. A rapariga parece ter feito o que ele não conseguiu fazer em vida.

    Confesso que por momento isto parecia uma crítico do Diacómo Remédios.

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    1. Bom comentário. Não acho, porém, que coloque as mulheres num lado bom. Bianca estaria disposta a abdicar de ser mulher só para satisfazer o gosto o seu homem. E isso está patente em toda a obra. Não é ela que se liberta... é o homem, Giovanni, que se liberta. E ela acaba por ter que se adaptar. Para obra que se considera feminina, penso que dá um tiro no seu próprio pé. E se tirarmos (homens e mulheres) as pálas machistas que (ainda) temos, qual Diácono Remédios, veremos isso com facilidade.

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    2. Nunca em lado algum do livro se diz que ela estaria disposta a abdicar de ser mulher. Isso é uma opinião e não mais que isso.

      A personagem é curiosa e procura alterar o status-quo das coisas. E em relação ao marido, quando ela se disfarça de rapaz, desiste.

      Também não percebo, porque é que diz que alguém se liberta, se no final acabam a viver uma vida de fachada. Quer o homem quer a mulher.

      Como disse, o maior problema que esta obra tem, é mostra que as fachadas que podemos fazer, para termos a sexualidade que desejamos, só podem ser alcançadas se formos de uma determinada hierarquia social. Naturalmente a questão da igualdade de género é algo que ultrapassa qualquer classe social, ao que o livro não representa de forma alguma.

      Agora a questão das mulheres serem representadas de forma incorrecta pela protagonista parece-me ser meramente uma opinião, porque nem eu, nem as pessoas que elogiam o livro em críticas e afins, falam disso. Se formos ver, no final do livro a Bianca, algures na idade média comanda o acto sexual perante o seu novo parceiro, que ela finalmente escolhe de acordo com o que já se tinha visto no início do livro.

      Mas fico feliz, de pelo menos nesta revista, não ter dito que seria melhor colocar uma restrição de idade, como disse para o caso do Lucky Luke - daí a minha comparação com o Diácono Remédios.

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    3. Pois, percebo a sua opinião. Embora não concorde com tudo o que diz. Giovanni não precisa de ser libertar porque sempre foi liberto. Concordo com o que diz sobre a hierarquia social, contudo.

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    4. Amigo estamos aqui a fazer uma confusão entre a pessoa ser livre e a sociedade aceitar a pessoa com alguém livre - temos aqui algo muito diferente. O marido da Bianca é exilado - se isso é um conceito de ser livre então a minha designação de Diácono deixa de ser uma brincadeira e passa a ser algo sério.
      O tipo é exilado por causa da sua sexualidade - isso é ser livre? Viver a vida sexual às escondidas é ser livre?
      Ele apenas sabe que não gosta de mulheres, mais nada.

      Da perspectiva que fala a Bianca dizia logo no início da história que o marido era homossexual, ele ia para a fogueira e acabava-se logo. No entanto, não é sobre isso que se está aqui a falar.

      O Lorenzo aparece na história como algo que Bianca explora e que saí de controlo. É como o Peter Parker ter dúvidas se a MJ gosta dele ou gosta do H.A.

      Já dei o livro a ler a várias mulheres para ver se elas achavam que a Bianca era isso que refere no artigo e todas disseram que não.

      Com todo o respeito, há aí grandes confusões na interpretação do livro. Dizer depois de ler o livro que o Giovanni era livre é algo que me surpreende muito. Há a diferença entre saber o que se é e ser livre para o ser. Um exilado é livre?

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    5. Ah, espere aí... nessa questão tem toda a razão e é confusão minha. Basta ter que se exilar para não ser livre aos olhos da sociedade. Erro meu. Tem toda a razão. Mas o que eu queria dizer - e expliquei-me mal, reconheço - é que Giovanni era livre face à sua perceção de si mesmo e em relação à sua mulher. Ele não se preocupou muito em fazê-la crer que era heterossexual. Era homossexual e pronto. Era mais por aí que eu estava a dizer que ele era livre. Resolvido.

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