A Arte de Autor deixou-me surpreendido quando, há uns meses, anunciou que iria apostar numa obra de banda desenhada que é direcionada para um público infantil. Falo de Mausart, da autoria de Thierry Joor e Gradimir Smudja, sendo esta uma edição integral que reúne as duas obras Mausart e Mausart em Veneza, que foram originalmente publicadas pela francesa Delcourt, nos anos de 2018 e 2019, respetivamente.
Tentando colocar de lado, e desde já, o preconceito do “ah, isso é para putos e não me interessa”, deixem-me dizer-vos que este livro, podendo ser prioritariamente para um público infantil, também pode – e deve! – ser lido por “crianças” até aos 80 anos de idade. Isto porque a história não é - de todo! - “abebézada” e as ilustrações, oh meus amigos... as ilustrações são de uma beleza ímpar que não deixará ninguém indiferente e que acaba por fazer deste livro um forte candidato a melhor ilustração estrangeira publicada em Portugal, durante este 2022.
Voltando um pouco atrás, aquilo que me fez ficar surpreendido com esta aposta da Arte de Autor foi que a editora nos tem habituado a uma aposta em banda desenhada para um público mais maduro. E com este Mausart, a editora procura abranger um público mais vasto, chegando – também – aos mais pequenos. Portanto, espero que seja uma iniciativa bem-sucedida. Tem tudo para o ser. Ou não fosse esta uma obra de imensa qualidade.
As duas histórias desta edição integral retratam duas diferentes aventuras vividas pelo nosso protagonista, Mausart, cujo nome remete-nos claramente para um trocadilho com o nome de Mozart e com a representação da personagem enquanto rato. Com efeito, neste livro todas as personagens são antropomórficas, isto é, são animais com corpos de humanos. Algo que a belíssima série Blacksad, de Juan Díaz Canales e Juanjo Guarnido, tão bem soube explorar, embora num estilo diferente.
A primeira história conta-nos o início do percurso artístico do rato Mausart que vive, juntamente com a sua família, dentro do piano do célebre Salieri, o músico oficial da corte do rei da Áustria e que é representado por um lobo.
Numa manhã em que o lobo Salieri se ausenta de sua casa, Mausart aproveita a oportunidade para uma escapadela para fora do piano e começa a saltitar pelas teclas do mesmo, criando uma maravilhosa música, que acaba por ser ouvida pelo rei e pela rainha que desfilavam na rua a essa hora e ouviram a bela melodia. Sabendo que a música chegou à rua através da janela de Salieri, este rapidamente é convocado pelos reis para uma atuação desta música penetrante na corte do rei. Mas como poderá Salieri tocar uma música que não compôs e nem sequer conhece? Lembrando o que Linguini fez com Ratatui no filme de animação da Disney, Salieri tentará ludibriar os presentes, obrigando Mausart a tocar a sua música, mas em segredo. Ficando com os louros do verdadeiro artista, vá. Nem tudo corre como pretendido, mas, eventualmente, tudo acaba em bem.
Já quanto ao segundo volume, Mausart em Veneza, o ratinho talentoso para a música, que já havia conquistado o respeito dos demais, desloca-se a Veneza, por altura do famoso carnaval daquela cidade, para atuar para um público muito desejoso de o ouvir. Aí, acaba por ser vítima de uma conspiração formada por dois gatos e uma raposa que procuram assassiná-lo. Felizmente, uma personagem que Mausart havia ajudado no primeiro volume, acaba por interceder pelo pequeno rato neste segundo tomo. Acaba também por haver um subnarrativa neste segundo volume que nos conta a história do violino stadivarius, que muito apreciei.
São histórias simples, fáceis e escorreitas, mas não isentas de um bom conteúdo e de uma trama bem montada. E acho que o argumentista Joor faz aqui um bom trabalho, sabendo balancear uma história que é simples para facilidade de perceção do público infantil que a possa ler, mas que, por outro lado, também pode ser lida e apreciada por um público adulto.
Mas se Joor faz um bom trabalho neste Mausart, a estrela da companhia é mesmo Gradimir Smudja! As suas ilustrações parecem quadros saídos de um museu! Com um cariz clássico, fazem lembrar as grandes pinturas de séculos passados que eram encomendadas pela realeza. A maneira como Smudja ilustra as caras (focinhos?) dos animais, bem como, basicamente, tudo o que compõe os magníficos ambientes, é maravilhosa. O trabalho dos cenários também é de uma minúcia verdadeiramente impressionante, onde são introduzidos muitos pormenores, que fazem com que apeteça ficar a admirar os desenhos durante longos minutos. E, se não houve uma única vinheta que não me deixasse boquiaberto perante tanto deleite visual, devo dizer que as vinhetas de grande dimensão, que ocupam uma ou mais páginas, me deixaram em suspenso. A um ponto que me levou a exclamar: “O talento deste Smudja é ridículo, de tão bom que é!”. Estes desenhos dariam lindos quadros, garanto-vos.
Juntado os belos desenhos e o facto de ser um livro para ser lido por miúdos e graúdos, veio-me à memória a bela série de Michel Plessix, O Vento nos Salgueiros, da qual já aqui falei há uns tempos e que também é verdadeiramente maravilhosa. E, já que toco neste tema, não deixa de ser curioso que o primeiro nome a ser mencionado nos agradecimentos deste Mausart seja o de Michel Plessix. Diria, pois, que aproveitando o embalo desta aposta neste Mausart, muito gostaria de ver a Arte de Autor a apostar em O Vento nos Salgueiros, de Plessix, num futuro próximo. A série até foi integralmente publicada em Portugal pela extinta editora Witloof, mas os livros são atualmente muito difíceis de encontrar. Especialmente o primeiro que está esgotadíssimo há já muito tempo. Quando publiquei este artigo, também pude verificar que há muitos leitores que deixaram passar essa série na altura e que, agora, gostariam de a comprar. Fica a sugestão de publicação, portanto.
Quanto à edição, estamos perante (mais) um fantástico trabalho por parte de editora Arte de Autor. Com capa dura, revestida com aquele belo material a que chamo de “aveludado”, e onde a máscara veneziana de Mausart é a única coisa a receber um tratamento de brilho, estamos perante um objeto-livro que é verdadeiramente lindo. O interior é composto por um ótimo papel e excelentes impressão e encadernação. E traz ainda um generoso dossier de extras, com 14 páginas, onde nos são oferecidas lindíssimas ilustrações e esboços de Smudja, já para não falar das páginas de guarda do livro que, até elas, são de uma beleza estrondosa. Um autêntico deleite visual!
Relativamente à capa, igual ao segundo tomo, Mausart em Veneza, acho que estamos, também, perante um candidato a melhor capa do ano.
Permitam-me ainda uma opinião sobre o preço de 25€ deste livro. Li muitos comentários queixosos nas redes sociais, face ao “elevado preço deste livro para apenas 88 páginas”. Ora, eu até percebo que 25€ pese um pouco na carteira, para um livro com 88 páginas. No entanto, acho que também será redutor e injusto classificar este livro como caro, baseando-se apenas no número de páginas. É que, independentemente da qualidade da obra – que é enorme! – ou do recente aumento dos custos de produção – que afeta todas as editoras, bem sei -, não devemos esquecer que este é um álbum duplo. Um díptico. E se dividirmos o preço por dois volumes, ficaremos com o preço de 12,5€ para cada álbum. E isso, para um livro infantil (ilustrado ou de banda desenhada) até não é nada elevado. E olhem que eu sei do que falo porque quando compro livros para as minhas filhas, costumam ter poucas páginas (às vezes apenas 20) e passam facilmente os 20€. Portanto, há que saber colocar em perspetiva as coisas quando emitimos uma opinião sobre o preço dos livros.
Em conclusão, Mausart é um belo livro, onde as ilustrações de Gradimir Smudja são um autêntico deleite visual e onde a história deste rato, em homenagem a Wolfgang Amadeus Mozart, sendo indicada para um público infantil, também o é para os mais adultos. Portanto, quer seja para oferecer aos mais novos, quer seja para a coleção de um amante adulto de boa banda desenhada, considero esta obra altamente recomendada!
NOTA FINAL (1/10):
9.3
Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020
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Mausart - Edição Integral
Autores: Thierry Joor e Gradimir Smudja
Editora: Arte de Autor
Páginas: 88, a cores
Encadernação: Capa dura
Lançamento: Abril de 2022
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