quarta-feira, 14 de abril de 2021

Análise: O Vento nos Salgueiros

O Vento nos Salgueiros, de Michel Plessix - Witloof e NBM

O Vento nos Salgueiros, de Michel Plessix - Witloof e NBM

O Vento nos Salgueiros, de Michel Plessix

O Vento nos Salgueiros é um clássico da literatura infantil, com mais de 100 anos de existência, que foi originalmente escrito por Kenneth Grahame. Desde a sua publicação, a obra tem sido aclamada por muitos e já teve adaptações ao teatro, ao cinema, aos desenhos animados, a livros ilustrados e, também, à banda desenhada. Quanto à 9ª arte, a adaptação ficou a cargo do autor francês Michel Plessix.

Os primeiros 4 tomos, que compõem o primeiro ciclo da série, foram publicados em Portugal pela extinta editora Witloof. E, hoje em dia, o primeiro tomo, O Bosque Selvagem, é virtualmente impossível de encontrar à venda por cá. Encontra-se completamente esgotado! Mesmo os outros três volumes, 2) Automóvel, Sapo, Texugo; 3) A Bela Evasão e 4) Confusão na Mansão também não são nada fáceis de encontrar embora, com jeitinho, ainda se vão vendo em feiras dos livros, sites de compra e venda de BD em segunda mão e alfarrabistas. No meu caso, sempre me faltou o primeiro livro. E tive que o encomendar em inglês, numa edição da editora americana NBM (Nantier Beall Minoustchine) à livraria BD Mania que, por sorte a minha, ainda tinha, algures perdido no seu armazém, um único(!) exemplar. Em parte, também foi por esta minha procura que arrisquei formar o grupo do facebook “PROCURA-SE BD PERDIDA” para que os leitores portugueses de BD possam colocar anúncios relativos às bandas desenhadas que procuram.
O Vento nos Salgueiros, de Michel Plessix - Witloof e NBM

Julgo que a história de O Vento nos Salgueiros é sobejamente conhecida por todos mas faço aqui uma pequena síntese. Este clássico conta-nos as aventuras de quatro personagens antropomórficos, o Toupeira, o Rato, o Sapo e o Texugo, numa Inglaterra de cariz bucólico, e apresenta-nos a importância de certos valores universais como a amizade, a camaradagem e a humildade.

A história começa quando o Toupeira, farto de fazer limpezas em casa, decide sair de casa e ir passear, acabando por travar conhecimento com o Rato. Este leva o Toupeira num passeio de barco e rapidamente surge uma amizade entre ambos. Mais tarde estes personagens encontram-se com o Sapo que é, na minha opinião, o grande protagonista deste O Vento nos Salgueiros, pois é a personagem mais errónea, mais egoísta e, consequentemente, mais divertida e carismática da obra. Um autêntico George Constanza da série Seinfeld. Este Sapo é arrogante, acha-se o maior e não olha a meios para alcançar o que quer. É por isso que, apaixonado por automóveis, acaba por roubar um. O que fará com que seja preso. Depois disso, acompahamos a sua fuga da prisão e o seu reencontro com os amigos Toupeira, Rato e Texugo. Nesta altura, o enorme palácio do Sapo foi ocupado por outros animais e caberá aos quatro amigos reconquistarem a sumptuosa residência do anfíbio.

A história é simples e infantil embora seja pertinente realçar que é muito bem conseguida, ao trazer consigo uma mensagem assente na importância da amizade, ao mesmo tempo que, através da personagem do Sapo, tenta demonstrar como a humildade e o altruísmo devem estar presentes nas nossas vidas.

O Vento nos Salgueiros, de Michel Plessix - Witloof e NBM
Relativamente ao trabalho de Plessix, posso dizer que o mesmo é exímio. Por um lado, na adaptação para BD da obra original, que conheço bem, realço que o autor fez um excelente trabalho. A narrativa aparece dividida por 12 capítulos (3 capítulos por livro) e estão aqui contidos os principais eventos que sucedem no romance original, havendo uma clara fidelidade à obra de Kenneth Grahame.

Por outro lado, e em relação aos desenhos do autor, posso dizer que os mesmos são absolutamente maravilhosos. A forma como Plessix dá imagem às palavras de Grahame é fantástica, com o autor a captar maravilhosamente bem o tal ambiente bucólico que esta obra pedia, enquanto que nos consegue oferecer personagens adoráveis e marcantes, com um estilo de ilustração algo clássico, que já não é muito frequente de encontrar em banda desenhada.

De facto, a sensação que tenho, quando pego nestes livros, é que estou a ler uma obra de banda desenhada “do antigamente”. O primeiro tomo foi originalmente publicado em 1996 e, portanto, já tem alguns anos, reconheço. Mas a verdade é que me parece bem mais antigo do que isso. Com muitas décadas de existência. E digo isto no melhor dos sentidos, pois é revelador de que Plessix soube imprimir às suas ilustrações este cunho clássico no estilo e na forma.

Asssim, os ambientes campestres e citadinos são fantásticos, as expressões das personagens são inequívocas e vibrantes. E o detalhe que o autor coloca em alguns dos cenários é verdadeiramente impressionante.

O Vento nos Salgueiros, de Michel Plessix - Witloof e NBM
Outra coisa que merece enormes louvores é a enorme quantidade de referências que algumas das ilustrações trazem consigo, aludindo, de uma forma mais ou menos direta, a outras obras de arte de vários artistas que influenciaram Plessix. O mais famoso destes easter eggs será a ilustração em que Plessix se baseia claramente na mulher nua da obra L'origine du Monde, de Gustave Coubert. Mas outros exemplos podem ser encontrados ao longo deste O Vento nos Salgueiros, tais como Train dans la Campagne, de Monet, ou La Méridienne, da autoria de Jean Millet, que merecem vinhetas de Plessix que são perfeitos piscares de olhos às obras originais. 

Muita gente pode considerar estas inclusões por parte de Plessix como meras homenagens às obras e aos artistas que o mesmo aprecia. Mas eu considero um pouco mais do que isso: julgo que acabam por dotar a própria obra de O Vento nos Salgueiros de uma interpretação mais profunda e mais complexa. Por conseguinte, e se, de facto, esta é uma banda desenhada altamente recomendável para crianças, também é verdade que os adultos obterão nela uma leitura madura e extremamente interessante.

O Vento nos Salgueiros, de Michel Plessix - Witloof e NBM

Ainda no cômputo da arte ilustrativa, convém dizer que, em termos de planificação, o trabalho do autor também é deveras interessante, oferecendo-nos uma planificação dinâmica e original nessa vertente, com a inclusão de vinhetas de todos os tamanhos e feitios, o que atribui uma variedade cinematográfica à planificação que, ora nos oferece grandes planos, ora nos brinda com planos de pormenor, demonstrando-nos que as pranchas de Plessix não são apenas a soma de várias vinhetas, mas que trazem uma identidade e um valor estético muito próprios.

Em termos de edição, posso dizer que a Witloof fez um bom trabalho com estes livros. Capa dura e bom papel caracterizam estas edições. Comparando-os até com o meu Tomo 1, da editora americana NBM, têm uma legendagem muito mais bem conseguida - e legível – do que a versão americana da obra. Embora a versão americana tenha capa em tecido, o que também é sempre algo que aprecio e que acrescenta dignidade ao objeto-livro.

Em conclusão, esta é uma história adorável que recomendo para as crianças e para os jovens. E, claro, para os adultos que queiram relembrar este conto universal, enquanto apreciam uma arte de qualidade superior, por parte de Michel Plessix. Embora já tenha sido lançada em Portugal, esta adaptação de O Vento nos Salgueiros é um obra que, infelizmente, já não é possível de encontrar por cá e que, a meu ver, seria interessante de relançar. Se possível numa edição integral visto que, como cada um dos livros tem apenas 32 páginas, o integral ficaria só com 128 páginas. O que não me parece muito excêntrico, em termos de edição. Gostaria também que, eventualmente, o segundo ciclo da série, publicado entre 2005 e 2013, e constituído por 5 tomos, pudesse ser igualmente publicado em Portugal. Talvez um dia.


NOTA FINAL (1/10):
8.9


Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020


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O Vento nos Salgueiros, de Michel Plessix - Witloof e NBM

Fichas técnicas
The Wind in The Willows – Volume 1 – The Wild Wood
Autor: Michel Plessix
Editora: NBM
Páginas: 32, a cores
Encadernação: Capa dura em tecido
Lançamento: Dezembro de 1997

O Vento nos Salgueiros, de Michel Plessix - Witloof e NBM

O Vento nos Salgueiros – Tomo 2 – Automóvel, Sapo, Texugo
Autor: Michel Plessix
Editora: Witloof
Páginas: 32, a cores
Encadernação: Capa dura
Lançamento: Maio de 2002

O Vento nos Salgueiros, de Michel Plessix - Witloof e NBM

O Vento nos Salgueiros – Tomo 3 – A Bela Evasão
Autor: Michel Plessix
Editora: Witloof
Páginas: 32, a cores
Encadernação: Capa dura
Lançamento: Agosto de 2002

O Vento nos Salgueiros, de Michel Plessix - Witloof e NBM

O Vento nos Salgueiros – Tomo 4 – Confusão na Mansão
Autor: Michel Plessix
Editora: Witloof
Páginas: 32, a cores
Encadernação: Capa dura
Lançamento: Agosto de 2002

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