quinta-feira, 22 de abril de 2021

Análise: Michel Vaillant – Duelos

Michel Vaillant – Duelos, de Lapière, Benéteau e Dutreuil - ASA



Michel Vaillant – Duelos, de Lapière, Benéteau e Dutreuil - ASA
Michel Vaillant – Duelos, de Lapière, Benéteau e Dutreuil

Aliar a competição automóvel à banda desenhada parece-me uma ótima ideia na sua génese. Uma ideia que tem – ou teria – tudo para singrar. E, de facto, se olharmos para o passado, há que admitir que a série Michel Vaillant conseguiu ser um marco na banda desenhada franco-belga. E até mesmo nos desenhos animados - a música do genérico de animação ainda me vem à memória quando pronuncio o nome do piloto mais conhecido da banda desenhada. E há ainda algo nesta série que merece as minhas vénias: é que conseguiu trazer algumas pessoas para a bd que nem sequer eram leitores habituais de banda desenhada, mas que, pura e simplesmente, gostavam de automóveis e do universo destes – conheço vários exemplos onde isto aconteceu.

Quando, há uns anos, a série original de Jean Graton foi relançada com novas aventuras, adaptadas aos tempos mais recentes e com um especial enfoque nas personagens do universo Michel Vaillant foi, não duvido, uma grande notícia para os fãs da série. No entanto, e no meu caso concreto, esta nova abordagem da série pertence àquele conjunto de bandas desenhadas franco-belgas que são interessantes, mas que não são excecionais. E que talvez não tenha envelhecido tão bem, por muitos e bons esforços que a nova equipa criativa leve a cabo. Equipa essa que neste Duelos é constituída por Denis Lapière, no argumento, e Benjamin Benéteau e Vincent Dutreuil, nas ilustrações.

Duelos abre o terceiro ciclo da Nova Temporada da série, que já conta com 9 volumes, e traz Michel Vaillant de volta ao rali. Daniel Farid, um jovem prodígio piloto francês, é escolhido para pilotar o segundo Vaillante Cervin no WRC, o Campeonato Mundial de Ralis. Embora, à partida, ter um bom piloto a fazer equipa com Michel Vaillant anteveria facilidades para a equipa de ambos, a verdade é que a rivalidade entre os dois pilotos começa a ser muito grande. E o desejo cego do jovem Farid é bater Vaillant, mandando-o “para a reforma” a qualquer custo. Uma trama algo clássica, diria, em que o novato quer triunfar sobre o veterano, mas que continua a fazer sentido, pois, muitas vezes, no desporto de alta competição as rivalidades maiores são, curiosamente (ou não), dentro das próprias equipas. A história deste Duelos acompanha, portanto, a competição entre Michel Vaillant e Daniel Farid, que decorrerá até ao final da prova com uma agradável e didática lição que todos deveriam retirar.

Michel Vaillant – Duelos, de Lapière, Benéteau e Dutreuil - ASA
A opção pelos ralis em detrimento da fórmula 1, ou de quaisquer outros tipos de corridas, até pode ter a vantagem de nos proporcionar cenários interessantes – incluindo os portugueses – mas tem a clara desvantagem de tornar muito menos emocionante a questão das corridas. É que como nos ralis a competição é cronometrada perdem-se, quanto a mim, inúmeras situações de duelos empolgantes, com ultrapassagens no limite que teríamos se a competição fosse com os automóveis a competir em simultâneo. Assim, com o rali, a emoção da corrida assenta muito nas legendas dos comentadores televisivos que vão dizendo os tempos de corrida das várias personagens. E a constante classificação na tabela de construtores e na de pilotos. Não muito emocionante, para ser sincero. E acaba, até, por ser algo entediante. E acho que isso será por ventura o que mais crucifica o intento nuclear da série que é – ou deveria ser – as corridas espetaculares entre as personagens.

Há que dar nota do esforço dos autores em tornar este livro – bem como todos os outros da Nova Temporada – em linha com a atualidade em que vivemos. Assim, não é de estranhar que o rival de Michel Vaillant, Daniel Farid, sendo um jovem, apresente as características que seriam de esperar dos jovens, onde se destaca a forte presença nas redes sociais. Quando a equipa Vaillante se apresenta na conferência de imprensa, Farid utiliza o telemóvel para, provavelmente, fazer um direto nas redes sociais. E numa outra ocasião, também o vemos a pedir a Michel para fazer uma story para o seu instagram. São alguns exemplos de uma tentativa de aproximar a série à atualidade e às camadas mais jovens. Se bem que, na minha opinião, até é bem capaz de ser um esforço algo em vão pois parece-me que o público que mais lê e compra Michel Vaillant continua a ser um público mais maduro que cresceu com a série.

Uma das etapas do campeonato de rali passa por Portugal, havendo a referência à cidade de Amarante. Outra coisa interessante e que, aos meus olhos, é bem pensado na série, é que embora as personagens principais, a equipa Vaillante e os seus carros sejam fictícios, depois há todo um conjunto de pilotos reais como Neuville, Ogier, Tänak ou Evans, bem como uma representação fiel dos seus carros e dos logótipos dos patrocinadores. Isso aproxima a série dos admiradores das corridas de carros na vida real. O que é positivo, claro.

Michel Vaillant – Duelos, de Lapière, Benéteau e Dutreuil - ASA
Em termos de ilustração, este álbum continua aquilo que tem vindo a ser traçado nos álbuns anteriores com a procura de um maior realismo na caracterização das personagens em comparação com a série clássica. O desenho dos carros também está fiel embora mais nuns casos do que noutros. Admitindo que os desenhos são agradáveis para a vista, considero que lhes falta algo para serem verdadeiramente gratificantes para observarmos. 

Os cenários têm poucos detalhes e as expressões das personagens são medianamente tratadas. A planificação da história tenta ter alguma dinâmica, com a introdução de vinhetas de vários tamanhos e formas, o que possibilita especialmente que tenhamos a sensação de velocidade e urgência durante as corridas. Em suma, em termos gráficos, é um álbum que cumpre mas sem distinção. Está longe de ser mau, mas também lhe falta várias coisas para, a meu ver, ser verdadeiramente especial.

Quanto à edição, temos a clássica edição da ASA com capa dura brilhante e papel brilhante de boa qualidade. Uma nota menos positiva deverá ser dada ao tipo de letra escolhido que nas palavras em que a letra A tem acentuação aguda, como por exemplo “há”, o resultado fique estranho e com leitura difícil. Fica mais a parecer “h’a” do que “há”.

Em conclusão, este Michel Vaillant – Duelos está em consonância com aquilo que a nova abordagem à série Michel Vaillant nos tem dado nos últimos anos. Histórias e desenhos que cumprem apenas os seus propósitos básicos de fazer justiça à série clássica. São livros que se lêem bem mas que não conseguem ser verdadeiramente marcantes ou inesquecíveis. Havendo competência nestas obras, julgo que lhes faltam uma abordagem mais artística que os pudesse fazer ir mais longe em termos qualitativos. Não são totalmente “frios” mas também não conseguem deixar de ser “mornos”. Pedia-se mais para que esta fosse uma série totalmente recomendável. Não obstante, julgo que os fãs da série clássica e das corridas de carros de forma genérica – especialmente se forem adeptos do rali – poderão gostar desta obra.


NOTA FINAL (1/10):
7.9




Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020


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Ficha técnica
Michel Vaillant - Duelos
Autores: Lapière, Benéteai e Dutreuil
Editora: ASA
Páginas: 56, a cores
Encadernação: Capa dura
Lançamento: Janeiro de 2021

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