Um Trovão no Caminho e Outras Histórias é o primeiro lançamento de 2021 que a editora Escorpião Azul nos traz.
Esta é a primeira obra do autor português António Rocha, que se inicia no lançamento de banda desenhada com uma antologia. Algo que, segundo as palavras do mesmo, até não é muito "comum". Sendo um primeiro trabalho, traz consigo as características inerentes a isso mesmo, isto é, o primordial intuito de ser uma obra que procura, acima de tudo, afirmar-se a si mesma. E devo dizer, sem reservas, que o trabalho de António Rocha me convenceu inteiramente.
Como é uma obra composta por 6 pequenas histórias, o autor apresenta-se-nos com várias roupagens narrativas, oferecendo-nos 3 histórias de ficção científica; duas histórias de fantasia; e uma história, mais mundana, do estilo slice of life.
Há todo um revivalismo no tom e no estilo, que faz com que estas histórias tenham um cariz vintage, que parecem retiradas do passado, como se esta publicação tivesse ficado hibernada durante 40 ou 50 anos. E isso está patente no estilo das histórias, onde habitam, quer personagens futuristas de ficção científica, quer personagens do estilo sword and sorcery. Se, há uns anos, os mercados estavam inundados deste estilo de publicações, devo confessar que, hoje em dia, em que estamos todos já largamente arredados desses tempos de outrora, ler este Um Trovão no Caminho e Outras Histórias foi algo de refrescante e prazeroso. Uma sensação bastante próxima de ver, por exemplo, a série Stranger Things e todas as referências e ambientes do passado que por ela são (res)suscitados.
A história que abre o livro é também aquela que dá nome ao mesmo. Em Um Trovão no Caminho, António Rocha conta-nos a história de Jeff, que tenta reproduzir as façanhas do seu próprio pai que, ao procurar, pelos seus próprios meios reunir dados que permitissem descobrir como armazenar a enorme energia soltada pelos trovões durante uma tempestade, acabou por perder a própria vida. Agora é a vez de Jeff, que também já é pai, tentar seguir os passos do seu pai, continuando o seu trabalho. No entanto, e por muita e boa influência que um pai possa ter na vida de um filho, ninguém é igual a ninguém e, expectavelmente, cada um de nós tem que traçar o seu próprio caminho. Será isso que Jeff fará. E é um pouco isso que o autor explora nessa história. Depois o conto ainda assume um cariz mais metafísico que, na minha opinião, era escusado. Embora se compreenda que foi a forma do autor conseguir caracterizar uma experiência pós-traumática oriunda de um acidente.
Na história seguinte, O Pai Partiu, António Rocha apresenta-nos a história mais terra-a-terra desta antologia e posso dizer que fiquei muito bem impressionado com a mesma. Quer na forma como a história é narrada, quer no seu ritmo, quer no facto de ser uma reflexão simples, mas profunda, sobre aqueles que, mesmo deixando este mundo fisicamente, ainda se continuam a fazer sentir na vida dos que cá ficam. Gostei muito e só tive pena que a história seja demasiado curta em páginas.
Depois temos Sobrevivente e Solidão que são curtas histórias de ficção científica que parecem inspiradas no ambiente criado por H. G. Wells na sua Guerra dos Mundos. Uma passa-se num mundo pós-apocalíptico e a outra no espaço sideral. Estes dois pequenos contos pareceram-me meros exercícios narrativos. Interessantes, mas pouco desenvolvidos em termos de argumento.
Por fim, as duas últimas histórias colocam-nos num passado distante, em reinos de fantasia. Em A Lei do Mais Forte, António Rocha dá-nos em meras 5 páginas uma boa noção de perspetiva em relação à força e à grandeza do seu protagonista, Korgo. E, em Bashir, temos uma história de cavaleiros num reino povoado por figuras mitológicas e monstros que, embora seja muito bem desenhada, não me seduziu tanto pois considero que o argumento me parece algo atabalhoado. Como se fosse uma mera justificação para que o autor desenhasse este tipo de figuras.
Olhando na globalidade para as histórias, Um Trovão no Caminho é aquela que tem mais princípio, meio e fim. Aquela que foi mais bem pensada do ponto de vista do argumento. Se bem que O Pai Partiu foi a história que deixou melhor impressão em mim sobre o real potencial que António Rocha pode ter em si. Adoraria ter visto esta história mais comprida em duração e mais desenvolvida em termos de argumento.
Mas, se falei das histórias até agora, há algo neste livro que importa realçar e que, possivelmente, será até aquilo que mais salta à vista quando abrimos esta obra: é que, António Rocha é um excelente ilustrador.
O seu estilo a preto e branco, com um traço fino que sabe ser elegante, remeteu-me bastante para certas publicações da Bonelli dos anos 70 e 80. O domínio das sombras e a utilização do espaço negativo por parte do autor é deveras interessante e surpreende pela positiva várias vezes ao longo da obra. E mesmo sendo verdade que certas personagens apresentam, por vezes, uma sensação de movimento algo estático, não é menos verdade de que este é um livro onde nos podemos perder algum tempo a observar os detalhes da arte de António Rocha.
O seu estilo de ilustração, volto a repetir-me, bem sei, também me remete para o passado, para ilustrações que, não sei bem porquê, foram passando de moda. Mas, pelo menos a mim, isso não faz confusão nenhuma e não é, sequer, algo que deva ser sentido como negativo. Ao invés, e mesmo podendo parecer um paradoxo, a verdade é que acho refrescante nos dias de hoje este estilo revivalista do autor. Quer na temática, quer na arte.
Sobre a edição da Escorpião Azul, este é um lançamento em linha com a tendência da editora. A encadernação é em capa mole e com bandanas. No entanto, há um destaque que merece ser feito. O papel que este livro traz é amarelado (em tons creme). Pessoalmente, acho que assentou que nem um luva na obra em questão pois, como já referi, a sensação revivalista da obra ainda ganha mais força devido a este papel. Parece mesmo que encontrámos este livro perdido num baú e o papel amarelado acentua essa sensação. Gostei.
Em conclusão, este Um Trovão no Caminho e Outras Histórias traz consigo coisas muito interessantes, especialmente um autor com excelentes dotes de ilustração e que bebeu, certamente, de boas influências a preto e branco, que marcaram especialmente a edição de banda desenhada nos anos 70 e 80. Foi uma agradável surpresa. Para ser ainda mais agradável, só gostaria que em vez de 6 histórias curtas, tivéssemos apenas uma história mas mais bem trabalhada e desenvolvida em termos de argumento. Com um argumento sólido, julgo ser justo dizer que António Rocha pode dar-nos algo verdadeiramente inesquecível no futuro. É ficarmos atentos ao trabalho deste autor português.
NOTA FINAL (1/10):
7.7
Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020
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Um Trovão no Caminho e Outras Histórias
Autor: António Rocha
Editora: Escorpião Azul
Páginas: 88, a preto e branco
Encadernação: Capa mole
Lançamento: Março de 2021
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