segunda-feira, 9 de maio de 2022

Análise: O Combate Quotidiano (Série Completa)

O Combate Quotidiano (Série Completa), de Manu Larcenet - A Seita e Arte de Autor

O Combate Quotidiano (Série Completa), de Manu Larcenet - A Seita e Arte de Autor
O Combate Quotidiano (Série Completa), de Manu Larcenet

Se há uns meses analisei o primeiro livro de O Combate Quotidiano, de Manu Larcenet, coeditado em Portugal pel’A Seita e pela Arte de Autor, agora que o segundo álbum chegou às livrarias, prefiro basear a minha análise não apenas nesse segundo número, mas em toda a minissérie. Em toda a obra. E, mais abaixo compreenderão porquê.

O Combate Quotidiano foi originalmente publicado em 4 tomos. A Arte de Autor e A Seita optaram por lançar esses 4 tomos em 2 volumes duplos.

E começo esta análise da forma como acabei a análise ao primeiro livro: A sensação final que o livro nos passa é bastante marcante. É um livro (falsamente) simples que, à medida que vai sendo lido, acaba por se impregnar em nós, fazendo-nos questionar certos comportamentos que nós próprios temos. É um verdadeiro manual da maturidade humana, de como ser mais tolerante face à diferença e de como esse comportamento nos leva – a nós e aos que nos rodeiam – à redenção.

O Combate Quotidiano (Série Completa), de Manu Larcenet - A Seita e Arte de Autor
Sim, de facto O Combate Quotidiano, como um todo, é uma obra que deixa marcas no leitor. Pelo seu relato transparente, sincero, cruel, dramático e, muitas vezes, triste, deixa-nos a pensar em muitas questões que aqui são levantadas, já bem depois de finda a leitura.

Não acho que seja um amor à primeira vista. Pelo menos para mim, não foi. O protagonista, Marco, com toda a sua postura irritante, egocêntrica e cheia de "problemas do primeiro mundo", não me conquistou logo nas primeiras páginas. Mas essa era a sua primeira camada. Porque, à medida que a leitura vai progredindo, damos por nós a compreender, a aceitar e a concordar com os problemas e dificuldades na vivência de Marco. Quem de nós não acaba por se rever em Marco, essa personagem tão representativa do mundo contemporâneo e tão habilmente esculpida por Manu Larcenet?

E, claro, depois há também o fantástico trabalho de diálogos, por parte do autor. É que as conversas que as personagens têm entre si são verdadeiramente ricas, com frases marcantes e com questões que nos fazem abanar a cabeça enquanto o nosso sorriso é agridoce. E ainda que o tom da história seja muitas vezes triste, também há redenção em O Combate Quotidiano. Tal como na vida, certo? Não há vidas perfeitas e sem sofrimento. Mas também não há vida que não esteja recheada de coisas magníficas e profundas. Saibamos nós procurá-las e, talvez mais importante, valorizá-las!

O Combate Quotidiano (Série Completa), de Manu Larcenet - A Seita e Arte de Autor
Continuando o percurso de Marco que, no final do volume anterior, 1) perdeu o seu pai de forma chocante; 2) teve uma enorme desilusão ao nível profissional; e 3) foi-se sentido cada vez mais aprisionado por Emily; o protagonista sente-se como que numa espiral de sentimentos negativos que lhe toldam a existência de medos, inseguranças e pânico. Ao nível clínico, mesmo. No entanto, a vida não é apenas um quarto escuro – também há luz dentro e fora das pessoas – e muitas vezes os nossos medos, perante algo que está para vir, são infundados. Tal como, olhando para trás, para aqueles que nos antecederam, encontramos respostas para as pessoas que somos hoje em dia. Mesmo que achemos que somos totalmente diferentes. Se há livros que nos dão muitas lições e tocam em muitos pontos, O Combate Quotidiano é um deles! E, com isto, chega a questão da parentalidade, das mudanças que isso acarreta e como também nos permite conhecermo-nos a nós próprios.

Graficamente, os desenhos desta obra são em estilo caricatural e cartoonesco havendo, todavia, espaço para algumas ilustrações de estilo diferente que o autor utiliza inteligentemente para nos passar uma qualquer reflexão em voz off. As cores, de Patrice Larcenet, são muito belas e atribuem à obra toda a textura cromática que a mesma precisava. 

O Combate Quotidiano (Série Completa), de Manu Larcenet - A Seita e Arte de Autor
Como disse na análise que fiz ao volume anterior, “confesso que me custou a lidar com os olhos das personagens que, por vezes, não apresentam pupilas nem íris e não passam de globos brancos sem expressão. Deu-me sempre a ideia de desenho inacabado. Há certos outros elementos que também mereciam um maior cuidado do autor - já que é justo dizer que ele conseguiria tê-lo feito, se quisesse. Claro que também se deve aceitar e compreender que, possivelmente não era essa a intenção do autor. Além de que nem sequer é isso que estraga o prazer de apreciarmos as ilustrações, mas, a meu ver, se feito de outra maneira, poderia elevar a qualidade visual da obra. Mas também não deixa de ser verdade que, globalmente falando, este é um livro bonito, com bonitas cores e várias ilustrações onde Larcenet nos mostra a sua diversidade e excelente arsenal de soluções gráficas narrativas para construir uma boa história em banda desenhada.

Quanto à edição que A Seita e a Arte de Autor, estamos perante um belo trabalho. A capa é dura e baça, o papel, também baço, é de boa gramagem e a impressão e encadernação são de boa qualidade. O trabalho gráfico do livro também está bem concebido. Sendo que, no segundo volume, ainda há a vantagem de o livro incluir 6 páginas de extras, com notas do autor e fotografias com que o mesmo se inspirou para a feitura desta obra. Tudo muito bem feito.

O Combate Quotidiano (Série Completa), de Manu Larcenet - A Seita e Arte de Autor
E, já agora, se a capa do primeiro volume já era bela, a capa deste segundo volume é magnífica e uma série candidata a melhor capa do ano. A ilustração é linda e passa-nos automaticamente uma sensação de poesia idílica. E até a maneira como o título é colocado em cima da nuvem, funciona lindamente.

Devo dizer que, enquanto leitor, gostaria mais se, em vez das editoras portuguesas lançarem esta obra em dois volumes duplos, o tivessem feito num só volume integral, pois acho que a história é melhor lida dessa forma, corrida. É óbvio que os editores hão-de ter pensado nas várias hipóteses e se optaram por esta possibilidade foi porque consideraram a mais proveitosa/menos custosa para si. Mesmo assim, insisto que esta é uma das obras que, a meu ver, mereceria um volume integral. Seja como for, o mais importante é que a obra foi editada. E é uma bela edição, como já referi. E, apesar de tudo, prefiro que a edição tenha sido em dois álbuns duplos do que nos 4 volumes em que foi originalmente editada em França. Portanto, acho que isto não é bem uma crítica negativa da minha parte mas apenas o desabafo de como considero que (ainda) seria melhor a edição.

Em suma, esta é uma obra essencial da banda desenhada europeia, que merece ser lida e reconhecida por todos! Mais um trabalho da mais alta qualidade que é integralmente publicado em Portugal pelas mãos da Arte de Autor e d’A Seita. Parabéns pela aposta em qualidade superior!


NOTA FINAL (1/10):
9.8



Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020



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O Combate Quotidiano (Série Completa), de Manu Larcenet - A Seita e Arte de Autor

Fichas técnicas
O Combate Quotidiano - Vol. 1
Autor: Manu Larcenet
Editoras: A Seita e Arte de Autor
Páginas: 120, a cores
Encadernação: Capa dura
Formato: 215 x 285 cms
Lançamento: Setembro de 2021

O Combate Quotidiano (Série Completa), de Manu Larcenet - A Seita e Arte de Autor

O Combate Quotidiano - Vol. 2 (de 2)
Autor: Manu Larcenet
Editoras: A Seita e Arte de Autor
Páginas: 136, a cores
Encadernação: Capa dura
Formato: 215 x 285 cms
Lançamento: Abril de 2022

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