A editora A Seita impressiona-me com a forma como consegue albergar, senão todos, pelo menos uma grande parte de subgéneros de banda desenhada que agradam aos mais diversos tipos de público. É a editora mais relevante da atualidade no que concerne ao lançamento de banda desenhada portuguesa, mas também é a editora que apostou de forma mais assertiva nos fumetti da Bonelli (Dylan Dog, Dampyr, Comissário Ricciardi). Para além disso, também tem apostado no lançamento de obras de qualidade superior como, por exemplo, A Fera ou O Combate Quotidiano. Se a isso ainda juntarmos a coleção, para um público mais alargado, de Lucky Luke Visto Por... ou a (muito boa) coleção Nona Literatura, podemos dizer que a editora está, praticamente em todas as frentes. Ou quase todas.
Para além de (ainda) não estar presente no lançamento de mangás (mas novidades surgirão, brevemente, a esse respeito) a editora não tinha, quanto a mim, uma série de cariz franco-belga, de belo traço e história simples, mas “com suco”, que pudesse agradar a todos aqueles amantes de bd europeia mais clássica. Falo de séries célebres clássicas como Largo Winch, I.R.S., Bruno Brazil, Comanche ou Blueberry, mas também, de séries mais recentes (embora igualmente clássicas no género) como Tango, O Guardião ou Undertaker. No entanto, desde o lançamento deste Nevada. que hoje vos trago, que essa "lacuna" d’ A Seita se evaporou. Isto porque os amantes das séries que acabo de mencionar, certamente, irão adorar este Nevada.
Nevada é uma série que, na sua publicação francesa original, que começou em 2019, já conta com 3 tomos, estando o quarto volume previso para 2022, ainda. Da autoria dos experientes Fred Duval, Jean-Pierre Pécau e Colin Wilson, pode-se dizer que é um daquelas séries que é inteligente na forma como consegue reunir vários subgéneros – todos eles com bastante sucesso na bd europeia – e juntar tudo, de forma equilibrada e bem conseguida, num só guisado que junta o western, o pulp e o policial.
À primeira vista e olhando para o género principal com que a obra é classificada - o western - pode parecer apenas "mais um western". Mas considero algo redutor olharmos para Nevada e considerarmos a obra apenas como western. Isto porque a ação também se desenrola em ambientes citadinos bem arredados das clássicas planícies áridas da América do Norte, como Hollywood. Essa terra onde o cinema cresce de forma efervescente. Sim, há saloons, há cavalos, há chapéus de cowboy, bem como uma trama e uma ação com tiroteios, que são clássicos nas histórias de cowboys. Mas também há um herói solitário numa mota, as tramas e as tramóias da indústria cinematográfica norte-americana e o glamour das festas noturnas na cidade das estrelas.
“Hmmm… isso não será miscelânea a mais?”, questionarão os mais céticos. Posso dizer que não. Considero que há um bom equilíbrio entre as partes aqui presentes. Aliás, até diria que será esse o grande fator distintivo e, ao mesmo tempo, familiar, de Nevada. E pode até, no limite, ser uma série que convida leitores não habituais de western a uma ligeira mas interessante entrada nesse universo. Bem como, em sentido oposto, também convida o leitor do western clássico a deixar espairecer um pouco a sua leitura habitual. Para mim, funciona muito bem.
Ambientado no início do século XX, em que a indústria cinematográfica estava a crescer exponencialmente, enquanto que o velho oeste estava, gradualmente, a dar lugar a uma terra mais civilizada embora, em muitos pontos, teimosamente antiga e fiel aos hábitos agressivos, em que imperava a lei do mais forte, a série apresenta-nos um protagonista com bastante personalidade que dá pelo nome de Nevada Marquez e que trabalha para os estúdios de Hollywood, tendo como funções a resolução de missões difíceis e perigosas e outros tantos negócios sujos. Um típico “faz tudo”, portanto.
Neste caso, parte para o México em busca de uma estrela dos filmes western que, sem mais nem menos, desapareceu repentinamente. Em vez de usar o habitual cavalo que costumamos ver em aventuras ambientadas no faroeste americano, Nevada desloca-se numa mota que lhe permite viajar a uma velocidade bem mais rápida aos mais recônditos locais. A partir daí, percebemos que a tal estrela de cinema desaparecida, devido a uma noite de copos, acabou por se meter com quem não devia, um mafioso poderoso que controla toda a região e que promete fazer a vida negra ao ator em questão. Mas os prazos e os avultados investimentos na indústria cinematográfica são bem mais prementes que essas quezílias pessoais e caberá a Nevada resgatar o ator cativo. A partir daqui, temos ação e engenho que consegue entreter bem.
É o primeiro álbum de uma série e que vem com o claro objetivo de nos apresentar a personagem e o universo da série. Funciona bastante bem embora terminemos a leitura do livro com bastantes questões por responder acerca de Nevada Marquez – e dos seus companheiros que se juntam a ele durante os momentos de ação. Creio que, provavelmente, estas pontas soltas possam ser melhor limadas pelos autores. No entanto, é como digo: funciona tudo bastante bem.
E, claro, para que a série me tenha conquistado, também ajuda que o trabalho de Colin Wilson, o ilustrador, seja verdadeiramente impressionante. Conhecia o seu belo trabalho da série A Juventude de Blueberry mas gostei da forma como o seu estilo de desenho mistura bem entre a ilustração mais clássica de uma série como Blueberry e, ao mesmo tempo, a ilustração mais moderna. Com as devidas diferenças, através dos seus fabulosos desenhos fui remetido para as igualmente fabulosas ilustrações de Ralph Meyer em Undertaker. Coisa que muito me agradou, diga-se!
O traço de Wilson é dinâmico, algo sujo e assume-se como perfeito para representar expressões inequívocas e belas cenas de ação. A utilização de enquadramentos variados, bem como uma planificação airosa, que sabe dar espaço para belas e grandes vinhetas, também nos remete para o cinema. Em termos de ilustração é, portanto, muito bom. E, para isso, ainda contribuem as belas cores aplicadas por Jean-Paul Fernandez.
Apenas não fiquei muito convencido com a capa deste álbum – bem como com as capas dos álbuns vindouros desta série. Principalmente, aliás, com as capas restantes da série. Esta primeira ainda será a melhor. Não é por serem capas feias ou mal-executadas, nem nada que se pareça, mas porque remetem para uma banda desenhada “demasiado” clássica. E isso fica-me a soar a uma certa incongruência. É que, se a série procura ser moderna, no argumento e no desenho/cores, as capas deviam estar mais em linha com essa abordagem, digo eu. Mas é apenas uma opinião muito pessoal sobre o tema.
De resto, a edição d’ A Seita está bem conseguida, apresentando capa dura, bom papel, boa impressão e boa encadernação. Algo muito em linha com este tipo de séries europeias, diria. Nada de negativo a referir.
Por tudo isto, considero a aposta d’A Seita neste Nevada como muito acertada. A série tem tudo para ser um sucesso de vendas em Portugal porque aponta, de forma certeira, em muitas direções. E, claro, apresenta um desenho e umas cores maravilhosas e modernas, às quais será difícil resistir. Que venham os próximos volumes tão depressa quanto possível!
NOTA FINAL (1/10):
8.9
Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020
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Nevada #1 - A Estrela Solitária
Autores: Fred Duval, Jean-Pierre Pécau e Colin Wilson
Editora: A Seita
Páginas: 56, a cores
Encadernação: Capa dura
Lançamento: Março de 2022
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