Se é verdade que no desporto costumamos utilizar o termo “underdog” para as equipas que, à partida, têm menos probabilidades de ganhar o confronto com uma equipa teoricamente mais forte, a verdade é que essa palavra inglesa também é utilizada para classificar uma pessoa - ou uma coisa - com pouco estatuto aos olhos da sociedade. Os chamados "patinhos feios", vá. Portanto, partindo desse princípio, lanço mais um TOP aqui no Vinheta 2020, em que escolho alguns dos livros que, estranhamente, não apelaram tanto aos leitores portugueses de banda desenhada e que, por essa razão, acabaram por vender mal. Mas lá porque um produto venda mal, não quer dizer que não tenha qualidade, certo? E vice-versa! Por vezes, há produtos que vendem muito bem e não têm grande qualidade.
Claro que esta perceção de “qualidade” que aqui vos trago é, naturalmente, a minha perceção pessoal e, portanto, é passível de ser contrariada por aqueles que me lêem. Ou não.
Basicamente, para fazer este TOP foquei-me em algumas obras que foram lançadas há relativamente pouco tempo e que, mesmo tendo tido vendas um pouco abaixo do expetável, são livros que adoro! Procurei não incluir obras de editoras que, entretanto, se extinguiram (embora sejam inúmeros os bons exemplos de livros que venderam pouco e que foram publicados por editoras que acabaram por perecer).
Então, sem mais demoras e porque, por vezes, não damos a oportunidade a certas obras que o mereciam, apresento-vos 10 livros de que gosto muito, mas que, por uma razão ou outra, tiveram – ou têm tido – maus resultados em termos de vendas.
Dêem-lhes uma oportunidade, caros leitores.
10. O Último Sopro dos Mortos
Autor: Davide Garota
Editora: Escorpião Azul
Quando o mesmo foi lançado pela Escorpião Azul, achei que teria um sucesso comercial relativo, dado ter um argumento e um ambiente que nos remetem para aquelas produções cinematográficas a la Quentin Tarantino ou Robert Rodriguez, que trazem consigo uma franja própria de público.
Mas parece que eu estava errado, pois sei agora que foi dos títulos que menos vendeu pela Escorpião Azul. O que, quanto a mim, é uma pena.
Não vos vou dizer que é a melhor banda desenhada de sempre mas posso dizer-vos que é uma obra em que, quer o argumento, quer a ilustração, apresentam muito carisma e fazem deste um livro muito recomendável.
Análise completa à obra, aqui.
9. Dylan Dog – Trevas Profundas
Autores: Argento, Piani e Roi
Editora: A Seita
Como fã de Dylan Dog, fico muito contente por recentemente haver uma aposta nas aventuras daquele que é o meu herói favorito do fumetti italiano.
Compreendo que talvez não seja uma personagem que possa agradar a todos, mas também considero que, caso lhe seja dada uma oportunidade, novos leitores, que tomem contacto com este universo, poderão ficar adeptos da personagem e da série. É esse o verdadeiro poder e charme do detetive do oculto.
Assim, fico bastante feliz que seja uma série que até vende razoavelmente bem por cá. Contudo, sei que este Terras Profundas é dos livros de Dylan Dog que vendeu pior em Portugal. E fico com pena, porque é um álbum com umas ilustrações verdadeiramente bonitas e uma história interessante. Não será, certamente, o melhor álbum de Dylan Dog mas com a mesma certeza vos digo que não será o pior e que nos dá uma bela história. Recomenda-se.
8. Churubusco
Autor: Andrea Ferraris
Editora: Escorpião Azul
É que, mesmo admitindo que o tema da história e a arte ilustrativa não sejam, por ventura, tão apelativas a um grande público, não deixam de ter personalidade e relevância para chegar a um bom número de leitores.
Digo eu, pelo menos!
É que me parece que a aposta da Escorpião Azul foi uma aposta em qualidade, onde o valor histórico do momento bélico que aqui é retratado, bem como o estilo de ilustração muito característico do autor, Andrea Ferraris, me fazem recomendar vivamente que se conheça este belo trabalho.
Análise completa à obra, aqui.
7. Como Viaja a Água
Autor: Juan Díaz Canales
Editora: Arte de Autor
Se houve uma obra que me surpreendeu nos últimos anos (penso que li este livro logo aquando o seu lançamento, em 2016) foi este Como Viaja a Água, de Juan Díaz Canales.
Não é segredo para ninguém que o autor é um ótimo argumentista, devido ao seu trabalho nas séries Blacksad e Corto Maltese. No entanto, eu não sabia – até 2016, pelo menos - que o autor também era um desenhador tão competente!
Num estilo a preto e branco, que muito me lembra o igualmente fantástico desenho de Will Eisner, Canales oferece-nos um belo livro que, quanto a mim, deveria ter vendido muito bem!
Saber que foi um dos livros que menos vendeu no catálogo da Arte de Autor faz-me abanar tristemente a cabeça, lamentando: “o que se passou com o vosso bom gosto, caríssimos leitores de bd, para não terem comprado este livro em massa?”.
6. Spaghetti Bros
Autores: Trillo e Mandrafina
Editora: Arte de Autor
Felizmente sei que esta série tem começado a vender melhor com a passagem do tempo. No entanto, também sei que foi uma série que recebeu uma certa resistência por parte dos leitores portugueses, não tenho vendido muito bem inicialmente. E, por esse motivo, figura neste meu TOP.
Meus amigos, Spaghetti Bros é verdadeiramente delicioso! Tem humor, personagens inesquecíveis, com as quais criamos facilmente uma forte ligação, e é muito bem desenhada por Mandrafina! Nada nos falta, portanto! Não sei se foram as capas pouco apetecíveis (Mandrafina é um autor fenomenal no desenho, mas não acho que faça boas capas); ou se foi o facto de ser uma série a preto e branco que, por vezes, não é tão chamativa para muita gente.
Mas sei que é um erro de perceção não dar uma oportunidade a esta brilhante série, que em Portugal já conta com 3 volumes e que, possivelmente no próximo ano, será integralmente editada por cá!
5. Gus
Autor: Christophe Blain
Editora: Gradiva
Não vos vou dizer que esta seja uma banda desenhada que marcou a minha vida ou que considere genial, mas vou-vos dizer, isso sim, que é uma excelente série, divertida e original, que, com o seu registo meio alternativo – mas daquele tipo de “alternativo” que, bem promovido, pode facilmente ser “mainstream” – deveria ter sido totalmente publicada por cá.
Por isso, sim, sou daqueles que lamentou bastante o cancelamento de Gus.
Análise completa a esta obra, aqui.
4. O Castelo dos Animais
Autores: Delep e Dorison
Editora: Arte de Autor
Tal como a supramencionada série Spaghetti Bros, tenho informações de que, embora O Castelo dos Animais tenha começado com vendas muito tímidas, tem vindo, progressivamente, a conquistar um volume de vendas mais considerável. Portanto, e assim espero, talvez a inclusão da obra nesta lista venha a deixar de fazer sentido daqui a uns meses.
De qualquer maneira, não posso deixar de ficar negativamente admirado pelo facto da mesma não ter tido uma melhor prestação nas vendas. Esta é uma fábula lindíssima em que é feita uma ponte narrativa sublime com a obra A Quinta dos Animais, de George Orwell, e que nos dá tudo aquilo que poderíamos desejar: uma boa história, bonitas e memoráveis personagens, um toque de humanidade e desenhos maravilhosos de Félix Delep. Até as capas e a edição são maravilhosas!
O que falta, então, para que esta série obtenha mais sucesso em Portugal? Não sei mas espero que todos aqueles que estão a ler este artigo e ainda não deram uma oportunidade a esta série, o façam ainda durante o dia de hoje.
3. O Combate Quotidiano
Autor: Manu Larcenet
Editoras: A Seita e Arte de Autor
Talvez seja cedo para estar já a falar desta obra pois o segundo e último volume da mesma, acaba de ser publicado. Mesmo assim, dei-me conta de que o primeiro volume ficou bastante longe das expetativas dos editores em relação às vendas conquistadas. E isso é algo que me deixa triste. Estamos perante uma obra maravilhosa da banda desenhada mundial, carregada de belos e maduros significados e de uma humanidade incrível que devia ser obrigatório ler. Conhecer o trabalho para depois se poder refletir sobre o que aqui nos é dado.
Também é verdade que, voltando ao que já referi atrás, talvez com o lançamento deste segundo volume, haja um aumento das vendas dos dois livros que compõem a obra. Espero que seja o caso. E se este meu TOP puder contribuir para isso, melhor ainda. É que O Combate Quotidiano é mesmo uma obra ímpar que deve figurar numa boa coleção de banda desenhada de qualidade.
2. Peter Pan
Autor: Régis Loisel
Editora: ASA
Neste caso, devo dizer que estou a falar um pouco com base no “diz que disse”. Não tenho quaisquer informações oficiais da editora que me digam que a série Peter Pan, de Régis Loisel, lançada no ano passado pela ASA, em parceria com o jornal Público, tenha vendido mal.
No entanto, em termos de “informação oficiosa”, tem-me chegado a informação, por algumas lojas, que Peter Pan foi, de certa forma, uma desilusão em termos de vendas. Ou que ficou aquém do expetável, vá. E isso até pode significar que as vendas nem foram tão más assim, mas que, pelo menos, não corresponderam aos desejos da editora. Seja como for, saber que esta fantástica série de bd não está na estante de qualquer que seja o fã de banda desenhada é como que uma estaca que se me espeta no coração!
A história é sublime, a arte é maravilhosa e a abordagem à obra original de J. M. Barrie é audaz e inesquecível! Se não compraram ainda, corrijam essa lacuna. Agora! De nada.
Análise completa à obra, aqui.
1. O Azul é Uma Cor Quente
Autora: Julie Maroh
Editora: Arte de Autor
Se há coisas que me custam a compreender – e até mesmo a aceitar – é que este livro seja um dos que vendeu pior, por parte da Arte de Autor. Bem, se calhar até compreendo porquê. Porque o tema da homossexualidade pode ser condicionante para muitos leitores. Mas é pena que o seja, já que este livro é de uma força narrativa como é raro encontrar. Para mim, é das melhores obras da Arte de Autor! E atentem que não estamos a falar de uma editora com poucas obras espetaculares!
A história está muito bem tratada e aborda o tema em questão com uma forte racionalidade que, conjugada em paralelo com uma boa dose de sensibilidade, nos dá algo que é raro encontrar em banda desenhada. Um autêntico murro no estômago! E as ilustrações também são verdadeiramente maravilhosas.
Confesso que me parece que a capa foi bastante vilipendiada nesta edição portuguesa, pois aquele banner enorme arruinou bastante a capa, na minha opinião. Compreendo que o propósito era comercial, já que este livro deu origem ao filme A Vida de Adèle.. E, já agora, quanto a isso, deixem-me dizer que vi, mais tarde, o filme e fiquei totalmente desiludido com o mesmo, pois perdeu-se, quanto a mim, a verdadeira essência da coisa. Para ver planos de sexo entre mulheres, em que o argumento fica em segundo plano, há opções mais explícitas e diretas na internet. É que o livro pode ter momentos de erotismo entre as duas mulheres que protagonizam a história, mas é muito, muito, muitooooo, mais do que isso. Se viram o filme e gostaram, TÊM mesmo de ler a banda desenhada. E, provavelmente, passarão a gostar mais do livro do que do filme. Se querem ver o filme, mas ainda não o viram, façam um favor a vós próprios e leiam primeiro este O Azul é Uma Cor Quente. Fantástico!
Boa tarde,
ResponderEliminarExcelente lista! Uma questão: onde adquirir online os volumes de “Peter Pan”?
Cumprimentos,
Paulo B.
Obrigado! Envie, pf, um email para vinheta2020@gmail.com e responder-lhe-ei acerca da forma de adquirir os volumes de Peter Pan junto da editora.
EliminarViva Hugo. Curioso artigo o seu, mas que não deixa de ser revelador acerca das inconsistências e lacunas do "mercado" nacional de BD. Se por um lado compreendemos que editar BD é assumir um risco calculado vemos, igualmente, que continuam a faltar aos editores locais capacidades de avaliação das verdadeiras potencialidades de obras e autores e, acima de tudo, como "vendê-las". Os editores devem ter um importante papel na formação do gosto propondo narrativas originais, autores e obras diferenciadas mas têm saber que levar o processo mais além. Insisto, falta ao mercado nacional uma plataforma comum de promoção e venda de obras de BD, um local onde os interessados poderiam consultar e , eventualmente, adquiri obras e onde as editoras poderiam realizar campanhas e outras ações de promoção. Faltam também canais de divulgação (poucos sites e uma quase inexistência de vlogs e blogs). Seria necessário, igualmente, valorizar as lojas físicas, nomeadamente as especializadas e apostar seriamente nos eventos dedicados á 9ª Arte. O caminho vai ser longo e incerto...
ResponderEliminarPois, António, ainda há muito a fazer e, de facto, o nosso mercado (ao nível de número de leitores, número de edições, editoras, autores, eventos, lojas físicas, meios de comunicação, blogs, vlogs, etc...) ainda é muito pequeno. Mas não nos podemos agarrar ao "problema". Temos que nos focar em soluções para dinamizar o mercado.
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