quarta-feira, 12 de maio de 2021

Análise: Gus #1 - Nathalie

Gus #1 - Nathalie, de Christophe Blain - Gradiva


Gus #1 - Nathalie, de Christophe Blain - Gradiva
Gus #1 - Nathalie, de Christophe Blain

Não me lembro de um ano em que, em Portugal, se tenha lançado tanta banda desenhada de estilo western. Não digo isto nem demonstrando desilusão, nem demonstrando contentamento. Gosto de praticamente todos os estilos de banda desenhada e o western, logicamente, também é sempre bem-vindo para os meus gostos. Portanto, se faço este comentário é mais porque (ainda) estou surpreendido com a enorme quantidade de westerns que, ainda sem sequer termos chegado a meio de 2021, já tivemos. Assim, de cabeça, lembro-me que a Ala dos Livros editou Undertaker #2, a Arte de Autor editou Duke #5, A Seita editou Procura-se Lucky Luke e Tex – A Chicotada e a Gradiva editou o fantástico O Último Homem..., para além deste Gus. Mas Gus, convém dizer, é bastante diferente das mencionadas propostas.

Mais do que um western, Gus é uma banda desenhada de humor. Limita-se apenas a utilizar o estilo do faroeste como âncora cénica. Porque as histórias que nos são contadas poderiam perfeitamente utilizar qualquer outro cenário e qualquer outro espaço temporal. Ou não fossem estas histórias sobre romances entre os intervenientes, sobre a busca por uma alma-gémea. Algo que nós, humanidade, já fazemos desde os primórdios da nossa existência. Claro que as histórias teriam que ocorrer em algum lugar e em algum tempo e o autor desta banda desenhada, Christophe Blain, optou por ambientar as histórias de Gus no tempo dos cowboys.

Gus #1 - Nathalie, de Christophe Blain - Gradiva
E embora Gus dê título a esta série, que em França já soma 4 álbuns, esta banda desenhada não versa apenas sobre as aventuras amorosas do protagonista mas, também, sobre os companheiros deste, Clem e Grattan. O tema sempre presente é o amor, o engate, o desejo, a tentativa de sucesso destes três cowboys junto do sexo feminino, sempre em busca da mulher perfeita para o momento perfeito.

Mas, excetuando uma certa apetência para comportamentos adúlteros, não pensem que estes cowboys são garanhões e/ou brutamontes que desrespeitam as mulheres enquanto género, ou que se safam assim tão bem com elas. Pelo contrário, aquilo que esta divertida bd nos mostra é que estes homens - e, por ventura, todos os outros - são, de facto, muito parecidos entre si (perdoem-me a generelização) e que todos eles, de uma forma ou de outra, têm a mesmíssima dificuldade perante a vida: conseguirem compreender a Mulher. Os seus intentos, os seus gostos e as suas características inerentes. E, depois disso, conquistá-la, claro. Porque, enquanto os homens são, normalmente, seres mais básicos, simples e com comportamentos mais expetáveis, as mulheres são mais complexas, com mais camadas por conhecer e com comportamentos mais inesperados. Pelo menos aos olhos dos homens, entenda-se. Daí a dificuldade destes 3 cowboys em conquistarem as mulheres por quem, tão facilmente, se apaixonam.

Gus #1 - Nathalie, de Christophe Blain - Gradiva
É claro que sendo estas histórias ambientadas no faroeste americano, há cenas de pancadaria, tiroteios, assaltos a bancos e perseguições de cavalo. Mas isso é apenas o mise-en-scène para que, depois, a história amorosa se possa desenrolar.

Este primeiro álbum é dividido em 5 histórias: Nathalie; Gus, Clem, Gratt; El Dorado; Linda McCormich; e Isabella. E em todos estes contos, o foco dos cowboys é conquistarem a(s) mulher(es) que procuram. O seu objetivo é sempre um "rabo de saias".

Mas em todas essas aventuras, as expetativas dos nossos heróis – especialmente as de Gus – saem divertidamente furadas. Estes não são os cowboys a que o género nos habituou: fortes, seguros, secos, rijos e sem sentimentos. Não! Estes cowboys são sentimentiais e inseguros como adolescentes e partilham entre si – e connosco – as suas mágoas perante os seus fracassos e as suas demandas em tentar anular isso e conquistarem as mulheres que procuram.

Gus e os seus amigos tão depressa são foras-da-lei, prontos a preparar o seu próprio assalto, como, numa das histórias, também são xerifes de uma cidade, o que traz, desde logo, uma piada subentendida por parte do autor. 

Gus #1 - Nathalie, de Christophe Blain - Gradiva
Embora já conhecesse o autor e a série (de nome, apenas) não sabia muito bem o que esperar de Gus. E devo admitir que a leitura das primeiras duas histórias me fez sorrir levemente, sem que ficasse maravilhado. Porém, isso rapidamente mudou após a leitura da terceira história, El Dorado. Esta história é tão boa, tão divertida e tão bem trabalhada por Blain, que merecia um filme de cinema só para si. Esqueçam o filme A Ressaca! Esta viagem dos três cowboys a uma terra onde as mulheres são mais libertinas é genial da primeira à última vinheta.

Portanto, mesmo que no início da leitura eu não tenha ficado logo maravilhado com a leitura de Gus, tenho que admitir que, no final do livro, eu já era fã da série. É necessária uma acostumação a este tipo de humor de situação mas, depois, começamos a identificarmo-nos com as fraquezas destas personagens. Gostei particularmente de como Gus, o mais gabarola, acaba por ser sempre aquele que nunca se safa com nenhuma rapariga. Todos nós temos esse amigo, certo?

Como é um western humorístico, é natural que sejam feitas comparações com Lucky Luke de Morris. No entanto, não me parece que estas duas bandas desenhadas tenham muitas mais parecenças ou pontos em comum, além desses: o de se passarem no faroeste e o de serem do subgénero do humor. Porque enquanto a série Lucky Luke associa alguns factos históricos a contos divertidos, sabendo satirizar o faroeste, Gus limita-se a ser um conjunto de histórias divertidas ambientadas no faroeste. Não é uma leitura que me tenha arrancado gargalhadas hilariantes mas, seguramente, deixou-me divertido, com um sorrisinho interior, à medida que a ia lendo. Acaba por ser uma leitura fácil mas que vicia e nos faz ler o livro muito rapidamente.

Gus #1 - Nathalie, de Christophe Blain - Gradiva
Relativamente à arte ilustrativa que nos é dada, Blain oferece-nos um estilo bastante "cartoonizado", com linhas bastante rabiscadas e reduzidas ao essencial, mas que sabem dotar a série de personagens expressivos e inesquecíveis. Em termos de cenários é bastante pobre, reconheço, com vários fundos completamente a branco, mas sendo uma banda desenhada humorística, mais focada naquilo que é dito do que naquilo que é demonstrado através do desenho, não achei que fizesse falta um maior detalhe nas ilustrações. 

Quanto ao desenho das personagens, sendo simplista e até infantil, acaba por ter uma personalidade muito própria que está, a meu ver, muito em sintonia com o tom e ambiente leve e divertido de Gus. Não era necessário que a personagem de Gus tivesse um nariz tão grande. Mas lá que fica com um aspeto muito mais cómico, lá isso fica. Portanto, acho que o desenho, sendo simples, encaixa bem na história que nos é dada. E não esqueçamos que Blain também consegue com extrema simplicidade desenhar poses de forma engraçada, demonstrando que domina muito bem a linguagem corporal das personagens, de modo a conseguir trazer mais humor para acompanhar o texto.

A planificação é quase sempre igual (com 8 vinhetas quadradas por prancha) e as cores também são muito simples, de uma enorme solidez e linearidade. No entanto, um destaque positivo para a forma como as cores e luzes são introduzidas, de forma a permitirem uma certa sensação de conforto nas ilustrações.

Gus #1 - Nathalie, de Christophe Blain - Gradiva
Acho que Gus, em conjunto com O Último Homem..., que, até agora, são as únicas obras de bd que a Gradiva lançou em 2021, parecem demonstrar um novo caminho, uma nova direção e uma nova abordagem em relação à banda desenhada, por parte da editora portuguesa. Para melhor, diga-se. Não é que as séries de cariz histórico-didático lançadas em tempos recentes (A Sabedoria dos Mitos, Descobridores ou Eles Fizeram História) não tenham sido interessantes ou não tenham tido bons momentos de bd, mas parece-me que a Gradiva passou a jogar "cartadas" mais altas em termos de boa banda desenhada, pois a editora parece estar a querer apostar em bd com maior qualidade. E isso é algo que aplaudo, obviamente. Se com O Último Homem... a editora já tem um dos títulos mais fortes de banda desenhada lançados em 2021 até agora, com Gus, a editora abre a porta a um humor subtil e refinado, impregnado de qualidade e personalidade, que a edição de banda desenhada em Portugal também merece. Parabéns, Gradiva!

A edição apresenta uma boa encadernação, com capa dura brilhante e um bom papel a acompanhá-la. Como nota menos positiva, pareceu-me que o trabalho de legendagem nem sempre estava bem conseguido, havendo várias legendas onde as palavras e letras foram alargadas ou diminuídas para melhor caberem num balão. Não é nada que tenha estragado o prazer da minha leitura mas é algo que considero que merece nota.

Em suma, Gus assume-se como indispensável para os amantes do género do humor na banda desenhada. Esperem bons momentos, boas personagens e uma clara avaliação de como os homens são semelhantes na busca desenfreada - e muitas vezes cheia de esquemas e trapaças - para conseguirem alcançar a mulher dos seus sonhos.


NOTA FINAL (1/10):
8.5


Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020


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Gus #1 - Nathalie, de Christophe Blain - Gradiva

Ficha técnica
Gus #1 - Nathalie
Autor: Christophe Blain
Editora: Gradiva
Páginas: 80, a cores
Encadernação: Capa dura
Lançamento: Abril de 2021

2 comentários:

  1. Viva Hugo, parabéns pela sua crítica e se, em geral, concordo com a análise não posso deixar de discordar quanto à apreciação da arte. "Simplista" e "infantil" serão, talvez, um pouco redutoras da atenção colocada pelo autor em evidenciar as personagens e a história, retirando elementos acessórios desnecessários - esta "técnica" é amplamente utilizado por outros criadores. De igual modo a paleta de cores limitada é usada como forma de focar a atenção do leitor nas personagens. Quanto à balonagem e letragem este é um dos pontos a que, infelizmente, as editoras nacionais dão pouca importância, muitas vezes socorrendo-se a soluções já existentes que não se adequam ao conteúdo - existirão, concerteza, designers tipográficos que poderiam colmatar esta lacuna... Não escondo que gostaria de ver esta obra editada na íntegra - desejo, pois, sucesso a este título e que lancem os outros tomos em breve...

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    1. Caro António. Obrigado pelo comentário. Quando me refiro à arte como "simplista" e "infantil" posso estar a ser, de facto, algo redutor. Mas não considero a ilustração com essas características como algo negativo. Acho que o grande talento está em conseguir-se reduzir os detalhes ao essencial e conseguir, ainda assim, ter personagens tão expressivas. Devo dizer que, a meu ver, Gus (também) funciona muito bem em termos visuais. E, tal como o António, também eu gostaria que esta obra fosse editada na íntegra. O público português e a obra merecem!

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